SP: após expulsão de casal gay, sorveteria promove "beijaço"
Dois jovens foram obrigados a deixar estabelecimento nos Jardins, em São Paulo, porque estavam se beijando. O segurança responsável pela expulsão, no entanto, não imaginava que um dos gerentes do espaço também é gay
Este poderia ser mais um caso de homofobia como qualquer outro que (infelizmente) estamos acostumados a noticiar. Mais um que segue a sequência padrão: casal gay se beija, é repreendido por funcionários do estabelecimento, nenhum cliente interfere, a empresa não se manifesta. Mas não. Nesta segunda-feira, quando os responsáveis por uma casa de picolés artesanais dos Jardins, em São Paulo, souberam que dois jovens haviam sido vítimas de uma abordagem preconceituosa no local, contornaram a situação de maneira exemplar. Além de afastar o responsável pela expulsão, assumir a culpa e pedir perdão publicamente, eles estão organizando uma festa - com direito a “beijaço” - no próximo sábado para “provar a todos que têm compromisso com a diversidade, o respeito e o amor ao próximo”.
O caso ocorreu na noite de domingo com o jornalista Raul Perez, de 24 anos, e o estudante Gabriel Miranda, de 22 anos. Ao se beijarem, eles foram ofendidos por um segurança e tiveram que deixar o estabelecimento. Acontece que o profissional não era integrante da equipe, apenas fazia "bicos" por lá aos finais de semana. E ele nem imaginava que um dos gerentes do espaço também é gay.
"Nossa empresa nasceu de um grupo de amigos que se conhece há 15 anos. Somos uma família e pensamos para frente. Quando ficamos sabendo do ocorrido, ficamos muito abalados e tristes. Acordamos com mensagens que chamavam nossa empresa, nossa casa, de homofóbica. Isso foi ainda pior para mim, pessoalmente, pois sou homossexual também. Então a história mexeu muito comigo, senti na pele o problema. Fui eu que escrevi o texto de resposta em nome da empresa, escrevi na emoção, da maneira mais humana que consegui. Eu falei com propriedade, sabendo com quem estava falando", explicou Luis Henrique Deutsch, responsável pela comunicação da Me Gusta Picolés Artesanais, ao Terra.
De acordo com ele, os sócios já se reuniram e decidiram que o segurança será substituído por outro que entenda e compartilhe os valores da companhia. Os outros funcionários também receberão treinamentos sobre a importância de tratar todos os clientes de maneira igual. Ainda segundo o gerente, o evento de sábado contará com decoração especial, música e um sabor inédito que picolé que eles estão desenvolvendo para a data.
"Agora mesmo li uma notícia sobre um menino de 14 anos que foi espancado por ser filho de um casal homossexual e morreu. Isso tudo nos deixa abalados, destruídos. Temos que nos incluir nesse contexto para mostrar que estamos, sim, preocupados em defender o amor. Todos os tipos, sabe? O amor move o mundo. Estamos recebendo uma resposta muito positiva do público pelo nosso posicionamento. E, sinceramente, eu não gostaria de ter clientes que não se adequam a isso", afirmou.
“Fomos alertados de que era um ambiente familiar”
Por volta das 18h30 do domingo, Raul e Gabriel foram até a sorveteria, localizada na Rua Augusta, onde pediram dois picolés, pagaram e sentaram em um banco do pátio para degustá-los. Ficaram de mãos dadas, conversando e se beijando eventualmente – como todo casal. Em determinado momento, outro casal heterossexual se aproximou com uma filha pequena e logo se virou para ir embora. Foi aí que o segurança os abordou.
“Ouvimos uma palma e um ‘ei’. O segurança estava nos abordando. Ele enfatizou que o ‘pai estava com uma criança’ e nos ‘alertou’ que aquele era um ‘ambiente familiar’. Ele também quis deixar claro que não tinha ‘nenhum preconceito’, mas que tínhamos que respeitar o local e fazer ‘o que estávamos fazendo’ em outro lugar”, contou Raul à reportagem. “Não raro a gente ouve risadinhas e vê pessoas torcendo o nariz quando a gente passa. Mas foi a primeira vez que pediram para eu me retirar de um local por causa da minha orientação sexual. Fomos surpreendidos. Me senti impotente, depois indignado”, completou.
A indignação fez com que o jovem compartilhasse um relato do caso em seu perfil do Facebook, escrevesse um e-mail à central de atendimento ao consumidor do estabelecimento e formalizasse denúncia no Centro de Combate à Homofobia (CCH). De acordo com ele, sua intenção não foi pedir a demissão do funcionário em questão, mas propor um debate àquela equipe.
“Acho que só é possível combater a ignorância com informação. O que precisamos mesmo, dentro desse contexto de desinformação e extremismo em que vivemos, é de diálogo, empatia e clareza sobre o espaço social que estamos criando. Coloquei no texto que o estabelecimento fica a dois quarteirões do local que recebe a maior Parada de Orgulho LGBT do mundo [Avenida Paulista]. Isso quer dizer que sempre haverá casais e famílias de todas as formas passando por ali e é necessário que todas elas sejam respeitadas”, disse.
Em seguida, veio a surpresa. Em pouco tempo, o rapaz recebeu uma resposta do gerente, que disse ter ficado “perplexo” e “profundamente chateado” com o relato, pediu perdão e assumiu a culpa por não ter “investido mais tempo” em conversas sobre o tema com seus funcionários.
“Te mandei algumas mensagens por telefone explicando nossa situação. Pedi para que você repensasse a denúncia, mas não tenho o direito de fazer isso. Você, como cidadão desrespeitado em seus direitos básicos, deve fazer isso. E é de nossa responsabilidade responder o crime que foi cometido em nosso estabelecimento por uma pessoa com nosso uniforme. Mesmo assim, reitero o convite feito por mim via mensagem. Estamos disponíveis para conversar a qualquer dia dessa semana. E no sábado organizaremos uma festa e um ‘beijaço’ em nossa loja para provar a todos que temos um compromisso com a diversidade, com o respeito e com o amor ao próximo. Chame seu namorado, chame seus amigos, sua família e quem você quiser. Você será muito bem recebido em nossa casa”, afirmou a ele.
No mesmo dia, a empresa ainda falou sobre a questão em seu perfil do Facebook. “Este é um pedido oficial de desculpas a todos aqueles que acreditam que o amor é que nem sorvete: tem de todos os tipos, todos os gostos e de todas as cores (...). Trabalhamos com pessoas. Não só com picolés! Devemos investir em debate e treinamento pessoal para que essa situação nunca chegue a existir (...). Por isso, reforçamos aqui o compromisso: a empresa não vai deixar mais isso acontecer. Podem confiar! Nossa política sempre foi em prol da diversidade, da compaixão e do respeito. A discriminação é um crime e um problema social muito grave. Abraçamos aqui e agora a missão de combater isso! Consideramos justa TODA forma de amor. Consideramos como família QUALQUER tipo de família. Aqui tem espaço para o mundo todo! Não vamos deixar que uma expressão tão covarde, violenta e nojenta como a homofobia fale mais alto que o ‘hmmm’ que as pessoas falam depois de tomar nossos sorvetes”, escreveu.