Script = https://s1.trrsf.com/update-1731009289/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

Tragédia em Santa Maria

Advogado não pede liberdade de sócio da Kiss e lista governador para depor

Outro defensor pediu a suspensão do processo criminal da tragédia de Santa Maria (RS) até que o Tribunal de Justiça analise a participação do prefeito Cezar Schirmer

29 abr 2013 - 22h23
(atualizado às 22h27)
Compartilhar
Exibir comentários
O advogado Jader Marques, que defende um dos donos da boate Kiss, Elissandro Spohr, o Kiko, entrega manifestação para o juiz Ulysses Louzada (D)
O advogado Jader Marques, que defende um dos donos da boate Kiss, Elissandro Spohr, o Kiko, entrega manifestação para o juiz Ulysses Louzada (D)
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

Mais uma vez, o advogado Jader Marques, que defende um dos donos da Boate Kiss, Elissandro Spohr, o Kiko, no processo criminal da tragédia, surpreendeu. Nesta segunda-feira, na data limite para a entrega da manifestação da defesa por escrito, ele listou o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), como uma das testemunhas que devem ser ouvidas e não pediu a liberdade de seu cliente.

A tragédia da Boate Kiss em números
Veja como a inalação de fumaça pode levar à morte 
Veja relatos de sobreviventes e familiares após incêndio no RS
Veja a lista com os nomes das vítimas do incêndio da Boate Kiss

Na manifestação, Marques não analisou o mérito da acusação, porque disse não ter elementos para fazer isso. “Como defender o meu cliente de uma tabela?”, questionou o advogado, referindo-se ao fato de a denúncia do Ministério Público não ter, segundo ele, descrito o porquê de Elissandro Spohr não ter conseguido matar as vítimas de tentativa de homicídio. “Sem a narrativa, fica absolutamente impossível eu me defender. So há uma tabela com nomes”, diz Marques.

Sobraram críticas à denúncia do MP.  “Foi a pior denúncia que eu já me deparei ao longo de 20 anos de advocacia”, comentou Marques. Por conta dessas supostas falhas, o defensor entrou com dois requerimentos de habeas-corpus junto ao Tribunal de Justiça (TJ). O primeiro foi por causa da separação das responsabilidades feitas pela Polícia Civil na fase do inquérito. “Não temos, no Direito brasileiro, a possibilidade de cisão processual feita em delegacia. Isso pode, lá na frente, causar uma necessidade do retorno do processo ao que estamos hoje.”

O outro habeas-corpus se refere ao que é chamado, no direito, de inépcia da denúncia. Ou seja, a defesa entende que ela não deveria ter sido recebida ou poderia ter sido recebida em parte. “A denúncia faz a acusação de homicídio contra Elissandro Spohr e os outros três réus a respeito de uma moça que está viva. Ela esquece de uma pessoa que efetivamente faleceu. A denúncia também acusa de tentativa de homicídio de pessoas, por exemplo, como a dona da Hidramix que, por absurdo equívoco, consta no rol das vítimas de tentativa de homicídio. Há, na tentativa de homicídio, também pessoas que saíram da boate sem correr nenhum tipo de risco, que dizem isso em seus depoimentos”, argumenta Marques. O advogado foi além, dizendo que, na lista das 636 vítimas de tentativa de homicídio, há pessoas com quem a Polícia Civil só contatou por telefone e outras “indicadas por terceiros”, sem nunca terem dado depoimento.   

Outra argumentação da defesa de Kiko se refere ao fato de a denúncia ter sido oferecida fora do prazo de cinco dias determinado pelo Código de Processo Penal. Por isso, considera que o Ministério Público deveria perder a oportunidade de ouvir as 32 testemunhas que listou.

De acordo com o Código de Processo Penal, o advogado teria direto de chamar oito testemunhas para cada crime do qual seu cliente é acusado. No caso de Elissandro Spohr, acusado de homicídio com dolo eventual e tentativa de homicídio, 16 seria o número possível. Marques, no entando, listou 32 testemunhas, o mesmo número do MP. Na visão dele, as 32 pessoas arroladas pelos promotores se referem somente ao incêndio na boate, e não teriam relação com os outros dois crimes – falso testemunho e fraude processual – do qual são acusados outros réus do processo. “O MP usou 32 testemunhas contra o meu cliente. Por igualdade, eu me senti no direito de arrolar 32”, defende Marques. Os promotores disseram que não vão se manifestar sobre as críticas do advogado Jader Marques à denúncia.  

Governador do RS como testemunha

Entre as testemunhas listadas pelo advogado de Kiko, está o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro. “Entendo que houve uma falta de percepção sobre aquilo que é responsabilidade do governo do Estado. O comando dos bombeiros está submetido ao governador. No dia da tragédia, toda alta cúpula esteve aqui (em Santa Maria), tomaram decisões que hoje se refletem com muita gravidade dentro do processo. Quero saber quem tomou algumas dessas decisões, porque uma delas pode ter sido tomada pelo próprio governador. Então, eu preciso da presença dele aqui, eu preciso da presença dele como chefe dos bombeiros”, explicou Jader Marques.

A defesa de Kiko Spohr também listou para serem ouvidas pessoas classificadas como “informantes”, que não precisariam prestar compromisso na Justiça de dizer somente a verdade. Nesse rol, estão o prefeito de Santa Maria, Cezar Schimer, o promotor Ricardo Lozza e outros que foram indiciados ou tiveram alguma responsabilidade apontada pela Polícia Civil. “Entendo que o relato deles é fundamental para entender o que aconteceu”, diz Marques.  

Por enquanto, Marques não pretende pedir a liberdade de Kiko. Ele acredita que o momento do processo já permite pensar em uma revogação da prisão preventiva de seu cliente, mas ainda está estudando essa possibilidade.

Pedida liberdade para outro sócio da Kiss

Mário Cipriani, advogado do outro sócio da Kiss, Mauro Hoffmann, também apresentou a defesa por escrito na tarde desta segunda-feira. Ele pediu a liberdade de seu cliente e a desclassificação de crime dos quais ele é acusado. No entendimento do defensor, homicídio com dolo eventual poderia ser culposo (sem intenção) ou até poderia virar o crime de incêndio (com o agravante morte).

Mário Cipriani, advogado do outro sócio da Kiss, Mauro Hoffmann, também apresentou a defesa por escrito na tarde desta segunda-feira
Mário Cipriani, advogado do outro sócio da Kiss, Mauro Hoffmann, também apresentou a defesa por escrito na tarde desta segunda-feira
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

O advogado também criticou a denúncia, apontando “nomes duplicados de pessoas apontadas como vítimas” ou com a falta de laudos de mortos ou feridos. “Isso poderia ser revisado para a denúncia ser rejeitada”, sustenta Cipriani, que, assim como o colega Jader Marques, também defende a chamada “inépcia”.

Cipriani segue na argumentação de que Hoffmann não tinha poder de mando na Kiss. E usa a estatística para sustentar essa posição: “Somente 1,85% das 915 pessoas se referiram ao meu cliente, ou seja, 17 pessoas. Dessas, apenas seis disseram que ele tinha algum poder de mando”.

O advogado pediu ainda ao juiz Ulysses Fonseca Louzada, titular da 1ª Vara Criminal de Santa Maria, a suspensão do processo até que se aguarde o resultado da análise do Tribunal de Justiça em relação ao prefeito Cezar Schirmer e ao promotor Ricardo Lozza, responsável pelo Termo de Ajustamento de Conduta que determinou que os donos da Kiss providenciassem isolamento acústico por causa do barulho antes da tragédia, em 2011.  

Defensor pede que réus de falso testemunho sejam separados da ação

No momento em que o advogado Jader Marques apresentava a defesa de Kiko Spohr, ele também entregava as manifestações por escrito relativas aos réus Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e de Volmir Astor Panzer, funcionário do pai de Elissandro Spohr, Eliseo Jorge Spohr. Os dois são acusados de falso testemunho. ”Aleguei que não há falso testemunho e não há conexão entre o falso testemunho e o incêndio. Os depoimentos deles se referem a uma sociedade anterior na boate, que não tem nada a ver com o incêndio”. Por isso, Marques pediu que seja feita a cisão (separação) do processo em relação a eles.   

Produtor da banda só cumpriria ordens, diz defensor

Pela manhã, o advogado Gilberto Weber entregou, no Fórum de Santa Maria, a defesa por escrito de seu cliente, o produtor Luciano Augusto Bonilha Leão, acusado de homicídio com dolo eventual qualificado (por asfixia, incêndio e motivo torpe) e tentativa de homicídio no processo criminal da tragédia da Boate Kiss. O defensor, em uma peça anexa, pediu a revogação da prisão de seu cliente. Ele também arrolou 16 testemunhas para serem ouvidas.

Em seus argumentos de defesa, o advogado sustentou que Leão era somente um produtor de palco da banda, que seguia as ordens do gaiteiro Danilo Jaques, que morreu na tragédia.

Omar Obregon, advogado do vocalista da banda, Marcelo de Jesus dos Santos, foi o primeiro entre os defensores dos oito réus a entregar a defesa à Justiça, no dia 15 de abril. Junto com outros pedidos, ele solicitou a liberdade de seu cliente. Na última sexta-feira, o juiz Ulysses Fonseca Louzada, negou o pedido.

Louzada deve dar vistas ao Ministério Público nesta terça-feira sobre as manifestações entregues pelas defesas. O prazo para o MP se manifestar é de cinco dias. Com o feriado do Dia do Trabalho na quarta-feira e o fim de semana, os promotores Joel Oliveira Dutra e Maurício Trevisan terão até a próxima segunda-feira para responder.  

Antes disso, o MP deve se manifestar sobre os pedidos de liberdade de Mauro Hoffmann e Luciano Bonilha Leão. Depois, o juiz Ulysses Fonseca Louzada decidirá se os dois réus ficam ou não na Penitenciária Estadual de Santa Maria, onde estão presos preventivamente com Elissandro Spohr e Marcelo de Jesus dos Santos.

Bombeiros com mais prazo

Os outros dois réus do processo criminal, os bombeiros Gerson da Rosa Pereira e o sargento Renan Severo Berleze, têm até o dia 8 de maio para apresentar a defesa por escrito. Acusados de fraude processual, eles ganharam o dobro de prazo em relação aos outros réus pelo fato de serem representados por defensores públicos do Estado.

Incêndio na Boate Kiss

Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 241 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

Indiciamentos

Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.

O inquérito também constatou que o extintor de incêndio não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência - as portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.

Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à Justiça oito pessoas - quatro por homicídios dolosos duplamente qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa da família de Elissando - este último não havia sido indiciado pela Polícia Civil.

Os promotores também pediram que novas diligências fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana; Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro, mãe dele - as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.

Fonte: Especial para Terra
Compartilhar
Publicidade
Seu Terra












Publicidade