RJ: inaugurado monumento a militares cassados pela ditadura
Um monumento que homenageia os militares cassados por terem sido contrários à ditadura brasileira foi inaugurado na Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro, nesta terça-feira, pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça e a Agência Livre para Informação, Cidadania e Educação (Alice), uma organização não-governamental. Feito de aço, com cerca de 3 m de altura, ele tem uma bandeira "desconstruída" com estrelas afixadas no chão, ao lado. Chamada Monumento ao Nunca Mais, esta é a quinta obra de mesmo nome instalada no Brasil, dentro do projeto da Comissão de Anistia. A primeira foi em Belo Horizonte (MG), em maio de 2012. Depois, as cidades de Ipatinga (MG), Recife e Curitiba ganharam monumentos sobre a luta pelo processo democrático.
No Rio, a escultura fica perto do Clube Militar. Segundo a artista plástica Cristina Pozzobon, que criou todos os monumentos da série, a história dos militares cassados durante a ditadura não é tão conhecida pela população. "Eles foram importantes na resistência à ditadura. Eles perderam seus empregos, seus direitos civis, chegaram a ser presos. Eles tiveram um papel tão importante quanto outros movimentos, como operários, estudantis", disse Cristina.
A artista plástica disse que a ideia era mostrar o sofrimento provocado pela ditadura. "É uma bandeira quebrada, partida, com cem estrelas no chão, descartadas da bandeira, representando as pessoas que foram exiladas, que sofreram e foram retiradas de seu espaço", disse.
Para o presidente da Comissão Nacional de Anistia, do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, é preciso homenagear os militares que foram contrários à ditadura. “Os militares que disseram não são um exemplo para a democracia”, disse Abrão.
Ao todo serão dez monumentos com a mesma intenção. Os próximos a serem inaugurados serão em São Paulo (nesta quarta-feira, no teatro Tuca) e em Porto Alegre (no sábado).
Durante o ato, militares cassados durante a ditadura relembraram pressões, prisões e torturas que sofreram nos anos de repressão. Lucy Massa Guedes, 72 anos, viúva do capitão do Exército Jackson Brognoli Guedes, contou que o marido foi reformado em julho de 1964 por não ter aderido ao golpe. Ele servia na cidade de Macaé, no Rio de Janeiro. “Eles alegaram que ele tinha ideias esquerdistas e que recebia dinheiro do estrangeiro. Mas ele foi absolvido em duas instâncias. Ele pregava o Brasil melhor, distribuição de renda mais igual e compareceu ao Comício da Central do Brasil”, lembra.
Guedes chegou a ser preso no Forte Imbuí, em Niterói. Lucy contou que, quando o marido foi reformado, a família passou por necessidades financeiras. “O salário que ele passou a receber correspondia a um treze avos do soldo. Comi sopa de macarrão e banana por anos e andei de sapato furado”, afirmou Lucy.
Representante da Associação dos Militares Perseguidos da Aeronáutica, José Bezerra da Silva entrou na Aeronáutica em 1971 e afirma que foi taxado de subversivo, porque apoiava Leonel Brizola e admirava o educador e antropólogo Darcy Ribeiro. “Não nos deixavam estudar, e eu tinha que servir com uma arma sem munição. Cheguei a ser detido na Base Aérea do Galeão. Fui torturado depois que vi três militares retirando um jovem ferido e em pânico de uma ambulância e comentei que aquilo era uma covardia. Sofri sangramentos internos”, afirmou Silva.
Silva disse que foi obrigado a deixar a Aeronáutica oito anos depois de ter entrado. “Saí sem direito a nada. Eu estava em tratamento médico na época e não pude continuar.” Ele conta que não era rara a internação compulsória de militares contrários ao regime em hospitais psiquiátricos. “Passei sete dias internado, até conseguir falar com meu pai e ele conseguir minha liberação”, disse.
No ato, Luiz Claudio Monteiro da Silva afirmou que ficou cerca de 30 dias preso quando era militar do Exército e foi torturado com choques, em 1987. “Primeiro eu fui interrogado porque comentava com os outros militares sobre as ideias de Darcy Ribeiro e Paulo Freire. Me perguntaram por que eu queria fazer política e disseram que não existia democracia”, contou. Na sequência, ele disse que foi levado à cadeia do batalhão do Rio de Janeiro onde servia. “Me colocaram em uma solitária por cinco dias. A cela alagava de acordo com a maré, e, com a água, vinham bichos. Me alimentavam com comida estragada. Me torturaram com choques”, contou. Luiz Claudio disse que foi obrigado a pedir desligamento do Exército e em 2007 pediu indenização em ação na Justiça, mas seu caso ainda não foi julgado.