São Sebastião acumula condenações na Justiça por demora em reduzir áreas de risco por chuva
Em 37 sentenças nos últimos 3 anos, Justiça já mandava prefeitura regularizar e levar serviços básicos a locais de encosta, como a Vila Sahy; município diz ter programa nas regiões
A prefeitura de São Sebastião acumula, ao longo dos últimos três anos, 37 condenações judiciais para que regularize, leve serviços básicos e, assim, reduza riscos de áreas ocupadas nas proximidades de encostas da Serra do Mar. Grande parte dessas moradias está em regiões de risco, como a Vila Sahy, local com o maior número de vítimas dos deslizamentos provocados pelas fortes chuvas do fim de semana no litoral norte paulista. O temporal deixou pelo menos 50 mortos e centenas de desalojados.
Segundo a gestão municipal, ao menos 7,1 mil famílias vivem em imóveis que precisam de regularização. Isso representa cerca de 25% dos 31,1 mil domicílios da cidade, conforme dados de 2020 da Fundação Seade.
Nas sentenças obtidas pelo Estadão, juízes concluem que houve omissão "histórica" das gestões municipais nas últimas décadas. As decisões apontam "descaso governamental com direitos básicos" e põem em dúvida queixas de São Sebastião sobre a falta de recursos para atender a população em áreas de risco.
Os magistrados cobram urgência da administração para regularizar essas áreas. Boa parte das decisões teve trânsito em julgado e está em fase de cumprimento imposto pela Justiça à prefeitura. "Está claro que os moradores dos assentamentos irregulares não vivem em boas condições. Habitam locais inadequados, sem mínima estrutura. Não são beneficiados com serviços públicos indispensáveis. Submetem-se a risco de enchentes e deslizamentos", aponta uma das decisões.
As condenações atendem a pedidos do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente no Litoral Norte do Ministério Público de São Paulo em 43 ações movidas contra o município para regularizar 52 áreas com deficiências de infraestrutura e riscos à população. Das ações, só uma foi extinta sem julgamento de mérito e outras cinco ainda não foram julgadas. Nas ações, o MP sustenta que a prefeitura não tem "qualquer política efetiva, séria e comprometida com a regularização fundiária das áreas ocupadas irregularmente, seja da população de baixa renda ou não". E, relata que, após 20 anos do início das investigações, as metas da prefeitura "não encontram lastro na razoabilidade ou na realidade fática" de São Sebastião.
Investigações
O MP apura irregularidades decorrentes da ocupação desordenada e questiona a fiscalização da prefeitura há pelo menos 27 anos, quando os primeiros inquéritos civis foram abertos. Em 2009, firmou termos de ajustamento de conduta (TACs) preliminares com a prefeitura, a fim de que se programasse financeiramente e iniciasse a regularização fundiária.
Quase dez anos depois, em 2018, a prefeitura, já sob a atual gestão, de Felipe Augusto (PSDB), editou programa de regularização fundiária no qual dizia que não houve, nos anos anteriores, ações nesse sentido. No documento, o município aponta "que as ocupações se proliferaram por falta de fiscalização", avançando sobre áreas públicas, privadas e de preservação, inclusive aquelas suscetíveis a escorregamentos e inundações.
Na ocasião, a administração atual apontou falta de ação de gestões anteriores. Mas, depois, pouco avançou na regularização fundiária, levando o MP a ajuizar outras dezenas de ações. "Toda a programação orçamentária estava prevista no Termo de Ajuste Preliminar, a qual o município deveria cumprir, e não o fez", diz o MP em petição judicial de 2021. "O município não mostrou disposição política para cumprir deveres constitucionais de ordenar corretamente o desenvolvimento territorial urbano e garantir uma vida urbana sustentável aos seus habitantes."
Vila Sahy
Nas ações, o MP tem apontado que as áreas reúnem majoritariamente uma população de baixa renda e alta vulnerabilidade social, em parte atraída pela demanda de mão de obra gerada pela exploração do pré-sal e valorização turística da região. Área mais afetada pelos deslizamentos do fim de semana, a Vila Sahy começou a se desenvolver no fim dos anos 1980, ocupada principalmente por migrantes nordestinos que vieram em busca de emprego.
Em petição de 2021, os promotores Alfredo Luis Portes e Tadeu Salgado Ivahy apontam que a área tem 11 hectares, com 648 imóveis e 779 famílias. Eles argumentam que a manutenção do núcleo nessa configuração "é uma verdadeira tragédia anunciada".
"A ausência de ação fiscalizatória do poder público municipal e a total ineficiência das medidas adotadas dentro de seu poder de polícia permitiram a ocupação e a expansão desenfreada", destaca. Eles também argumentam que a prefeitura ofereceu apenas diagnóstico genérico, "omitindo-se em esboçar" cronograma que dê "real expectativa de regularização da ocupação desordenada, apresentando apenas previsões genéricas que arrastariam a irregularidade ao menos até 2025?.
A ação do MP referente à Vila Sahy foi uma das que levaram à condenação do município. Datada de fevereiro de 2022, a sentença de primeira instância aponta "clara omissão do ente público" por não agir "para evitar o adensamento populacional" nem "solucionar as desconformidades" da área ocupada.
Prazos
Questionada pelo Estadão, a prefeitura de São Sebastião diz que está regularizando 44 das áreas apontadas nas ações judiciais, sem informar prazo para conclusão do processo. Disse ainda que finalizou, no ano passado, a regularização de outras três áreas. "Os 44 núcleos que estão em diferentes etapas do processo de regularização já recebem benfeitorias da administração municipal", disse, em nota.
A gestão não falou sobre a omissão e a demora na execução das regularizações apontadas pelo MP e pela Justiça. Em uma das respostas dadas ao Judiciário, a prefeitura argumenta que " medidas e prazos pedidos pelo MP são inexequíveis" e "dificultam os trabalhos no sentido de que todos os núcleos devem ser regularizados simultaneamente nos mesmos prazos".
A prefeitura afirma ainda "que os recursos públicos são escassos, enquanto as necessidades sociais são ilimitadas", justificando que "cabe aos governantes eleger as prioridades" e "do Estado não se pode exigir tudo".