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Tragédia em Santa Maria

RS: associação se habilita para ter assistente de acusação no caso Kiss

Requerimento em nome da AVTSM, uma pessoa jurídica, foi entregue no Fórum de Santa Maria (RS) no início da tarde desta terça-feira

9 abr 2013 - 20h19
(atualizado às 20h20)
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<p>O advogado da AVTSM, Jonas Espig Stecca, entregou um requerimento na 1ª Vara Criminal de Santa Maria para se habilitar como assistente de acusação na ação do caso Kiss</p>
O advogado da AVTSM, Jonas Espig Stecca, entregou um requerimento na 1ª Vara Criminal de Santa Maria para se habilitar como assistente de acusação na ação do caso Kiss
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

A Associação dos Familiares das Vítimas e Sobreviventes da Tragédia em Santa Maria (AVTSM) quer trabalhar com o Ministério Público para obter a condenação dos réus no processo criminal sobre o incêndio na Boate Kiss. Pouco antes das 14h desta terça-feira, o advogado da AVTSM, Jonas Espig Stecca, entregou um requerimento na 1ª Vara Criminal de Santa Maria (RS) para se habilitar como assistente de acusação na ação.

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O requerimento foi entregue em nome da associação, uma pessoa jurídica. Embora não haja essa previsão no Código de Processo Penal para habilitação de uma pessoa jurídica, a jurisprudência (conjunto das decisões e interpretações das leis pelos tribunais) favorece essa intenção da AVTSM.      

No requerimento, foram anexados, entre outros documentos, a ata de fundação da AVTSM e a relação com o cadastro de quase 500 associados, entre familiares de vítimas e sobreviventes. Cerca de 200 famílias que perderam parentes na tragédia estão representadas.   

A medida também é uma espécie de prevenção a um possível elevado número de assistentes de acusação no processo, o que é um temor da associação e do Ministério Público. Isso porque, além dos sobreviventes, também podem manifestar interesse em se fazerem representados na ação os cônjuges, os ascendentes, os descendentes ou os irmãos das vítimas.

“A gente prefere que seja desse modo, com a habilitação da associação, para que o processo tenha fluidez”, opina o promotor Joel Oliveira Dutra, um dos responsáveis pela acusação. Considerando toda a peculiaridade do caso, com 241 vítimas e 623 sobreviventes identificados, centenas de assistentes de acusação ainda podem se habilitar. Como, para cada movimento do processo, há a necessidade de o juiz dar um prazo para abrir vistas ao assistente, a demora acabaria se tornando inevitável.

Dois réus ainda não foram notificados pela Justiça

Dos oito réus no processo criminal da tragédia, seis já foram notificados pela Justiça para apresentar suas defesas. Os quatro acusados por homicídios dolosos qualificados e tentativas de homicídio doloso qualificado – Mauro Hoffmann, Elissandro Spohr, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão – foram notificados no último dia 3 e têm até a próxima segunda-feira, dia 15, para apresentar por escrito suas defesas. O prazo é de 10 dias, mas, como ele termina no sábado e não há expediente no Fórum, os defensores ganharam mais dois dias.

Volmir Astor Panzer, acusado de falso testemunho, foi notificado no mesmo dia e tem o mesmo prazo. Renan Severo Berleze, réu por fraude processual, só recebeu o mandado de citação no dia 4 e também tem como prazo final a segunda-feira, dia 13.

Até a tarde desta terça-feira, os réus Gerson da Rosa Pereira (denunciado por fraude processual) e Elton Cristiano Uroda (denunciado por falso testemunho) ainda não haviam sido notificados. Para eles, o prazo de 10 dias para a manifestação por escrito da defesa começará a contar somente a partir da notificação.

Ação criminal não tem nada a ver com pedidos de indenizações

O pedido de habilitação da associação no processo criminal não tem relação com os eventuais pedidos de indenização em relação à tragédia da Kiss. Já existem duas ações cíveis nesse sentido: uma da Associação Nacional para Exigência do Cumprimento das Obrigações Legais (Anecol), que não tem familiares de vítimas entre os associados, e uma da Defensoria Pública. Apesar das duas ações coletivas em andamento, não há impedimentos para que ações individuais sejam ajuizadas pelos advogados de confiança das famílias interessadas.

Associação ainda aguarda resposta do padre Lauro Trevisan

A polêmica sobre o livro Kiss: Uma porta para o céu, do padre Lauro Trevisan, ainda não terminou. Nesta terça-feira, o presidente da AVTSM, Adherbal Ferreira, disse que segue aguardando uma resposta do autor da obra em relação à notificação extrajudicial encaminhada na última sexta-feira.

Na notificação, a associação pedia que o autor do livro esclarecesse trechos destacados por ela e que apontasse eventuais culpados que teriam sido responsáveis por levar sobreviventes em meio a pessoas mortas no caminhão para o CDM. A entidade ainda solicitou a "imediata retirada de circulação do livro".

As partes do livro destacadas negativamente pela AVTSM foram duas. Na página 5, o seguinte trecho: "No auge da balada celestial, o Pai perguntou se alguém queria voltar. Dois ou três disseram que sim e foram encontrados vivos no caminhão frigorífico que transportava os corpos ao Ginásio de Esportes." Na página 11, a parte que desagradou aos familiares das vítimas compreendia "[...] num imenso gesto heroico de solidariedade, a salvar os que agonizavam em meio à fumaça funérea?!"

Depois de ser notificado, o padre Lauro Trevisan divulgou nota dizendo que, já na segunda edição do livro (a primeira se esgotou), retirou da publicação os trechos que causaram indignação.  Ele ainda escreveu que a única intenção do livro é "ajudar a confortar os que sofrem, a reanimar Santa Maria e a oferecer lições à humanidade para tornar o mundo melhor". Padre Lauro, como é conhecido, destacou que o livro não é documentário nem reportagem, mas uma mensagem de "conteúdo psicológico-espiritual". O religioso ainda ressaltou que, da página 1 à página 6 do livro, escreveu uma "alegoria".

Nesta terça-feira, ao ver uma propaganda na TV anunciando a venda do livro, o presidente da associação ficou indignado. "A associação ainda aguarda a resposta do padre Lauro. Não foi acatado o que o foi pedido na notificação. Ele não nos procurou para dar explicações. Tem que haver uma retratação", disse Ferreira.  

Incêndio na Boate Kiss

Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 241 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

Indiciamentos

Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.

O inquérito também constatou que o extintor de incêndio não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência - as portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.

Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à Justiça oito pessoas - quatro por homicídios dolosos duplamente qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa da família de Elissando - este último não havia sido indiciado pela Polícia Civil.

Os promotores também pediram que novas diligências fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana; Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro, mãe dele - as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.

Fonte: Especial para Terra
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