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Reitor diz que foi ameaçado após incêndio no Museu Nacional

Segundo Roberto Leher, Ministério Público será informado; em entrevista ao Terra, ele falou sobre os próximos passos da reconstrução

2 out 2018 - 07h40
(atualizado em 4/10/2018 às 12h12)
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O reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Leher, estava no teatro exatamente um mês atrás enquanto o fogo começava a consumir o Museu Nacional, ligado à universidade. Conta que, ao deixar a sala, recebeu ligação de sua filha informando da tragédia e correu para a Quinta da Boa Vista – onde o incêndio aconteceu.

Começava ali um dos períodos mais dolorosos da história da ciência brasileira. Leher conta que ele e o diretor do Museu, Alexander Kellner, chegaram a ser ameaçados pela internet. O Ministério Público, diz, será informado sobre o caso.

O reitor da UFRJ, Roberto Leher, em entrevista quatro dias após o incêndio
O reitor da UFRJ, Roberto Leher, em entrevista quatro dias após o incêndio
Foto: José Lucena / Futura Press

Após semanas de correria, reuniões e intrigas envolvendo sua filiação partidária, o reitor concedeu entrevista ao Terra nesta segunda-feira (1), por telefone.

Em 45 minutos de conversa, ele falou sobre o andamento dos trabalhos de recuperação do Museu. Disse que não houve uma notificação direta ao governo federal sobre o estado do prédio que abrigava a instituição, antigo palácio de D. João VI, mas que essa comunicação havia sido feita por meio de pedidos de recursos.

O reitor negou que sua filiação ao Psol tenha interferido nas relações com o poder público, que classificou como “republicanas” de todas as partes. Também minimizou declarações duras do ex-ministro da Educação Mendonça Filho (DEM) e do ministro da Cultura, Sério Sá Leitão.

Segundo Leher, os 2 milhões de itens que estavam fora do prédio incendiado haviam sido retirados para manutenção do Museu. Ele demonstra otimismo sobre a busca por peças que tenham sobrevivido ao fogo: “é muito provável que ainda tenhamos uma parte significava do acervo”.

Antes de sair do teatro para assistir às chamas destruindo uma das principais instituições científicas do Brasil, a última vez de Leher no Museu havia sido na solenidade de comemoração dos 200 anos, em junho. “A última imagem que tenho é emocionante”, diz.

Roberto Leher tem 58 anos, é professor titular da Faculdade de Educação e da pós-graduação em Educação da UFRJ. Desde 2015, comanda a reitoria da universidade.

Leia os principais trechos da entrevista:

Antes de mais nada, professor Leher, poderia dar um resumo de como foram as últimas semanas na UFRJ?

Pelo menos desde que eu ingressei na UFRJ, em 1978, nós não vivíamos um período tão difícil e doloroso para a instituição. O Museu Nacional é muito estruturante da imagem da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem um acervo maravilhoso, de grande importância para a ciência, para a história, para a imagem do Brasil. Quando vimos tudo isso consumido pelo incêndio houve uma dor intensa.

Chamas consumiram o Museu Nacional
Chamas consumiram o Museu Nacional
Foto: Ricardo Moraes / Reuters

Aquela imagem que ficou na televisão a semana inteira do prédio bicentenário ardendo foi bastante forte até para quem não tem ligação com o museu...

Sem dúvida. É muito chocante porque, de certa forma, é uma imagem que mexe com a nação. E creio que é um acontecimento tão violento, tão brutal, que não pode deixar de interpelar toda a sociedade brasileira sobre a cultura e o lugar da ciência no convívio do País.

Tenho a impressão de que o assunto caiu nos últimos dias. Acha que o incêndio vai ter alguma influência sobre as eleições nesse domingo?

Eu creio que não. Nós entendemos que incêndio do Museu Nacional é um acontecimento que mexe com o mundo da cultura, com o mundo da ciência, com a memória do País. Seguramente não pode ser um tema que entre na narrativa, na retórica da política cotidiana, particularmente num contexto de eleição presidencial.

Mas também tem eleição para deputado estadual e federal.

Claro, mas o que chama a atenção é que tudo o que aconteceu no Museu Nacional alcança um significado para o País e isto efetivamente não entrou no foco central da cobertura da maior parte da imprensa brasileira. A narrativa foi recontextualizada como um debate que gerou um conflito com os números da universidade, com informações muito descontextualizadas por parte de alguns meios de comunicação.  É uma lástima, porque um acontecimento tão violento e tão doloroso, no mínimo, deveria interpelar o país e provocar mudanças positivas para corrigir rumos.

O debate sobre o lugar da história natural, da antropologia, do conhecimento dos povos indígenas, da cultura indígena, as linguagens dos povos indígenas, conhecimento paleontológico, da formação e evolução humana no nosso território... tudo isso tem um significado muito grande para o País, e não foi o núcleo da narrativa.

Bombeiro combate incêndio no museu com jato de água
Bombeiro combate incêndio no museu com jato de água
Foto: Marcello Dias / Futura Press

O senhor escreveu para a Folha de S.Paulo que “um pequeno círculo de poder” celebrou o incêndio. Quem faz parte desse círculo?

Todos os setores da sociedade brasileira que não compreendem o lugar de uma instituição com as características do Museu Nacional. Temos setores da elite que não conseguem inserir no seu projeto de País esse tipo de conhecimento e esse tipo de acervo. Olham com desdém para os povos indígenas, talvez muito mais preocupados com o lugar que os povos indígenas ocupam em seus territórios que talvez impeçam a expansão de algum setor do agronegócio.

E quando falam em museus, espaços culturais, trabalham muito mais com uma lógica de que espaços culturais devem estar associados à indústria cultural. Muito mais ao entretenimento do que à cultura e à ciência. 

A filiação do senhor ao Psol foi citada na época do incêndio, com atores políticos atribuindo a isso a tragédia. Dentro do governo federal, na interlocução com Brasília, sua filiação partidária foi assunto ou motivo de má vontade de alguma autoridade?

Eu fui fundador do Psol, tenho orgulho. Isso está assegurado pela Constituição Federal, não pode ser de nenhuma forma utilizado para desqualificar ou imputar modos de ação de algum dirigente de universidade, estamos nos referindo aqui às universidades, em relação à forma de gestão.

Isso foi respeitado em Brasília?

Temos uma relação muito boa com o Ministério da Educação, trabalhamos de forma muito sistemática com o ministro Rossieli [Soares] na busca de soluções para o Museu Nacional. Ele trabalhou de forma muito republicana, em nenhum momento a minha escolha ideológica ou partidária foi inserida no debate. Da mesma maneira me refiro ao Ministério da Ciência e Tecnologia e ao Ministério do Planejamento. Reuni-me com a bancada federal do Rio de Janeiro em momento decisivo da campanha [eleitoral, que deputados estão disputando], reunimos mais de 30 deputados em Brasília para tratar do Museu com todas as bancadas.

Os deputados não se desmobilizaram depois, quando a eleição foi se aproximando?

Os parlamentares estão cuidando de suas atribuições e também de suas campanhas, mas foi afirmada a disposição de apoiar com uma emenda de bancada o Museu Nacional. São parlamentares de diversos partidos. Nós estivemos com o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM), que também se dispôs a contribuir. 

Não há crise nenhuma em relação à minha opção partidária. Isto surgiu na imprensa como parte dessa narrativa de setores que pensam de forma diferente o futuro da ciência e da cultura, e reposicionam a ciência e a cultura num lugar subalterno da agenda política nacional. Não foi uma questão estruturada pelos sujeitos que têm relação direta com a universidade, o Ministério da Educação e o Ministério da Ciência e Tecnologia.

Mas uma das pessoas que ligou a filiação do senhor ao incêndio foi o ex-ministro da Educação Mendonça Filho [que deixou o cargo em abril para poder concorrer ao Senado pelo DEM]. Posso inferir que ele faz parte dessa elite que o senhor está descrevendo?

O Mendonça Filho seguramente não faz parte da elite que está no bloco de poder. Ele é um operador político que está em campanha, respeito a campanha dele. Ficou evidenciado que a Universidade Federal do Rio de Janeiro perdeu muito orçamento nos últimos anos, inclusive antes do Ministério ser liderado pelo Mendonça Filho. Talvez isso tenha preocupado o ministro em relação à sua campanha eleitoral, o que é absolutamente injustificável, porque nós não estávamos atribuindo responsabilidade e culpa a pessoas A ou B.

Houve também palavras fortes do ministro Sérgio Sá Leitão, em entrevista à BBC. Isso já faz umas três semanas. Pelo que o senhor está falando, o governo e a UFRJ chegaram a um denominador comum.

Onde de fato há relevância, Ministério da Educação, Ministério da Ciência e Tecnologia, Ministério do Planejamento, nós estamos trabalhando de forma muito republicana e colaborativa. No caso do Ministério da Cultura, não há uma relação com a cultura e a memória histórica presentes no Museu Nacional. Ali talvez tenha sido uma opinião de alguém que está fora do escopo da questão.

A UFRJ chegou a enviar ofício ou alguma outra notificação formal ao governo avisando de que o museu corria risco iminente?

Nós apresentamos isto na forma de projetos. Estávamos no contexto das comemorações dos 200 anos do Museu Nacional, e buscamos recursos que seriam de uma ordem de grandeza muito significativa. Já em 2014, a direção do Museu tinha buscado apoio parlamentar. Conseguiu uma emenda de bancada, mas não era uma emenda impositiva, e nós não conseguimos a liberação desses recursos pelo governo.

Parte da estrutura do Museu Nacional cedeu com o incêndio
Parte da estrutura do Museu Nacional cedeu com o incêndio
Foto: Ricardo Moraes / Reuters

Mas uma notificação, uma carta, por exemplo: "O Museu Nacional corre riscos X, X e Y por causa disso, disso e daquilo", dessa forma não chegou a ter?

Dessa forma não, porque isso tudo estava nos projetos. Os projetos identificavam os problemas. Tinha várias etapas de recuperação do prédio que estavam inseridas num plano estruturado de ação em que nós apostamos de forma muito enfática no projeto do BNDES. Acreditávamos que, em termos de projeto, a concepção do projeto era muito positiva. Infelizmente a tragédia aconteceu antes da liberação. 

Algum outro museu da UFRJ corre risco de ter o mesmo destino que teve o Museu Nacional?

A UFRJ possui áreas com vulnerabilidades, mas nenhuma das nossas edificações de grande porte hoje tem vulnerabilidade semelhante à que existia no Museu Nacional. 

A que tinha essa vulnerabilidade era a capela da Praia Vermelha, que inclusive pegou fogo em 2011. Fizemos a reforma estrutural [da capela] e agora estamos renovando todas as instalações elétricas.

Outro prédio que tem vulnerabilidade é a escola de música. Precisa refazer toda a parte de eletricidade. Nós já estamos operando nesse sentido. O Ministério da Educação está apoiando a UFRJ. 

Na semana passada, estivemos com o comando do Corpo de Bombeiros e estamos construindo um acordo geral de cooperação.

Após o incêndio, um jornalista do Correio Braziliense publicou que banqueiros teriam pedido a sua demissão ao presidente Michel Temer em troca de apoio financeiro para a reconstrução do Museu. Depois, a Federação Brasileira de Bancos negou. Mas o senhor estava sob muita pressão naqueles dias. Em algum momento o senhor sentiu seu cargo ameaçado?

Não, porque eu confio muito na autonomia universitária. A UFRJ está muito fortemente unida. A comunidade universitária como um todo está envolvida e engajada, motivada, a defender a autonomia universitária.

É claro que a pressão foi muito desproporcional. No sentido de ataques pessoais na internet, ameaças à vida. Nós estamos já encaminhando isso ao Ministério Público.

Ameaças contra o senhor e contra quem mais?

Ameaças contra o reitor, contra a direção do Museu. Nós encontramos diversas manifestações de ódio, de ofensas pessoais. Isso foi respondido pela UFRJ por meio de maior envolvimento da comunidade universitária, que está toda muito mobilizada para reconstruir o museu.

O diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner, conversa com equipe de resgate ao lado do museu queimado no dia seguinte à tragédia
O diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner, conversa com equipe de resgate ao lado do museu queimado no dia seguinte à tragédia
Foto: Pilar Olivares / Reuters

Só confirmando: então teve ameaça até de morte?

Olha, explicitamente não foi apresentada assim, mas indiretamente, sim. Isso infelizmente é algo que está dentro de um contexto que aparece nos porões da rede, em que nós temos de fato manifestações que difundem ódio, agressões. Chegaram a colocar vídeos de uma outra pessoa como se fosse o reitor da UFRJ.

Uma série de ações de caráter nitidamente... podemos até caracterizar com traços próprios inclusive do fascismo apareceram naquele contexto. É um momento da história brasileira que nós temos confiança que vamos superar. A UFRJ está comprometida com os valores democráticos.

Tinha no Museu Nacional um programa de pós-graduação super conceituado [antropologia social], com nota 7 na Coordenação de Aperfeiçõamento de Pessoal em Nível Superior (Capes), que é a mais alta. O que vai acontecer? A Capes vai fazer uma revisão desse conceito? E quais seriam as consequências para a universidade?

Depois do trágico acontecimento nós estivemos com o ministro da Ciência e Tecnologia para tratar do apoio do Ministério por meio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) aos pesquisadores e aos estudantes que perderam seu material de pesquisa e que de forma alguma podem ter os seus trabalhos interrompidos. 

É importante retomar o trabalho acadêmico. A direção de avaliação da Capes esteve aqui. Nós discutimos que, em vários casos, vamos precisar de adiamento de prazos de defesa de tese, porque o estudante perdeu seu material.

Essa excelência acadêmica do curso de antropologia social e outros que já são programas de excelência, todos terão o apoio especial da Finep, do CNPq e também da Capes.

Nos dias seguintes ao incêndio, apareceram notícias indicando que haveria colaboração de entidades internacionais na restauração do museu. O que se tem de mais avançado nesse sentido até agora?

A primeira etapa em que estamos trabalhando, com colaboração da Unesco, que enviou seus especialistas em uma "arqueologia do incêndio", é para podermos buscar acervos que ainda podem estar preservados. É muito provável que nós ainda tenhamos uma quantidade significativa de acervo, talvez até mais de 10% possa ser recuperado [nos escombros]. 

Também com apoio da Unesco, nós estamos, junto com o MEC, promovendo articulações com o ministério das Relações Exteriores para mantermos o vigor dessas colaborações internacionais. Ao mesmo tempo estamos trabalhando no que será a modelagem da conta específica para receber doações para a reconstrução do Museu. Esta conta tem de ser passível de acompanhamento pelos doadores, por entidades internacionais.

Ministério da Educação, Ministério da Ciência e Tecnologia e emenda de bancada, dessas três fontes, a gente está falando de quando dinheiro mais ou menos?

Nós não temos uma estimativa muito precisa porque isso está sendo trabalhado pelas equipes técnicas. Estamos equalizando o que seria uma intervenção mais eficaz ainda em 2019. Mas nos próximos dias nós estaremos com uma estimativa mais confiável.

É impossível, então, estimar quanto tempo e quanto dinheiro vai ser necessário para colocar o Museu Nacional em funcionamento plenamente de novo? Como visitação, pesquisa, ensino...

Só quando nós estivermos com o termo de referência para a reconstrução do Museu concluído, e isso envolve trabalho muito sofisticado. É muito importante que nós possamos trabalhar o que vai ser o conceito do Museu. Evidente que nós não teremos mais a mesma edificação. A partir do termo de referência, nós vamos ter com precisão a ordem de grandeza dos recursos necessários.

O Museu Nacional antes do incêndio
O Museu Nacional antes do incêndio
Foto: Fábio Motta / Estadão Conteúdo

Quando havia sido a última visita do senhor ao Museu Nacional? Antes de ser professor da UFRJ, o senhor frequentava a Quinta da Boa Vista?

Eu estive pela última vez por ocasião da solenidade de 200 anos do Museu Nacional, em que justamente fiz uma fala reatando as expectativas de futuro em relação ao Museu, das mudanças que teríamos que fazer, do deslocamento das atividades técnicas que estavam acontecendo dentro do Museu para os anexos, das expectativas que tínhamos com projeto com o BNDES, da necessidade de ampliar esse projeto, inclusive, no próximo ano.

Foi uma solenidade muito bonita, eles preparam de forma muito linda o Museu. Então, a última imagem que tenho do Museu é uma imagem emocionante. Tínhamos exposição de poríferos muito linda, foi um momento muito marcante para a universidade a celebração dos 200 anos.

Estive no Museu com meus filhos pequenos, levava-os de tempos em tempos para conhecer e estar interagindo com o maravilhoso acervo. Então todos os meus três filhos estiveram mais de uma vez no Museu Nacional, vivendo experiências muito intensas.

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Fonte: Redação Terra
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