Script = https://s1.trrsf.com/update-1731009289/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

STF criminaliza homofobia, mas faz ressalva quanto à liberdade religiosa

Ministros entenderam que a legislação sobre racismo, em vigor desde 1989, deve ser aplicada para quem praticar condutas homofóbicas e transfóbicas

13 jun 2019 - 20h19
(atualizado às 20h35)
Compartilhar
Exibir comentários

BRASÍLIA - Por 8 a 3, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira, 13, enquadrar a homofobia e a transfobia como racismo. Dessa forma, os ministros do Supremo entenderam que a legislação sobre racismo, em vigor desde 1989 no País, também deve ser aplicada para quem praticar condutas discriminatórias homofóbicas e transfóbicas, sejam elas disparadas contra a homossexuais, transexuais ou contra heterossexuais que eventualmente sejam identificados pelo agressor como LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais).

O tribunal também fez ressalvas, no sentido de deixar claro que a repressão contra essas condutas não restringe o exercício de liberdade religiosa. Ou seja: fiéis, pastores e líderes religiosos têm assegurado o direito de pregar suas convicções, desde que essas manifestações não se convertam em discursos de ódio, incitando hostilidade ou a violência contra a comunidade LGBT.

Por exemplo: um pastor pode dizer que a homossexualidade é pecado, mas se defender a violência contra homossexuais essa conduta pode agora ser enquadrada como crime de racismo.

A legislação sobre racismo prevê penas de um a até cinco anos de reclusão para quem negar emprego, ou impedir acesso ou recusar atendimento em hotel, restaurantes, bares, estabelecimentos comerciais ou impedir o casamento ou convivência familiar e social para pessoas por conta de raça ou cor.

A decisão do STF, considerada histórica por integrantes da Corte, servirá de baliza para orientar decisões judiciais nas diversas instâncias do País. Ao todo, o tribunal dedicou seis sessões plenárias para discutir o tema, no julgamento mais longo ocorrido até aqui durante a presidência do ministro Dias Toffoli, que assumiu o comando do tribunal em setembro do ano passado.

"O bom seria que não tivéssemos de enfrentar esse tema em pleno século XXI, no ano de 2019", disse Toffoli, ao dar o último voto na sessão.

A discussão sobre a criminalização da homofobia provocou algumas divergências dentro da Corte. Dos 11 ministros, 10 votaram para declarar omissão do Congresso Nacional ao não ter aprovado até hoje uma lei sobre o tema - o único voto contrário nesse sentido foi o do ministro Marco Aurélio. Quanto à criminalização, 8 magistrados votaram para que as condutas homofóbicas e transfóbicas sejam enquadradas como racismo - discordaram desse segundo ponto Toffoli, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski.

Ao abrir uma divergência parcial dos colegas, Lewandowski disse que causa "repugnância" as condutas preconceituosas de qualquer tipo, mas observou que apenas o Congresso Nacional poderia criminalizar a homofobia. "A Carta Magna é clara: apenas a lei, em sentido formal, pode criminalizar uma conduta", afirmou.

Ellwanger

Relator de uma das ações sobre a criminalização da homofobia, o ministro Celso de Mello utilizou um precedente de um caso julgado pelo próprio STF, em 2003. Na ocasião, o Supremo manteve a condenação do editor Siegfried Ellwanger por crime de racismo devido à publicação de livros que discriminavam judeus. Tanto naquela época, quanto agora, o tribunal avaliou que o racismo é um conceito amplo, de dimensão social, que não se limita a questões de cor ou raça.

"O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+), são considerados estranhos e diferentes", disse Celso de Mello.

Procurado pela reportagem, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), criticou a postura do Supremo de enquadrar a homofobia como racismo por conta própria, sem uma lei sobre o tema. "A Câmara aprovou a criminalização da homofobia no final de 2006 e o Senado arquivou. Mesmo que o Congresso não tivesse legislado, na minha opinião, não caberia ao Supremo Tribunal Federal criar tipo penal via interpretação", afirmou Maia, em nota enviada pela assessoria.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), não havia se manifestado até a publicação deste texto.

Entenda:

Quem moveu as ações?

São duas ações. Uma foi movida pelo Partido Popular Socialista (PPS) e a outra, pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT).

O que querem o partido e a entidade?

Os proponentes das ações pedem que o Supremo declare o Congresso Nacional omisso por não ter votado até hoje um projeto de lei que criminaliza a homofobia. É solicitado ainda que a Corte dê um prazo final para que os parlamentares aprovem uma legislação criminal para punir especificamente violência física, discursos de ódio e homicídios por causa da orientação sexual ou identidade de gênero da vítima.

Homofobia não é crime no Brasil?

Não. Quando há uma ocorrência envolvendo agressão contra homossexuais, o caso é tratado como lesão corporal, ofensa moral (injúria, calúnia ou difamação) ou tentativa de homicídio. As ações pedem que o STF reconheça o conceito de "raça social" para punir agressores dentro da lei antirracismo (7.716/89).

O que diz a lei antirracismo?

A lei antirracismo, de 1989, prevê que crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional sejam punidos com um a cinco anos de prisão. Também estão previstas penas alternativas, fora do sistema penal.

Qual é a relação entre homofobia e racismo?

Segundo Paulo Iotti, advogado e proponente das ações, há um entendimento do próprio Supremo de que racismo é qualquer ideologia que inferiorize um grupo social em relação a outro. A homofobia seria considerada, portanto, um tipo de racismo sob os aspectos políticos e sociais de raça, e não biológico. O crime de discriminação por raça, previsto na lei antirracismo, iria abranger tamém os de orientação sexual e identidade de gênero.

O que muda na legislação?

Não haverá alteração no texto da legislação penal brasileira. O efeito é vinculante, ou seja, a Corte entende que há uma lacuna na Constituição no que diz respeito às vítimas de homofobia. Reconhecendo essa omissão no julgamento desta semana, na prática, o entendimento do Supremo passa a nortear as decisões de magistrados de todo o País, que passarão a interpretar homofobia como crime de discriminação por raça.

Os homofóbicos vão ser presos?

As mesmas penalidades da lei antirracismo devem ser aplicadas para homofobia e transfobia. Portanto, agressor pode ser preso com pena de reclusão de um a cinco anos, mas também poderá cumprir a pena com multa ou prestação de serviço à comunidade. O argumento dos proponentes da ação é de que, como a lei prevê cumprimento da penalidade alternativa, o sistema carcerário não seria sobrecarregado.

Estadão
Compartilhar
Publicidade
Seu Terra












Publicidade