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Um ano após chuvas, Teresópolis ainda guarda marcas da tragédia

11 jan 2012 - 07h34
(atualizado às 09h54)
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Um ano depois das fortes chuvas e dos deslizamentos que deixaram centenas de mortos e destruíram comunidades inteiras, a cidade de Teresópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, ainda tenta se reconstruir e retomar a normalidade do dia a dia. A prefeitura de Teresópolis afirma que, somente no município, que continua em estado de calamidade pública, as enchentes e desabamentos ocorridos na madrugada de 12 de janeiro de 2011 deixaram 392 mortos confirmados, além de 180 desaparecidos, nas 80 localidades atingidas.

No bairro de Campo Grande, o deslizamento de terra causado pelo acúmulo de água no topo de um morro causou uma enxurrada de lama e pedras que praticamente dizimou a comunidade, a mais atingida pelo desastre. A tragédia atingiu outras localidades, como o bairro de Posse.

Somado com os de outros municípios da serra fluminense, como Nova Friburgo e Petrópolis, o número de mortos devido às chuvas de janeiro de 2011 superou os 900, segundo dados das prefeituras. O Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) aponta que 345 pessoas estão desaparecidas, segundo dados de março do ano passado.

Posse

Na Estrada da Posse, rota que leva às áreas mais devastadas em Teresópolis, muitas propriedades que foram destruídas pela enchente e pelos desabamentos estão sendo reerguidas aos poucos, enquanto outras, que ficavam à beira do rio Paquequer, foram totalmente demolidas.

Nos bairros adjacentes à estrada, como Granja Florestal e Cascata do Imbuí, muros de contenção estão sendo construídos à beira de encostas, para evitar novos deslizamentos. Já as paredes das casas interditadas pela Defesa Civil apresentam inscrições em vermelho, com as iniciais de cada bairro ("CI" para Cascata do Imbuí e "CG" para Campo Grande, por exemplo) seguidas de um número de identificação.

O economista Martinho Ferreira dos Santos, 63 anos, mora no bairro da Posse há sete, junto da mulher. Ambos estavam em casa na madrugada de 12 de janeiro de 2011, quando ocorreu o deslizamento. "Eu estava dormindo e não ouvi nada na hora, foi a minha mulher que disse que havia alguém na rua pedindo socorro", disse Santos à BBC Brasil.

A residência do economista - uma casa de dois pisos, construída há 70 anos em um terreno de 2 mil m²- fica à beira do córrego do Príncipe, que vem do bairro vizinho de Campo Grande e corta o bairro da Posse. Um ano após o desastre, o córrego, que "mal encobria o pé da gente", segundo Santos, ganhou volume e força, ficando com mais de 1 m de profundidade. "Foi promovido a rio", ironiza o morador.

No dia da tragédia, no entanto, o córrego deu lugar a uma enxurrada de lama e rochas que vinham da direção do bairro do Campo Grande. A casa do economista, assim como as de seus vizinhos, ficou dois meses sem água e luz, e chegou a ser interditada, devido ao risco de novos desabamentos. Tomado pela lama, o terreno de Santos acabou sendo invadido até por animais, como um cavalo de raça. "Era um mangalarga lindo, mas todo machucado", diz.

Hoje, supervisionando reparos feitos no portão de entrada de sua propriedade, o economista diz não ter medo de uma nova tragédia, mas afirma que as ações do poder público para recuperar a sua zona são lentas demais. "A gente vê muros de contenção sendo feitos em outros lugares, o que é importante, mas aqui foi feita muito pouca coisa."

Campo Grande

Mais adiante, fica Campo Grande, o bairro mais afetado pelo desastre. Poucas pessoas são vistas circulando pela localidade, aparentemente semiabandonada. Retroescavadeiras ainda trabalham no local, tentando remover a terra que chega a quase 2 m de altura por sobre alguns pontos da estrada. Um verdadeiro mar de rochas enormes agora faz parte da paisagem local, que parece intocada desde os desabamentos de janeiro de 2011. Em todo o bairro, dezenas de casas semidestruídas estão vazias, interditadas pela Defesa Civil.

Estima-se que dezenas de corpos ainda estejam encobertos pela lama e pelos escombros. Moradores afirmam que, há uma semana, ossos humanos foram desenterrados por funcionários das obras de recuperação. Uma das residências liberadas para morar é a do motorista Anísio Siqueira da Silva, 52 anos. Ele afirma que não tem medo de permanecer no local, mesmo que a parte dos fundos, onde residia a sua filha, tenha sido abandonada por ordem da Defesa Civil.

Nos fundos, à beira do Córrego do Príncipe, ele aponta para o local onde moravam seis sobrinhos seus. Todos foram mortos pela enxurrada de 2011, diz o motorista. Além deles, segundo Silva, vários vizinhos morreram ou desapareceram devido à tragédia, "Moro aqui desde que eu nasci. O que tinha que acontecer, já aconteceu, não tenho medo de ficar", diz Silva, que mora junto da mulher e de quatro filhos.

A família do motorista chegou a ficar dois meses em um abrigo, mas conseguiu voltar para casa sem maiores perdas. Agora, Silva diz que aguarda uma maior ação do governo para melhorar a estrutura do bairro. "Tem que ajeitar a rua, trazer os ônibus de volta, dar luz para quem precisa, ajudar a gente", afirma o morador.

Caleme

No bairro do Caleme, outra localidade fortemente atingida pelos deslizamentos, moradores aguardam a liberação definitiva das autoridades para permanecer em casas situadas em áreas de risco moderado, chamadas de "linha amarela". Segundo a Defesa Civil de Teresópolis, as construções localizadas na "linha amarela" ficam próximas de áreas com risco de desabamento, mas sem apresentar risco iminente - diferentemente das zonas mais perigosas, interditadas permanentemente, conhecidas como "linha vermelha".

A dona de casa Raquel Laje Siqueira, 25 anos, mora na "linha amarela", perto de um morro que desabou em janeiro de 2011. No topo do morro, cerca de 200 m acima da rua, duas rochas grandes são visíveis em meio à terra molhada pela chuva. Mesmo com essa aparente ameaça, Raquel diz que não cogita sair de casa, e que não tem medo que aconteça um novo desastre. "Quando é para acontecer, acontece em qualquer lugar", disse ela, que mora com marido e um filho.

A Defesa Civil alega que um laudo técnico do Departamento de Recursos Minerais (DRM) do Estado do Rio apontará se a "linha amarela" será liberada ou não para ser habitada.

O presidente da Associação dos Moradores e Amigos do Caleme (Amac), Jeová dos Santos Silva, conta que uma das medidas de prevenção adotadas foi a entrega de um pluviômetro pelo governo do Estado à sua entidade. Quando o aparelho indicar chuvas acima de 60 mm, um alerta é feito via rádio à Defesa Civil. Além disso, duas sirenes foram instaladas no bairro, além da fixação de placas indicando rotas de fuga em caso de enchentes e deslizamentos.

No entanto, Silva diz que ainda faltam medidas de saúde no bairro, como a criação de um posto de atendimento e ações para evitar doenças como a leptospirose. A prefeitura de Teresópolis afirma que o governo federal repassou ao município R$ 7,241 milhões, sendo que cerca de R$ 1 milhão foi bloqueado, segundo a administração municipal, devido a problemas administrativos ocorridos na gestão do prefeito Jorge Mário (PT), afastado no ano passado.

O restante das verbas, de acordo com a prefeitura, foi utilizado para locar equipamentos para a limpeza das áreas atingidas e para o atendimento às vítimas. Já o governo do Estado liberou para Teresópolis R$ 4,19 milhões, que foram utilizados, segundo a prefeitura, para a compra de medicamentos e materiais para o atendimento de saúde. O saldo restante, de R$ 1,854 milhão, está sendo aplicado na recuperação de postos de saúde, de acordo com a administração municipal.

O município de Teresópolis, um dos mais afetados pelas chuvas do começo do ano passado no Rio de Janeiro, ainda tenta se recuperar dos estragos deixados
O município de Teresópolis, um dos mais afetados pelas chuvas do começo do ano passado no Rio de Janeiro, ainda tenta se recuperar dos estragos deixados
Foto: Rafael Spuldar / BBC Brasil
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