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Presos por matar Moïse contam à Polícia como agrediram congolês até que ele parou de reagir

Acusados negam ter agido por racismo ou xenofobia, dizem que africano queria beber sem pagar e ameaçou funcionário; para OAB-RJ, é uma 'tentativa de desqualificar a vítima'

2 fev 2022 - 21h52
(atualizado em 3/2/2022 às 01h17)
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RIO - Os três presos acusados de espancar até à morte o congolês Moïse Kabamgabe, em 24 de janeiro, em um quiosque, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, afirmaram à Polícia Civil que o congolês, antes de ser agredido, já havia bebido cerveja por horas e queria pegar mais bebida.

Segundo os depoimentos de Aleson Cristiano de Oliveira Fonseca, o Dezenove, de 28 anos, Brendon Alexander Luz da Silva, o Tota, de 21, e Fabio Pirineus da Silva, o Belo, de 41, aos quais o Estadão teve acesso, o chefe do Tropicália impediu que o congolês bebesse sem pagar e foi ameaçado por ele. Então, o trio interveio e começou a agredir Moïse. Os três tiveram a prisão temporária por cinco dias decretada pela Justiça e estão no presídio de Benfica, na zona norte do Rio.

Dezenove foi o primeiro a se apresentar à polícia. No início da tarde de terça-feira, 1, ele se apresentou à 34ª DP (Bangu). Agentes da Delegacia de Homicídios (DH) da capital, que investiga o caso, foram até lá e o conduziram até a DH, na Barra da Tijuca (zona oeste).

Em depoimento, Dezenove contou que decidiu agredir o congolês "porque ele já estava perturbando há alguns dias". Por isso, "resolveu extravasar a raiva que estava sentindo". Pegou um taco de beisebol que já havia sido usado contra a vítima por outro agressor, Belo, e bateu mais em Moïse, que, segundo ele, "ainda estava se debatendo e resistindo à imobilização de Tota". Ele reconhece ter "exagerado nas agressões", mas disse que não tinha intenção de matar o congolês. Afirmou ainda que chamou o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) para que prestasse socorro à vítima.

Segundo parentes, Moise Kabagambe morreu depois de ser agredido por cinco homens após cobrar uma dívida de trabalho em quiosque da Barra da Tijuca. 
Segundo parentes, Moise Kabagambe morreu depois de ser agredido por cinco homens após cobrar uma dívida de trabalho em quiosque da Barra da Tijuca.
Foto: Facebook/Reprodução / Estadão

Dezenove trabalhava no quiosque Biruta, que divide a mesma estrutura com o Tropicália. Moïse também tinha trabalhado nos dias anteriores. O acusado contou que o congolês vinha apresentando um comportamento diferente do normal, bebendo durante o trabalho e ameaçando pessoas.

Segundo o depoimento, na noite do crime Moïse estava bêbado e tentou pegar uma cerveja no quiosque Biruta. Como não conseguiu, foi ao Tropicália, onde teria tentado agredir um funcionário. À polícia, Dezenove negou que Moïse tenha ido ao quiosque para cobrar dívidas de trabalho. Negou ainda que tenha agredido o congolês pelo fato de a vítima ser estrangeira ou negra.

O segundo dos três presos a se apresentar foi Brendon Alexander Luz da Silva, conhecido como Tota. Agentes da DH o contataram por telefone. Conforme combinado, Tota foi até a estação de trem de Santa Cruz, na zona oeste. Lá, policiais o encontraram e dali o conduziram à Delegacia de Homicídios.

Tota contou que imobilizou congolês com golpe de jiu-jitsu

Tota afirmou que conhecia o congolês de vista, e que todos o tratavam como "angolano". Segundo ele, naquela segunda-feira Moïse estava bebendo desde cedo e chegou a pegar duas cervejas com Tota, sob o compromisso de pagar depois.

Tota afirmou que haviam encerrado o expediente e estava conversando com clientes do quiosque Biruta quando notou uma discussão entre Moïse e Jailton Pereira Campos, o Baixinho, funcionário chefe do quiosque Tropicália. Ao se aproximar, flagrou o congolês tentando pegar uma cerveja no freezer do quiosque Tropicália e o empurrou, para evitar que mexesse no eletroméstico.

"Ao empurrar Moïse, o mesmo passou a encará-lo, indo em sua direção; por ser praticante de jiu-jitsu,derrubou Moïse e o imobilizou; Moïse resistiu à imobilização o quanto pode", descreveu Tota à polícia, segundo o depoimento. Ele disse ter sido ameaçado por Moïse enquanto o imobilizava.

Em seguida, segundo Tota, Belo, que também trabalhava naqueles quiosques, chegou com um pedaço de pau na mão e passou a agredir Moïse. Enquanto o congolês era agredido, Tota pediu que ele "parasse de resistir", mas Moïse respondia que iria matá-los. Depois, Dezenove apareceu no local e também agrediu Moïse com as mãos e um pedaço de madeira. Os agressores decidiram imobilizar o congolês, segundo Tota, para que ele parasse de resistir. Tota disse ter ficado cerca de 8 minutos imobilizando Moïse, até notar que ele havia parado de resistir.

Congolês foi amarrado depois de parar de resistir

Pediu então para amarrar o congolês. Belo pegou uma corda e amarrou os pés e as mãos de Moïse, segundo esta versão sem enrolar no pescoço. Tota diz ter decidido amarrar o congolês por medo de que Moïse o perseguisse. Depois se levantou e foi até o quiosque Biruta. Em seguida, um cliente avisou que Moïse não estava respirando. Depois de confirmar que a informação era verdadeira, desamarrou o congolês e tentou reanimá-lo, fazendo massagem cardíaca. Mas viu que Moïse não reagia, então jogou água em seus pulsos, novamente tentando reanimá-lo.

Duas pessoas que passavam pelo local pararam e também tentaram reanimar Moïse, sem sucesso. Belo então ligou pedindo uma ambulância, e Tota decidiu ir embora, sem mais informações sobre o estado do congolês. Só no dia seguinte ele ficou sabendo, pela internet, que Moïse havia morrido. Ele nega que as agressões ao congolês tivessem cunho racista ou xenofóbico, e diz ser adepto do candomblé e não ter nenhum preconceito contra negros e estrangeiros.

Tota afirmou ainda que não acredita na cobrança de dívidas trabalhistas pelo congolês, e que o motivo da agressão foi defender Baixinho de Moïse. Tota alega ter apenas segurado Moïse, sem tê-lo estrangulado, e ter "a consciência tranquila".

O terceiro preso pelo crime, Belo, foi detido no fim da tarde de terça-feira por agentes da DH em sua casa, em Paciência (zona oeste). Conduzido à delegacia, ele afirmou que conhecia Moïse havia cerca de um ano. Afirmou que o congolês era usuário de drogas, bebia muito e trabalhava na praia como diarista. Moïse, de acordo com o depoimento, teria permanecido na praia desde o sábado, 22, ingerindo bebida alcoólica.

Não houve cobrança de dívida, diz Belo

Por volta das 22h da segunda-feira, 24, afirmou, chegou ao quiosque Tropicália "completamente alterado" e disse a Baixinho que estava com fome e queria beber cerveja, mas não tinha dinheiro para pagar. No entanto, como ele "trabalhava para o quiosque, tinha o direito de beber e comer". Belo negou que o congolês tenha cobrado qualquer dívida.

Segundo ele, a agressão não ocorreu pelo fato de Moïse ser negro ou estrangeiro, mas porque ele tentou pegar bebida no freezer. Disse ter visto Moïse tentando agredir Baixinho com uma cadeira e, sabendo que congolês estava alterado, gritou: "Você tá doidão e arrumando confusão". Moïse respondeu, de acordo com esta versão: "Então me bate". Belo pegou um taco de beisebol e começou a bater na vítima, enquanto ela era imobilizada por Dezenove.

Belo afirmou ter batido "várias vezes na vítima, mesmo enquanto ela estava imobilizada". Depois que parou de agredir o congolês, Dezenove pegou o taco e continuou as agressões. Belo teria ligado para um amigo e saído do local, antes que a morte do congolês fosse constatada. Ele disse à polícia que não tinha a intenção de matar Moise e não combinou o espancamento com os outros agressores. Afirmou estar arrependido de ter batido no congolês.

Funcionário diz que Tropicália não devia nada a Moïse

Jailton Pereira Campos, o Baixinho, de 55 anos, trabalhava no quiosque Tropicália e impediu que Moïse pegasse cerveja sem pagar, dando início à confusão que terminou no espancamento do congolês até a morte. À Polícia, ele contou que a vítima estava tentando pegar bebidas no freezer do quiosque, ele impediu e ouviu do congolês "que já tinha matado quatro (pessoas) e o depoente seria mais um".

Sentindo-se ameaçado, Baixinho pegou um pedaço de madeira que estava ao lado do freezer, enquanto Moïse pegou uma cadeira e falou que "iria arrebentar a cabeça" de Baixinho. Ele fugiu da vítima, que então tirou a camisa e disse: "Vou pegar bebida e te matar". Nesse momento Tota chegou e imobilizou o congolês.

Em seguida chegou Belo, que começou a agredir Moise com um pedaço de madeira. Depois chegou Dezenove, que seguiu com as agressões. Baixinho disse não concordar com as agressões, mas não ter meios de impedi-la.

Segundo Baixinho, o dono do quiosque não tinha nenhuma dívida com a vítima, que estava havia dois dias pela praia, dormindo na areia, consumindo bebidas e drogas.

Uma mulher que estava com a família no quiosque no momento do espancamento também prestou depoimento. Thainá de Oliveira Silva contou à polícia que no dia 24 de janeiro foi à praia com seu marido e dois primos, e quando foi ao quiosque Tropicália para comprar refrigerante, por volta das 22h, viu homens agredindo um rapaz negro. Segundo ela, esses homens avisaram para ela não olhar para a cena.

Disseram ainda que o rapaz estava assaltando as pessoas e devia receber um "corretivo". Thainá disse ter pedido auxílio a dois guardas municipais, mas eles não intervieram na briga. Ela então voltou ao quiosque com o marido, viu o homem negro amarrado e seu marido concluiu que ele já estava morto.

Dono do quiosque diz que Moïse nunca se envolvera em confusão

O dono do quiosque Tropicália, Carlos Fábio da Silva Muzi, de 44 anos, contou em depoimento que conhecia Moïse desde 2019. Relatou que o jovem trabalhava ocasionalmente no quiosque e que nunca "tinha arrumado confusão ou briga, nem no quiosque, nem com outros funcionários, nem com clientes na praia". Muzi contou que desde o dia 20 de janeiro Moïse estava trabalhando no quiosque Biruta, anexo ao seu. No dia do crime, portanto, Moise estava trabalhando no Biruta, não no Tropicália, como foi inicialmente divulgado.

Segundo o depoimento, Muzi trabalhou naquele dia até às 21h e então foi para casa. Às 23h recebeu um telefonema do funcionário de um quiosque vizinho dizendo que "tinham batido" no "angolano", como Moïse era conhecido na praia, e que ele estava morto. O dono do Tropicália contou também que um pouco mais tarde recebeu uma mensagem de Belo perguntando se as câmeras de segurança do quiosque estavam funcionando. Muzi disse que mentiu, dizendo que os equipamentos não funcionavam, e que Belo pareceu aliviado com a resposta. As imagens foram encaminhadas à polícia e viraram evidências contra os três.

Advogado da família do congolês diz que depoimentos tentam desqualificar vítima

O advogado Rodrigo Mondego, da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio (OAB-RJ), que presta assistência à família de Moïse e acompanha o caso, repudiou as declarações dos presos em entrevista divulgada pelo G1. Segundo ele, as afirmações são uma tentativa de desqualificar a vítima /COLABOROU WILSON TOSTA

Estadão
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