RS: três ex-funcionários da Kiss devem depor nesta terça-feira
Está previsto para ser ouvido o gerente da casa noturna,que chegou a ser indiciado pela Polícia Civil pelas 242 mortes na tragédia de Santa Maria, além de um segurança e um DJ
Em mais um dia de depoimentos no processo criminal da tragédia da Boate Kiss, seis pessoas devem ser ouvidas nesta terça-feira, a partir das 9h30, no Fórum de Santa Maria (RS). Entre as testemunhas agendadas, há três que eram ligadas à casa noturna. O depoimento mais aguardado é o de Ricardo de Castro Pasch, que era gerente da Kiss e chegou a ser indiciado pela Polícia Civil por homicídios qualificados por dolo eventual e tentativas de homicídio qualificado, mesmos crimes pelos quais os quatro réus são acusados.
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Respondem ao processo pelas 242 mortes e os mais de 600 feridos os sócios da boate, Mauro Londero Hoffmann e Elissandro Callegaro Spohr, o Kiko, e os dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira - o vocalista, Marcelo de Jesus dos Santos, e o produtor de palco Luciano Bonilha Leão. Os quatro estão em liberdade. Somente Marcelo e Luciano têm ido acompanhar as audiências no Salão do Tribunal do Júri, no Fórum de Santa Maria.
O primeiro depoimento do dia que está programado é o DJ Sandro Cidade, que atuava na Kiss. Em seu depoimento à Polícia Civil ele relatou, entre outras coisas, que a espuma no teto acima do palco, onde teria começado o incêndio, foi colocada por funcionários da boate, por determinação de Kiko.
Previsto para a parte da tarde, o depoimento do segurança e porteiro André de Lima, conhecido como Baby, vai poder contar um pouco da rotina do boate - pois ele cuidava da porta de entrada e saída - e o que aconteceu na madrugada da tragédia. Depois dele, será a vez de Ricardo de Castro Pasch, que, de acordo com a Polícia Civil, era o “braço direito” de Kiko na Kiss e uma espécie de “gerente noturno” do estabelecimento.
Durante o inquérito, Pasch falou sobre a participação de Hoffmann nas decisões a respeito da Kiss, a colocação da espuma acima do teto, as rotinas do dia a dia da casa noturna e a instalação das barras antipânico, entre outros temas. Ele chegou a ser indiciado pela Polícia Civil, mas não foi denunciado pelo Ministério Público, que depois pediu o arquivamento do inquérito em relação a Pasch, no que foi atendido pelo juiz Ulysses Fonseca Louzada.
Também estão previstos para esta terça os depoimentos de três frequentadores da boate: Cássio Martelles Lutz, Luís Felipe de Medeiros Peransoni e Mariana Damaceno Santana. Para amanhã, estão previstos outros seis depoimentos. Outras seis testemunhas já estão agendadas para o dia 23.
Todos os depoimentos de terça e quarta-feira já tinha sido marcados para alguma das audiências de 26, 27 e 28 de junho, mas tiveram de ser reagendados pela falta de tempo ou porque houve testemunhas que não foram localizadas. As oitivas do dia 23 de julho também serão de pessoas que já tinham sido convocadas anteriormente para outras datas. Foram ouvidas, até agora, 33 sobreviventes da tragédia.
Pelo menos quatro sobreviventes serão ouvidos nas cidades em que estão residindo. Entre esses casos, estão o baterista da banda Gurizada Fandangueira, Eliel Bagesteiro de Lima, e o guitarrista do grupo, Rodrigo Lemos Martins, que serão ouvidos em Rosário do Sul no dia 1º de agosto. Outras testemunhas irão depor em Porto Alegre e Florianópolis (SC), em datas a serem definidas.
Mesmo que o número de testemunhas a cada audiência tenha diminuído em relação aos primeiros dias de oitivas, a tendência é que os depoimentos não terminem antes das 18h. Afinal, já são, pelo menos, 19 pessoas aptas a fazer perguntas aos depoentes.
Audiência é aberta ao público
A audiência, marcada para começar às 9h30, é aberta ao público em geral. Para entrar no salão, o interessado deve apresentar um documento de identidade, passar por um detector de metais e desligar o celular. Também não é permitido o uso de computadores portáteis. Filmagens e fotografias estão restritas à imprensa. Estão reservados 50 lugares para a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Kiss.
Incêndio na Boate Kiss
Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 242 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.
Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.
Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.
Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.
Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.
A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.
No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.
Indiciamentos
Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.
O inquérito também constatou que o extintor de incêndio não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência - as portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.
Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à Justiça oito pessoas - quatro por homicídios dolosos duplamente qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.
Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa da família de Elissando - este último não havia sido indiciado pela Polícia Civil.
Os promotores também pediram que novas diligências fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana; Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro, mãe dele - as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.