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RJ: diretor espalha cartazes em busca de vítimas de assalto

Relatos farão parte do documentário "Assalto"; equipe recebeu mais de 30 e-mails desde que os cartazes foram colocados em bairros do Rio

22 mai 2015 - 16h57
(atualizado às 16h58)
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Cartazes foram distribuídos em vários bairros do Rio
Cartazes foram distribuídos em vários bairros do Rio
Foto: Juliana Prado / Especial para Terra

Imagine a cena: você está andando pela rua e, de repente, no poste à sua frente, está lá em letras garrafais: ASSALTO. E a explicação - ou meia explicação? - vem logo abaixo: “A produção do documentário ‘Assalto’ busca depoimentos de pessoas assaltadas no Rio de Janeiro”. Em seguida, o email para fazer contato com os responsáveis pelo filme. A inusitada ideia de recrutar personagens para um longa utilizando, para isso, a rua, saiu da mente do diretor e roteirista carioca Nathaniel Leclery. Foi a forma, conta ele, de não restringir o trabalho a seu círculo de amigos e de poder registrar os mais diferentes relatos de gente espalhada pelos quatro cantos da Região Metropolitana do Rio.

O aumento no número de assaltos no Estado nos últimos tempos foi, obviamente, o propulsor do projeto, que já recebeu mais de 30 e-mails desde que os cartazes foram parar na rua, há cerca de um mês. O documentário, que está em fase de gravação e é feito de forma independente, quer mostrar as diferentes narrativas em torno de um assunto que virou uma espécie de rotina na vida do morador do Rio: o assalto. “Entender como a gente cria uma história em torno disso, de um evento traumático, me interessa. De tanto assalto, o carioca já incorporou essa realidade na sua vida. O que vem me surpreendendo é a variedade de histórias. Há situações traumáticas até outras que chegam a ser engraçadas”, comenta Leclery.

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O diretor do documentário, que está sendo feito em parceria com o amigo e cinegrafista Leonardo Souza, concebeu o projeto após um período de seis meses em Portugal. Ao chegar ao Rio, diz ter ficado impressionado com o número de pessoas dizendo terem sido alvo de assaltantes. Sentiu que era hora de falar sobre o tema, usando, para isso, o que saber fazer: cinema. “Foi um tempo curto fora do Rio, mas parece que quando voltei ficou mais óbvio o fato de o assalto ser uma parte tão forte do cotidiano carioca. Às vezes, penso que não há cidade no mundo onde seja tão comum isso. Vi que era a hora de fazer um filme”.

Partiu do diretor e roteirista carioca Nathaniel Leclery a ideia de buscar depoimentos de pessoas assaltadas no Rio de Janeiro
Partiu do diretor e roteirista carioca Nathaniel Leclery a ideia de buscar depoimentos de pessoas assaltadas no Rio de Janeiro
Foto: Divulgação

A história do ‘Homem pássaro’

Um dos relatos mais contundentes até agora veio do para-quedista e dublê Luigi Cani, ou “Homem pássaro”, como também é conhecido. O esportista e apresentador, famoso por dominar os céus e por já ter realizado mais de 11 mil saltos de para-quedas ao redor do mundo, coleciona recordes na profissão. Mas o “Homem pásssaro” foi pego de surpresa em terra firme. Há um ano, ele se somou às tristes estatísticas policiais do Rio de Janeiro, como mais um dos moradores a serem alvos de assaltantes.

Ele saía de carro do seu escritório na Barra da Tijuca, bairro da zona Oeste do Rio, por volta das 19h, quando, numa rua que faz ligação com a movimentada avenida das Américas, foi surpreendido no sinal por um adolescente armado com uma pistola. “Eu era o primeiro da fila. Eu tenho curso de pilotagem e calculei que eu tinha espaço pra dar ré (e fugir) porque não tinha carro atrás de mim. Mas vi que a distância do garoto pra mim era suficiente pra ele me acertar. Eu então soltei o telefone e coloquei a mão pra cima. Eu quis facilitar ao máximo pra ele”.

Depois de longos cinco minutos, e de perder o celular recém-comprado e o relógio, veio a surpresa: um outro garoto, que, a poucos metros, assaltava um motociclista e agia junto com o adolescente, lhe abordou e apontou uma arma para sua cabeça. O rapaz insistia para que ele tirasse a aliança do dedo, que, com custo, acabou saindo. Foi quando o assaltante disse que só não iria atirar porque ele era “o cara que voa”. A vítima tinha sido reconhecida por seus quadros de saltos de para-quedas em programas de TV como o "Fantástico", o "Esporte Espetacular" e o "Caldeirão do Huck", da TV Globo.

O tiro, no entanto, sobrou para a outra vítima, a da moto, que, sem gozar da sorte de ser famosa, foi atingida por um disparo na virilha. A Luigi coube levar o rapaz para o hospital, já que, no enorme tumulto que se formou, ninguém parava para prestar socorro. A dupla de assaltantes fugiu sem deixar rastro pela área. O motociclista teve ferimentos leves e se salvou.

Quem também passou por apuros foi a advogada Xisliane Fernanda Dias Theophilo, de 28 anos. Num período de menos de um ano, ela foi assaltada duas vezes, uma em Nova Iguaçu, cidade da Baixada Fluminense, vizinha ao Rio, e outra na Pavuna, bairro da Zona Norte da capital. A primeira ocorrência foi no mês de abril do ano passado. Ela chegava em casa, de carro, por volta das 19h, quando um casal de jovens surgiu, ameaçando atirar nela, e mandou que descesse do veículo. “Levaram tudo meu: dinheiro, carro, dois celulares, cartões. Fiquei sem nada. Até a chave da minha casa levaram. Falaram que era pra eu descer porque iriam me dar um tiro na cara”.

Um dos relatos mais contundentes do documentário Assalto é do dublê Luigi Cani
Um dos relatos mais contundentes do documentário Assalto é do dublê Luigi Cani
Foto: Divulgação

Na segunda vez, em janeiro deste ano, depois de ter conseguido reaver o carro, nova surpresa. Eram 9h da manhã quando ela chegava próximo ao fórum da Pavuna, numa rua muito movimentada. “Eu estava saindo do carro, pegando minha bolsa. Ele me mandou largar tudo. De novo perdi carro, chave de casa, todos os documentos, dinheiro... Fiquei na rua sem nada. Dessa vez, não consegui reaver o veículo”, conta Xisliane, que diz ter mudado totalmente sua relação com a cidade depois dos episódios. “Todo mundo que passa por mim hoje é um possível assaltante”, lamenta. A advogada conta que se sente traumatizada pelas experiências, mas que não paralisou sua vida por conta dos assaltos.

Fenômeno se alastra

Uma das curiosidades dos encontros que o diretor Nathaniel Leclery está tendo - e em parte relatados nessa reportagem - é que os casos se espalham pela Região Metropolitana e não são predominantemente na Zona Sul, que vive um boom de casos nas últimas semanas. “O assalto não é uma coisa de classe social e está acontecendo em todos os cantos do Rio. Não é um fenômeno da Zona Sul como a gente costuma achar”, comenta o diretor, que chegou a trabalhar com Eduardo Coutinho, um dos mais importantes documentaristas do Brasil, morto pelo filho no ano passado.

A intenção do realizador é lançar o filme até o final do ano. Tudo de forma independente. A começar pela inusitada afixação de cartazes pelos bairros da cidade. “Se eu for esperar dinheiro, vai demorar três anos (para finalizar). Pretendo filmar ainda mais um mês ou dois”. Se tudo der certo, o cineasta ainda vai tentar distribuir o documentário em festivais de cinema pelo país e ainda no esquema “on demmand”. 

Fonte: Especial para Terra
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