Vereador alega que não foi ouvido em decisões da CPI da tragédia da Kiss
Tavores Fernandes leu um texto depois dos depoimentos desta quarta-feira, dizendo que não opinou para que sócios da boate Kiss não dessem depoimento
Na retomada dos depoimentos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara de Vereadores de Santa Maria (RS) que investiga a tragédia da boate Kiss, a surpresa veio no final da audiência. Um dos integrantes da CPI, o vereador Tavores Fernandes (DEM) leu um texto que incomodou muita gente, em que revela que não participou de decisões tomadas pela comissão, composta também pelas vereadoras Maria de Lourdes Castro (PMDB), presidente, e Sandra Rebelatto (PP), relatora.
Depois dos depoimentos do dia, o vereador pediu espaço para realizar esclarecimentos. No texto escrito e lido por ele, Tavores diz que não participou de reunião com qualquer técnico e nem mesmo conheço esses “consultores técnicos” da CPI, em referência a juristas e advogados que teriam sido ouvidos em relação à decisão de não ouvir os sócios da Kiss, Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann. “Tão pouco participei de qualquer votação que indeferiu a oitiva dos sócios da Boate Kiss e que determinou as oitivas dos vereadores Marcelo Zappe Bisogno e Werner Rempel”, declarou o vereador.
Como as decisões mencionadas eram tidas como “da comissão”, Tavores Fernandes disse que elas não tiveram a participação dele. “Por isso, solicito à Vossa Excelência que faça essa ressalva quando for atribuir autoria de decisões a todos os membros da CPI. Pois somente serei responsável por aquilo que realmente participei e opinei, o que não é o caso presente”, declarou o vereador.
A presidente da CPI disse que estranhou a manifestação do vereador. “Eu tenho todas as atas das reuniões em que essas decisões foram tomadas, e ele estava participando. Todas as decisões foram tomadas em conjunto por todo mundo. Eu não vou levar isso ao pé da letra, talvez o vereador Tavores esteja sendo cobrado pelas pessoas”, analisou Maria de Lourdes.
Antes mesmo de os depoimentos começarem, o clima já estava tenso. Familiares de vítimas lotaram as galerias da Câmara, com a companhia de representantes do Grupo de Apoio aos Povos Indígenas (Gapin), da Seção Seção Sindical dos Docentes (Sedufsm) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), do Cpers-Sindicato e do Diretório Central de Estudantes (DCE) da UFSM.
A audiência, que estava prevista para começar às 8h, só teve início às 8h31, quando a presidente da CPI confirmou que o advogado Jonas Stecca, que representava a Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) na mesa de trabalho, deixou a comissão. Ao ser provocada por uma parente de vítima para que dissesse os motivos alegados por Stecca para a saída, Maria de Lourdes provocou as primeiras reações do dia.
A vereadora relatou que, entre outras coisas, Stecca alegou que as perguntas aos depoentes da CPI eram feitas “de forma superficial”. Ela mesmo respondeu a essa afirmação. “Se não foram feitas perguntas mais fortes, a inoperância foi do advogado da associação ou dos vereadores de oposição”, declarou a presidente, provovando a reação de adversários políticos e de familiares das vítimas.
O presidente da AVTSM, Adherbal Ferreira, manifestou-se, questionando o fato de a comissão não querer ouvir os sócios da Kiss, Elissandro Spohr, o Kiko, e Mauro Hoffmann, que são réus no processo criminal da tragédia. Também se manifestou contra a CPI Flávio José da Silva, pai de Andrielle Righi da Silva, que morreu na tragédia aos 22 anos. Mais uma vez, Maria de Lourdes classificou o trabalho da CPI como “transparente, sério e responsável” e que a comissão tem atribuições próprias e “não é o Poder Judiciário”.
Depois das discussões, o primeiro depoimento do dia foi do presidente da Câmara, vereador Marcelo Bisogno (PDT), que foi secretário de Controle e Mobilidade Urbana de Santa Maria de dezembro de 2010 a abril de 2012. Além de explicar o funcionamento da pasta, ele relatou como foi a fiscalização da boate Kiss. Em todas os momentos, o vereador ressaltou que, durante sua gestão, a fiscalização na casa noturna foi feita regularmente e que toda a documentação do estabelecimento estava em dia.
Ao ser questionado se a prefeitura não tem mesmo poder de polícia para fechar estabelecimentos, Bisogno que, para isso, é preciso um processo administrativo que gere uma ação judicial. Segundo o ex-secretário, no Código de Posturas do município, há a previsão de multa, apreensão, embargo e cassação de alvará, mas isso não significa que estabelecimento será fechado.
A respeito das multas e embargos à boate Kiss, Bisogno esclareceu que multas e embargos aconteceram no período anterior a assumir a titularidade da secretaria. “Eu tive conhecimento das multas e embargo agora no processo. Quando assumi a boate estava dentro da lei”. Relatou que quando saiu da secretaria, em 5 de abril de 2012, o alvará do Corpo de Bombeiros estava em dia.
O presidente da Câmara também destacou que agiria de forma diferente do secretário que lhe antecedeu na pasta, diante da afronta dos proprietários da boate em manter o estabelecimento aberto mesmo com multas e embargos. Bisogno disse que adotaria um procedimento com o objetivo de lacrar o estabelecimento.
“Em tese, o caso deveria ter sido levado ao conhecimento da procuradoria jurídica a fim de encaminhar, judicialmente, o fechamento da boate”, comentou o vereador, que ainda ressaltou que não tinha relacionamento com qualquer proprietário da Kiss. Ele ainda disse estranhar que, de todas as testemunhas ouvidas pela Polícia Civil durante o inquérito, somente uma tenha afirmado que ele frequentava a boate. “Nunca estive na boate”, afirmou o ex-secretário.
No final do depoimento de Bisogno, Marta Mourão Beurer, mãe de Silvio Beuren Júnior, que morreu na tragédia, manifestou-se dizendo que o vereador a havia traído. Antes do depoimento do vereador Werner Rempel, vice-prefeito de Santa Maria de 2005 a 2008 e secretário geral de Governo de julho de 2005 a março de 2006, ela deixou o Plenário da Câmara. “É uma palhaçada chamar o Werner (para depor). Me retiro do Plenário em respeito ao Werner”, declarou Marta.
Quando o depoimento de Werner Rempel começou, a presidente da CPI chegou a comentar que o Ministério Público Estadual apontou que houve “abrandamento” na legislação de concessão de alvarás a partir da publicação do Decreto 32, de 2006, quando o líder da oposição fazia parte do governo municipal. O vereador observou que o MP se equivocou ao dizer que houve “abrandamento” na concessão de alvarás, destacando que o Decreto Municipal 32, de 2006, somente foi menos severo para pessoas que fazem uma leitura superficial dele. O vereador explicou ponto por ponto da norma.
Rempel enfatizou que o decreto prevê o fechamento de todo o estabelecimento que exercer atividade sem as devidas licenças. “A boate Kiss funcionou nove meses clandestinamente. E o decreto facultava à administração municipal fechar”, afirmou.
O vereador afirmou que o artigo 17 do decreto indica que o alvará de localização da boate poderia ter sido cassado.Ele classificou como “inaceitável“ a boate não ter sido fechada. O ex-secretário declarou ainda que, se estivesse na administração municipal, no primeiro descumprimento do embargo por parte dos proprietários, a boate seria fechada.
Em relação à tragédia da Kiss, Rempel afirmou que, se fosse prefeito de Santa Maria, teria aberto uma sindicância no dia seguinte à tragédia para apurar responsabilidades. “O prefeito não tem condições de saber tudo e ele tem que apurar, se alguém, abaixo dele, falhou. Não entendo porque o prefeito não instaurou sindicância”, disse.
A CPI da Kiss está entrando agora na reta final. De acordo com a presidente da comissão, serão ouvidos na próxima semana o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB), e a procuradora-geral do município, Anny Desconzi. Maria de Lourdes disse ainda que a arquiteta Cristina Gorski Trevisan, responsável pelo projeto de reforma para a instalação da Boate Kiss, que ainda iria dar depoimento, não foi localizada e que os integrantes da comissão desistiram da oitiva do ex-sócio da Kiss Alexandre Silva da Costa.
Instalada no início de março, a CPI deve ter seu relatório concluído pela relatora da comissão até o dia 1º de julho. Depois, ele será votado em plenário pelos 21 vereadores da Câmara de Santa Maria no dia 4 de julho.