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Tragédia em Santa Maria

RS: advogado quer ouvir prefeito e deputado no processo da tragédia

Em um dia com mais cinco depoimentos, dois ex-funcionários da Kiss falaram, mas gerente não apareceu, porque não foi localizado

16 jul 2013 - 22h12
(atualizado às 22h14)
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O primeiro depoimento da tarde e terceiro do dia foi do segurança e porteiro André de Lima, o Baby, que trabalhava na Kiss desde março de 2010
O primeiro depoimento da tarde e terceiro do dia foi do segurança e porteiro André de Lima, o Baby, que trabalhava na Kiss desde março de 2010
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

Mais cinco pessoas foram ouvidas nesta terça-feira no processo criminal da Boate Kiss, no Fórum de Santa Maria (RS). Dois ex-funcionários deram longos depoimentos, mas o mais esperado do dia não foi realizado, o do ex-gerente Ricardo de Castro Pasch, que chegou a ser indiciado pela Polícia Civil por homicídios qualificados por dolo eventual e tentativas de homicídio qualificado, mesmos crimes pelos quais os quatro réus são acusados. Ele não foi localizado. A surpresa do dia foi o fato de um dos advogados ter feito um requerimento para que o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB), e o deputado estadual Jorge Pozzobom (PSDB) sejam ouvidos. 

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Respondem ao processo pelas 242 mortes e os mais de 600 feridos os sócios da boate, Mauro Londero Hoffmann, o Maurinho, e Elissandro Callegaro Spohr, o Kiko, e os dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, o vocalista, Marcelo de Jesus dos Santos, e o produtor de palco Luciano Bonilha Leão. Os quatro estão em liberdade. Mais uma vez, somente Marcelo e Luciano foram acompanhar a audiência no Salão do Tribunal do Júri, no Fórum de Santa Maria.

Defensor diz que havia querosene no teto da boate

Antes dos depoimentos, o advogado Omar Obregon, que defende o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos, fez um requerimento ao juiz Ulysses Fonseca Louzada para que seja feita uma nova perícia na Boate Kiss. De acordo com Obregon, o motivo seria o fato de a Polícia Civil ter localizado um litro de querosene no teto da boate e não ter comunicado isso ao Instituto Geral de Perícias (IGP). O defensor não especificou quando e de que forma o produto foi encontrado, apenas que havia uma menção a esse respeito no inquérito. 

O primeiro depoimento do dia foi do DJ Sandro Cidade, que atuava na Kiss havia dois anos e meio
O primeiro depoimento do dia foi do DJ Sandro Cidade, que atuava na Kiss havia dois anos e meio
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

O defensor ainda fez um pedido para que seja ouvido no processo o promotor Ricardo Lozza, que foi responsável pelo termo de ajustamento de conduta (TAC) assinado entre o dono da boate, Elissandro Spohr, o Kiko, e o Ministério Público a respeito da poluição sonora emitida pela casa noturna. Para essa solicitação, o advogado se baseou no depoimento de uma testemunha no inquérito policial a respeito dos alvarás da Kiss.

O terceiro pedido de Obregon foi para que sejam ouvidos o prefeito Cezar Schirmer (PMDB) e o deputado estadual Jorge Pozzobom (PSDB), a respeito de uma reunião que os dois teriam feito em frente à Boate Kiss, no dia da tragédia. O advogado também solicitou que sejam inquiridas as duas testemunhas que teriam relatado esse fato no inquérito policial. O juiz Ulysses Louzada deu vista ao Ministério Público para que se manifeste sobre os pedidos do defensor. Só depois é que ele dará uma resposta.

DJ se emociona e critica atuação dos bombeiros

O primeiro depoimento do dia foi do DJ Sandro Cidade, que atuava na Kiss havia dois anos e meio. Ele disse que não viu o momento em que começou o fogo, pois estava no camarim. Cidade comentou ainda que nunca viu a banda ter usado, na Kiss, o artefato que teria causado o incêndio, apesar de a Gurizada Fandangueira ter se apresentado lá dezenas de vezes.

O DJ também falou que, depois que conseguiu sair da boate, percebeu que as luzes ainda estavam ligadas. Como os bombeiros estavam usando água, ele contou que pediu a eles que desligassem a energia, indicando onde ficava a caixa de luz. Ele questionou a atuação dos homens da corporação. “Se o fogo era na pista principal, por que eles estavam jogando água ali na porta?”, perguntou.

Cidade estimou que havia entre 700 e 800 pessoas na Kiss na madrugada da tragédia. Ele contou ainda que a espuma sobre o palco foi colocada por um barman da boate e questionou a atuação do engenheiro responsável pelas obras de isolamento acústico, providenciadas por Elissandro Spohr depois do TAC assinado com o MP. O DJ falou ainda sobre as diversas reformas pelas quais a Kiss passou desde que ele trabalhava lá.

A testemunha se emocionou na parte final do depoimento, chorando duas vezes. O relato do DJ ainda foi motivo de um bate-boca entre os advogados Jader Marques, que defende Kiko Spohr, e Omar Obregon, a respeito do que a banda teria levado para o palco da boate. O depoimento de Cidade durou cerca de uma hora e meia e terminou por volta das 11h45.

Dois réus e defensores acompanharam os depoimentos
Dois réus e defensores acompanharam os depoimentos
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

A seguir, foi a vez de Cássio Martelles Lutz,que havia entrado na boate por volta das 2h10 do dia 27 de janeiro para encontrar quatro amigos. O relato mais impressionante do jovem foi a respeito de como ele conseguiu sair da Kiss. “Uma hora eu caí, e foi um efeito dominó. Caíram por cima de mim. Foi a coisa mais horrível da minha vida. Meus pés ficaram presos nas pernas das pessoas que caíram por cima de mim”, contou Lutz.

O jovem disse que chegou a pensar que iria morrer ali mesmo, mas fez um esforço a mais depois de ver “uma luzinha branca”, do estacionamento do Hipermercado Carrefour, que fica do outro lado da rua, em frente à Kiss. Lutz falou que conseguiu livrar um pé, depois o outro, e chegou se arrastando até a porta de saída. “Quando cheguei na porta, tinha uma pilha de gente no chão. Consegui esticar os dedos até a porta e saí”, descreveu o rapaz, que, ainda dentro da boate, viu a porta para o salão principal fechada e uma briga entre frequentadores que queriam sair e seguranças que impediam a passagem.

Lutz contou que ainda retirou algumas pessoas da boate. Preocupado com um amigo, que conseguiu sair, ele ainda tentou entrar novamente na casa noturna, quando teria sido ameaçado por um policial militar com uma arma. “Eu disse 'pode atirar, mas vai ser mais uma pessoa que vai morrer'”, comentou.

Nove depoimentos são invalidados pela Justiça

Depois do depoimento do frequentador, que terminou pouco antes das 13h, houve um intervalo. Na volta, o advogado Jader Marques informou que um habeas-corpus havia sido julgado pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS). A decisão versava a respeito da contestação ao fato de o assistente de acusação Jonas Espig Stecca ter se manifestado por escrito depois dos argumentos dos defensores e do Ministério Público, o que não seria previsto pelo Código de Processo Penal. 

Como Stecca também listou testemunhas para serem ouvidas, os desembargadores da 1ª Câmara Criminal decidiram que deve ser retirada a manifestação do assistente de acusação do processo. Portanto, por enquanto, ficam anulados os depoimentos de nove pessoas chamadas por ele. 

Joel Berwanger, Emílio Buchanelli Bernich, Kátia Giane Pacheco Tomazetti e Guilherme Patatt já foram ouvidos e, agora, os depoimentos deles em vídeo serão retirados do processo. Outros sobreviventes eliminados, pelo menos até que um recurso seja julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), são Malu Dias dos Santos e Bruno Rupollo Grethe, que ainda seriam ouvidos.

A decisão do TJ-RS também tornou nulo o ato do assistente de chamar três testemunhas de acusação: os ex-sócios da Kiss Alexandre Silva da Costa e Tiago Mutt e a irmã desse último, Cintia Mutt, que chegou a constar no contrato social da boate como sócia.  

Segurança e porteiro da Kiss fala por duas horas e meia

O primeiro depoimento da tarde e terceiro do dia foi do segurança e porteiro André de Lima, o Baby, que trabalhava na Kiss desde março de 2010. Sobre a atuação de Elissandro Spohr como dono da boate, ele afirmou: “O Kiko sempre dizia que queria a boate para fazer festa, pegar o dinheiro que cabia a ele e para 'comer' mulher”.

Lima avaliou que a boate rendia um bom dinheiro, baseado no conhecimento que tinha a respeito da venda de bebidas e na frequência de público nas festas. Ele contou que, na madrugada da tragédia, uma das caixas fez um sinal para o gerente da Kiss, Ricardo de Castro Pasch, por volta da 1h30, mostrando que, até aquele momento já haviam entrado cerca de 750 pessoas. Lima acrescentou que, até a hora do início do incêndio, somente 74 pessoas haviam saído (com base no número de canhotos de comandas que estavam com ele) e que entraram mais cerca de cem pessoas depois que a caixa havia feito o sinal para o gerente. 

O porteiro e segurança relatou ainda que, dois ou três meses antes do incêndio, um cliente da boate esvaziou o extintor perto do palco, o mesmo que teria sido usado para tentar apagar o início do fogo e não funcionou. Ele também contou que extintores costumavam ser retirados de seus locais por uma questão estética, para que não aparecessem em fotos com os frequentadores.

Lima também disse que estava junto à porta de saída quando veio “uma tropa de gente” querendo sair por causa do fogo. Kiko Spohr estava ao lado dele. O segurança disse que não chegou a barrar ninguém, pediu somente calma para as pessoas, e que em seguida o dono da boate mandou liberar a porta. “Quando saí, caí no declive da porta e fui pisoteado. Até me tiraram as calças. Só consegui me levantar com a ajuda de dois seguranças que me puxaram até o táxi que estava estacionado em frente. Aí me apoiei no táxi para me levantar”, descreveu Lima. 

O segurança ainda contou que pessoas que perdiam a comanda sofriam agressões físicas e morais dos seguranças e que tinham documentos ou celulares retidos até o pagamento. Lima também opinou sobre como via a Kiss em relação às rotas de saída, que já tinham sido motivo de reclamações de clientes. “Era um labirinto. Qualquer canto que se ia tinha um brete”, relatou.

Lima falou do relacionamento que tinha com o gerente da boate, Ricardo Pasch, dizendo que já tinha sido xingado e até recebido um aviso prévio dele. Ele também descreveu um encontro com Pasch que teve no dia 25 de junho, quando ganhou uma carona. O gerente teria criticado o depoimento dado pelo segurança à Polícia Civil, fazendo menções a coisas que ele não deveria ter dito. Um inquérito foi aberto para investigar o caso como “coação no curso do processo”. O depoimento do segurança foi o mais longo do dia: durou cerca de duas horas e meia. 

A oitiva de Ricardo Pasch não foi realizada porque ele não foi localizado pelo oficial de Justiça, que foi até o endereço informado em três ocasiões. Agora, o gerente será ouvido em Porto Alegre, depois que o advogado Jader Marques informou o endereço em que ele está. 

Mais seis depoimentos previstos para esta quarta

Ainda na terça-feira, mais dois frequentadores da boate foram ouvidos, em depoimentos que duraram menos de 30 minutos. Para esta quarta-feira, estão previstos mais seis oitivas, a partir das 9h30. Entre elas, a do barman da Kiss Érico Paullus Garcia, que teria colocado a espuma inflamável e tóxica sobre o palco, a pedido de Kiko Spohr. Outros dois ex-funcionários devem falar amanhã: a caixa Michele Baptista da Rosa Schneid e o segurança terceirizado Adalberto da Costa Diaz. 

Incêndio na Boate Kiss

Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 242 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

Indiciamentos
Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.

O inquérito também constatou que o extintor de incêndio não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência - as portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.

Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à Justiça oito pessoas - quatro por homicídios dolosos duplamente qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa da família de Elissando - este último não havia sido indiciado pela Polícia Civil.

Os promotores também pediram que novas diligências fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana; Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro, mãe dele - as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.

 

 
Fonte: Especial para Terra
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