Renato Cariani: para onde iam os produtos químicos suspeitos de desvio? Entenda investigação da PF
Polícia Federal afirma ter identificado 60 transações fraudulentas em seis anos; influenciador fitness diz que empresa 'trabalha totalmente regulada'
A Polícia Federal deflagrou nesta terça-feira, 12, uma operação que tem como alvo um grupo suspeito de desviar produtos químicos que podem ter sido usados para a produção de até 19 toneladas de drogas, como crack e cocaína. A investigação foi feita em conjunto com o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) e a Receita Federal.
Um dos 16 alvos da operação é o influenciador fitness Renato Cariani, que tem 7,4 milhões de seguidores no Instagram. Sócio de uma das empresas investigadas, ele afirma ter sido surpreendido com a ofensiva. Cariani disse ainda que, até o início da tarde desta terça, não havia tido acesso ao conteúdo das investigações.
Segundo o influenciador, a companhia investigada foi fundada em 1981 e é controlada por sua sócia, de 71 anos. "Tem sede própria, todas as licenças, certificações nacionais e internacionais. Trabalha totalmente regulada", disse, em vídeo publicado nas redes sociais.
A Polícia Federal afirmou ter identificado 60 transações possivelmente fraudulentas feitas pelas empresas investigadas em seis anos. Cerca de 12 toneladas de insumos, como fenacetina e manitol, teriam sido desviados para células de organizações criminosas com atuação em São Paulo, Minas Gerais e Paraná. Foram cumpridos 18 mandados de busca e apreensão nesses Estados.
"Nós sabemos que esse produto que é desviado e essa droga que é introduzida já com o 'batismo', digamos assim, é feita por meio de organizações criminosas", disse o delegado Fabrizio Galli, chefe da Delegacia de Repressão a Entorpecentes da Superintendência Regional da PF em São Paulo.
Ele afirmou que as organizações criminosas que teriam adquirido os insumos ainda estão sendo identificadas, uma vez que existem "situações diferentes" do mercado da droga nos Estados que foram alvos da operação - em São Paulo, por exemplo, o narcotráfico é comandado pelo Primeiro Comando da Capital (PCC).
Ainda assim, a PF afirma que a relação dos desvios com o tráfico de drogas está clara pelo que já foi apurado. "O produto investigado foi efetivamente desviado e efetivamente esses produtos químicos de alguma forma foram usados para adulteração e ampliação da droga, que entrou em circulação em território nacional", disse.
O delegado reforçou que a quantidade de droga que pode ter sido produzida depende do nível de pureza do "produto final". "Pelo que a gente tem da perícia, os produtos (cocaína) têm mais ou menos entre 20% a 30% de pureza. O resto são produtos químicos que aumentam o volume", disse Galli.
Entre esses produtos, estão justamente os insumos como os que teriam sido desviados no esquema, como fenacetina, lidocaína e manitol. Embora considerados lícitos em alguns mercados, eles são comumente usados para aumentar o volume de drogas como a cocaína e, desse modo, catapultar o lucro das organizações criminosas.
"Essas substâncias são utilizadas para refino e adulteração de drogas (...) A Polícia Federal tem um catálogo, faz o controle administrativo de diversos produtos químicos", afirmou o delegado da Polícia Federal Vitor Vivaldi, que chefiou as investigações do caso.
Segundo a Polícia Federal, as empresas investigadas movimentaram cerca de R$ 6 milhões em produtos químicos, mas ainda é difícil estimar por quanto esses insumos foram vendidos em um mercado paralelo e qual foi o tamanho do lucro dos envolvidos.
Como mostrou o Estadão, uma estimativa preliminar apontou que o lucro auferido pelo grupo investigado teria sido de R$ 3,7 milhões. Enquanto o quilo da cocaína pode custar entre US$ 3 mil e US$ 5 mil em países da América Latina, a mesma quantidade pode ser comprada por até US$ 50 mil em outros continentes, como Europa e Ásia.
Como funcionava o esquema, segundo a PF?
Vivaldi afirma que, durante a investigação, que já se estende há um ano, foram localizados ao menos 60 possíveis desvios de produtos químicos das empresas investigadas. "Começou através de denúncias de grandes multinacionais, cujos nomes estavam sendo utilizados para a emissão de notas fiscais de produtos controlados utilizados para refino e ampliação de crack e cocaína", disse.
Segundo o delegado, além das empresas investigadas, o esquema contava com a participação de terceiros: "São pessoas utilizadas para fins de depósito em espécie, utilizando dados de multinacionais, como se fossem funcionárias dessas multinacionais, tendo como destinatário a empresa investigada pelo desvio."
Horas depois que o valor era depositado falsamente no nome das multinacionais, os desvios dos insumos eram realizados - alguns deles eram produzidos pelas próprias empresas investigadas, enquanto outros vinham de fornecedores e eram repassados no esquema. "É um esquema bem sofisticado", disse Vivaldi.
A ideia dos suspeitos com a emissão das notas, segundo Vivaldi, seria não levantar suspeitas da PF e de outros órgãos, como a Receita Federal. "Utilizando o nome dessas outras empresas fica cada vez mais difícil comprovar o elo do destinatário final, que seria o contrabandista de droga", disse. "Esses produtos também são utilizados para fins farmacêuticos, por exemplo, para produção de remédios."
Ao longo da investigação, porém, a Polícia Federal identificou que operações financeiras desse tipo "fogem completamente dos padrões" dos processos adotados por grandes farmacêuticas, que costumam seguir regras de compliance e evitam depósitos em dinheiro. Os agentes então passaram a investigar o grupo de 16 pessoas mais a fundo, coletando provas.
Com o avanço das investigações, o delegado afirmou que, além dos mandados de busca cumpridos nesta terça, a PF chegou a solicitar a prisão de alguns dos investigados - entre eles, o influenciador Renato Cariani. "Foram quatro (pedidos), o Ministério Público ratificou. Porém, a Justiça não aceitou os pedidos", disse Vivaldi. As investigações prosseguem para coletar mais provas e entender melhor o modus operandi.