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Tragédia em Santa Maria

Em protesto, familiares de vítimas da Boate Kiss entregam pizzas em CPI

Em dia de muitos protestos contra soltura de réus, associação de famílias pediu que sócios da boate sejam ouvidos por vereadores

31 mai 2013 - 21h51
(atualizado às 22h15)
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Manifestantes lotaram galerias da Câmara de Vereadores de Santa Maria
Manifestantes lotaram galerias da Câmara de Vereadores de Santa Maria
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

A decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul de conceder a liberdade aos réus do processo criminal da tragédia da Boate Kiss colocou fogo na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara de Vereadores de Santa Maria (RS) que investiga o envolvimento do poder público no caso. Nesta sexta-feira, quando três depoimentos estavam marcados, familiares de vítimas lotaram as galerias do plenário do legislativo para protestar. Os ânimos estavam exaltados - houve bate-boca e até a entrega de uma pizza para os integrantes da CPI.

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A primeira confusão aconteceu antes mesmo da audiência da CPI. Uma telefonista da Câmara conversava com uma jornalista do lado de fora do prédio do Legislativo, ao sair para fumar em cigarro, e comentou que achava que os réus deveriam estar soltos mesmo e que achava um "exagero" toda a manifestação de familiares de vítimas. A afirmação gerou a revolta de Nubia Leite Karsten, avó de Kellen Karsten Favarin, que morreu aos 23 anos na tragédia, e rendeu um bate-boca e até alguns empurrões.

A Câmara de Vereadores divulgou uma nota de esclarecimento sobre o incidente, dizendo que foi "uma situação isolada, em que a postura de uma servidora não representa o posicionamento do Poder Legislativo". A cópia das imagens capturadas pelas câmeras de segurança já foi solicitada ao setor administrativo para análise e providências, caso seja necessário.

O primeiro depoimento da sexta-feira era o mais esperado do dia: o do ex-secretário de Controle e Mobilidade Urbana de Santa Maria Sérgio Renato de Medeiros, que esteve à frente da pasta de janeiro de 2009 a novembro de 2010, quando a Boate Kiss recebeu multas e embargos (que é ato administrativo para fechar as portas), mas se manteve funcionando.

Acompanhado por um advogado, Medeiros relatou que a boate iniciou suas atividades em setembro de 2009 de forma irregular, pois não tinha alvará de funcionamento. Na mesma data de abertura, houve denúncia e ela foi notificada 24 horas depois. Depois disso, houve notificações e multa porque os proprietários mantiveram a boate em funcionamento. "Houve três multas antes do embargo em 15 de novembro de 2009. Embarguei a boate e, mesmo assim, continuou a funcionar de maneira irregular. Levou mais quatro multas. Houve ofício dos proprietários que, mesmo com as notificações, iriam continuar funcionando", disse o ex-secretário. Questionado pelo vereador Werner Rempel (PPL), líder da oposição do governo do prefeito Cezar Schirmer, Medeiros enfatizou que as multas e o embargo foram as maneiras que a secretaria agiu para pressionar a boate a realizar regularização ou fechar definitivamente.

Durante o depoimento de Medeiros, os familiares de vítimas se manifestaram várias vezes, o que fez a presidente da CPI, vereadora Maria de Lourdes Castro (PMDB), ameaçar suspender a audiência, caso não fosse mantida a ordem. Outros vereadores de oposição também fizeram perguntas ao ex-secretário, mas algumas questões se repetiram. Alguns preferiam fazer um comentário em vez de questionar, como se pedissem a palavra somente para ganhar o aplauso dos familiares das vítimas. Mais de uma vez, Medeiros destacou que não foi feito embargo definitivo porque o Código de Posturas não tem tal previsão.

Depois de Medeiros, foram ouvidos os fiscais Ricardo Garcia, Valdemar da Silva e Elsa Prola, mas eles não acrescentaram informações relevantes. O dia de depoimentos terminou com a arquiteta Liese Basso, que trabalhou em um escritório que elaborou um projeto de reforma da Kiss em 2009, mas que depois saiu da empresa e não acompanhou o andamento do trabalho.

O advogado da Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), Jonas Stecca, que integra a mesa da CPI, pediu a convocação do ex-secretário de Mobilidade Urbana e atual presidente da Câmara, Marcelo Zappe Bisogno.  Stecca reiterou à Comissão o pedido para que os sócios da Boate Kiss, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, sejam ouvidos pela CPI, que negou essa solicitação anteriormente, quando eles ainda estavam presos. O advogado alegou que os réus estão em liberdade e, em razão disso, não há impedimentos para ouvi-los.

Jonas Stecca também pediu à CPI que seja enviado convite à arquiteta Cristina Gorski, responsável pelo projeto da Boate Kiss. A presidente da CPI informou que será feita reunião administrativa, com a presença do advogado, para definir as próximas agendas. A data do encontro ainda não foi marcada.

O presidente da AVTSM, Adherbal Ferreira, pediu a palavra e afirmou que as famílias estavam mantendo calma e tolerância até a decisão do Tribunal de Justiça de colocar em liberdade os réus do processo. Criticou a falta de sensibilidade dos desembargadores, que, conforme Adherbal, reabriu a ferida do luto. Ele destacou o pedido para que Kiko e Mauro sejam ouvidos pela CPI.

No final da reunião desta sexta-feira, familiares de vítimas, do Movimento Santa Maria do Luto à Luta, entregaram uma pizza aos vereadores integrantes da CPI. De acordo com Flávio José da Silva, pai de Andrielle Righi da Silva, que morreu na tragédia aos 22 anos, o "presente" simbolizava um relatório do que a comissão fez até agora.

Logo em seguida, veio um bate-boca entre os vereadores da CPI e familiares das vítimas. Os representantes do Legislativo deixaram o plenário da Câmara, mas os manifestantes, com um megafone, seguiram fazendo protestos. Logo depois, os manifestantes fizeram uma caminhada, com cerca de 30 pessoas, da Câmara de Vereadores até o Calçadão de Santa Maria.

Incêndio deixa mais de 240 mortos no RS; veja fotos

Incêndio na Boate Kiss

Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 242 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

Indiciamentos

Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.

O inquérito também constatou que o extintor de incêndio não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência - as portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.

Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à Justiça oito pessoas - quatro por homicídios dolosos duplamente qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa da família de Elissando - este último não havia sido indiciado pela Polícia Civil.

Os promotores também pediram que novas diligências fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana; Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro, mãe dele - as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.

Fonte: Especial para Terra
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