CNV ouviu 21 agentes da ditadura em duas semanas
O coordenador da Comissão Nacional da Verdade (CNV), Pedro Dallari, fez, nesta sexta-feira, um balanço das duas semanas de sessões do colegiado em que foram ouvidos 21 agentes do regime militar, e comemorou o fato de nenhum dos convocados ter faltado sem dar justificativa. “É um reconhecimento da importância da Comissão Nacional da Verdade”, disse.
Em duas semanas, a CNV ouviu 21 dos 38 depoentes que pretendia convocar para esta etapa dos trabalhos, sete em Brasília e 14 no Rio de Janeiro. Entre os que não puderam depor, dois não foram localizados, dois estavam viajando, cinco não compareceram por motivos de saúde e quatro remarcaram os depoimentos para agosto. Também foi constatado que dois depoentes haviam morrido. Duas oitivas tiveram que ser realizadas nas casas dos agentes.
Entre os 14 que depuseram no Rio de Janeiro, seis ficaram em silêncio, o que a comissão lamentou. Apesar disso, Dallari destacou que a relevância de alguns depoimentos, como o do juiz aposentado Nelson Machado Guimarães, que, ainda que defendendo o regime, admitiu a realização de tortura e assassinato nas dependências das Forças Armadas, tendo inclusive declarado que alertou as autoridades na época.
Na avaliação de Dallari, apesar do silêncio durante o depoimento, a primeira aparição pública em 33 anos do coronel Wilson Machado foi um marco importante para a comissão. Machado chegou a ser denunciado pelo Ministério Público por envolvimento na tentativa de atentado ao Riocentro, em 1981, que terminou ferindo os próprios militares.
Outro ponto alto dessas semanas, segundo os integrantes do colegiado, foi o depoimento do ex-delegado Cláudio Guerra, que exibiu em Brasília uma foto do acidente da estilista Zuzu Angel, mãe do ativista Stuart Angel, morto pelos militares. A imagem mostra o coronel Freddie Perdigão na cena do acidente, o que reforça a hipótese de que o episódio foi planejado e teve a participação dos militares, fato contestado pelas Forças Armadas.
“Está em andamento uma tentativa de desqualificação do depoimento do Cláudio Guerra, e a Comissão da Verdade rechaça essa tentativa e declara que tem preocupação com a segurança pessoal e com a vida dele”, disse Dallari. Segundo ele, o ex-delegado recebeu uma oferta de entrada no programa de proteção à testemunha, mas recusou.
Na manhã desta sexta-feira, a comissão ouviu os depoimentos do sargento Luciano José de Melo, do brigadeiro Zilson Luiz Pereira da Cunha e de Celso Lauria, que era capitão do Exército e agente do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), quando foi acusado de matar e torturar o militante da esquerda armada Chael Charles Schreier, na zona oeste do Rio. Segundo a comissão, o ativista morreu vítima de uma hemorragia depois de ser emasculado com um arame. Lauria se recusou a responder as perguntas da comissão.
O sargento Luciano José de Melo, que era motorista do ministro da Aeronáutica Márcio Sousa Melo, negou ter conhecimento de qualquer prática de tortura ou de prisão na Base Aérea do Galeão e reconheceu apenas ter transportado uma mulher que deu à luz enquanto estava presa na Vila Militar, levando-a para registrar o bebê. Segundo a CNV, Luciano José teria trabalhado no Centro de Informações da Aeronáutica (Cisa), onde o militante Stuart Angel morreu e outras vítimas foram torturadas. O militar diz que sequer ouviu falar o nome da vítima.
Já o depoimento do brigadeiro Zilson, segundo o integrante da CNV Paulo Sérgio Pinheiro, colaborou para confirmar e detalhar documentos enviados pelo governo do Chile, que informam que aviões da Força Aérea Brasileira fizeram voos para o país vizinho levando militares, no momento em que o Chile sofreu o golpe de Estado que depôs o presidente Salvador Allende. "Nosso objetivo é reconstituir a colaboração do governo brasileiro no golpe de Estado de Pinochet no Chile", disse.