Projeto trata dependentes de crack com café e limão em SP
Método é usado por cerca de 90 dependentes químicos; projeto funciona em casa ocupada e corre risco de despejo
“Falta algo no nosso organismo. Muitas vezes não temos consciência do que é que está faltando, mas às vezes a lembrança é tão forte que a gente chega a sentir o gosto da droga. E o café tira o gosto de qualquer coisa ingerida.”
O relato é de Maurício Augusto Pacheco, 35 anos, que largou o último semestre da faculdade de Direito quando conheceu o crack, sete anos atrás. “Foi um trago e amor à primeira vista”, conta. Há cinco meses sem usar drogas, Pacheco hoje luta contra o vício com a ajuda dos voluntários do projeto Crack Zero, que usa um método pouco convencional para tratar os dependentes químicos: café e limão.
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Segundo Luciano Celestino da Silva, 39 anos, criador do projeto, o café tem a função de limpar o organismo; já o limão reduz os efeitos da abstinência. “Não é remédio, isso está bem claro. O limão não cura. Mas ele causa um impacto direto no vício, na crise de abstinência”, diz Silva, que também é líder comunitário em Heliópolis (zona sul).
Adriano José de Lima Silva, 33 anos, consente. “A abstinência bate, e quando bate a gente começa a ficar nervoso. Então a gente toma um pouco de limão e já acalma os nervos, começa a caminhar de novo”, diz ele, que entrou no projeto há três meses e, desde então, está “limpo”. Antes disso, morava com a mulher e a filha pequena em uma Kombi, usando “todo tipo de droga todos os dias”.
De acordo com a psiquiatra Camila Magalhães Silveira, pesquisadora do Programa de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), não há estudos científicos a respeito do uso de café e limão no tratamento da dependência química. Ela diz, contudo, que a ressocialização é fundamental no combate ao vício em crack.
“O que a gente percebe é que muitas vezes eles precisam de um cuidado, de alguém que os ajude a passar pela fase da abstinência. Então, se existe sucesso (no projeto), ele está mais vinculado a isso. São pessoas que estenderam a mão e ofereceram um placebo”, disse.
O Crack Zero nasceu em 2011 e hoje trata cerca de 90 dependentes químicos. Para o seu idealizador, levar o projeto adiante é como uma missão. “É um compromisso. Eu tinha uma dívida, e chega uma hora em que você precisa fazer alguma coisa para se completar”, diz Luciano Silva.
Os trabalhos são feitos em duas casas na zona sul da capital: uma no Ipiranga, onde vivem 20 pessoas, e outra no Sacomã, que abriga o restante dos internos. Para alimentar tanta gente, o projeto vive de doações de supermercados, sacolões e simpatizantes. Também há ajuda de igrejas, além de culto evangélico toda semana. “Agradeço a Deus por ter sido acolhido aqui”, diz Adriano Silva.
Despejo
A casa do Ipiranga é emprestada, mas o local onde o projeto funciona no Sacomã é, na verdade, um imóvel ocupado. A pedido da proprietária, a Justiça de São Paulo já havia autorizado a reintegração de posse, mas a decisão foi suspensa temporariamente após um recurso de representantes do Crack Zero.
“Nós tentamos alugar o imóvel. Essa proposta foi feita, mas a proprietária não quis”, diz Luciano Silva, que faria uma “vaquinha” para pagar o aluguel. A informação foi confirmada pela advogada Jackeline Pollin, que representa a dona do imóvel. “Essa casa faz parte de um inventário e a família só aceita a venda. Minha cliente é uma senhora aposentada de mais de 80 anos. Ela precisa desse dinheiro”, disse Pollin.
A fim de tentar evitar o despejo, Luciano Silva procurou a Prefeitura de São Paulo, e a Secretaria Municipal da Saúde esteve no local. A pasta, no entanto, informou que não pode firmar qualquer parceria com o projeto Crack Zero, o qual considera um "equipamento de acolhida".
"Além de estarem em local invadido, a entidade não está constituída como pessoa jurídica, o que impede qualquer parceria. Após esse passo, a entidade deve cumprir todas as medidas legais e possuir um estatuto ou contrato social. A partir disso, a ONG poderá participar de chamada pública para parcerias", informa a secretaria, em nota. A Prefeitura de São Paulo mantém desde janeiro de 2014 o projeto "De Braços Abertos", que oferece emprego e moradia para usuários de droga na região da Cracolândia, no centro da capital.