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Com Bolsonaro, área ambiental do governo já perdeu 10% dos servidores

Servidores e ambientalistas afirmam que redução afeta diretamente o combate ao desmatamento e a crimes ambientais; 'hoje, a fiscalização do Ibama faz cócegas no infrator', diz um deles.

5 fev 2021 - 17h08
(atualizado às 17h12)
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Desde que Jair Bolsonaro (sem partido) assumiu a Presidência da República, em janeiro de 2019, a área ambiental do governo já perdeu quase 10% dos servidores.

A redução aconteceu tanto no Ministério do Meio Ambiente (MMA) quanto nos principais órgãos de fiscalização, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Em 1º de janeiro de 2019, os três órgãos tinham ao todo 5.794 servidores ativos. Hoje, esse número é de 5.216 — uma redução de 9,97%, ou 578 servidores a menos.

Como o quadro de funcionários já estava reduzido antes do início do governo Bolsonaro, a nova diminuição contribuiu para prejudicar ainda mais a aplicação da política ambiental brasileira, segundo servidores e especialistas ouvidos pela reportagem.

Como não houve concursos, não foram repostos muitos dos que se aposentaram ou pediram para sair.

Desde o início do governo Bolsonaro, o Ministério do Meio Ambiente é comandado pelo advogado paulista Ricardo Salles. A gestão dele é criticada tanto por ambientalistas quanto pelos próprios servidores dos órgãos ambientais.

A reportagem da BBC News Brasil procurou o Ministério do Meio Ambiente para comentários, mas não houve resposta até o fechamento desta reportagem.

Nos seus dois primeiros anos, o governo Bolsonaro foi marcado pela aceleração do desmatamento e pelo aumento na ocorrência de incêndios em biomas como a Amazônia e o Pantanal. Os problemas aconteceram ao mesmo tempo em que a capacidade do Ibama de fiscalizar crimes e aplicar multas diminuiu.

Sob governo Bolsonaro, desmatamento e queimadas na Amazônia aumentaram
Sob governo Bolsonaro, desmatamento e queimadas na Amazônia aumentaram
Foto: Reuters / BBC News Brasil

As informações desta reportagem foram obtidas pela reportagem da BBC News Brasil por meio de pedidos baseados na Lei de Acesso à Informação (LAI).

No caso do Ibama, os dados foram complementados usando a Painel Estatístico de Pessoal (PEP), do Ministério do Planejamento.

Em termos relativos, a maior redução foi no Ministério do Meio Ambiente (MMA): de 790 servidores na ativa em 1º de janeiro de 2019, quando Bolsonaro tomou posse, restam hoje 459. A redução é de 41,8%.

Em seguida vem o ICMBio, onde o número total de servidores ativos caiu de 1.602 no início da gestão Bolsonaro para 1.447 em janeiro de 2021 — queda de 9,6%.

No Ibama, a redução foi de 3.402 servidores para 3.310 (2,7% a menos).

A redução de pessoal também atinge órgãos que são próximos da temática ambiental: a Fundação Nacional do Índio (Funai), por exemplo, viu seu quadro de pessoal se reduzir de 2.114 para 1.903 trabalhadores desde o começo do governo Bolsonaro. Uma queda de 9,9%.

O número de servidores também sofreu uma redução no Executivo federal como um todo desde o início do governo Bolsonaro. Mas, na área ambiental, a queda foi mais de duas vezes maior que aquela do conjunto do governo.

O Poder Executivo como um todo tinha 622.093 servidores ativos em janeiro de 2019, e 599.852 em dezembro de 2020 - uma redução de 4,1%. Os dados são do Painel Estatístico de Pessoal (PEP), do Ministério do Planejamento.

Onde foram as baixas?

No caso do Ministério do Meio Ambiente, a redução do quadro de servidores se deve, principalmente, a uma mudança na organização do Poder Executivo: em maio de 2019, ainda no começo da gestão Bolsonaro, o governo editou a medida provisória (MP) 870, que diminuiu o número de ministérios e reorganizou a administração pública federal.

A gestão do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, é criticada tanto por ambientalistas quanto pelos próprios servidores dos órgãos ambientais
A gestão do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, é criticada tanto por ambientalistas quanto pelos próprios servidores dos órgãos ambientais
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Na época, a MP significou a perda de algumas atribuições do Ministério do Meio Ambiente para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), comandado pela ministra Tereza Cristina.

E significou também a perda de servidores: 138 deles foram transferidos para o Mapa. Outros 16 foram enviados para o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), segundo informou o MMA.

Em 2019, a BBC News Brasil mostrou como a saída dos técnicos estava causando paralisia nas atividades do Ministério do Meio Ambiente.

No Instituto Chico Mendes, a redução atingiu em cheio o quadro de fiscais do órgão — foram de 979 no começo da gestão de Ricardo Salles para 832 em janeiro de 2021.

Coisa parecida aconteceu na Funai: o número de servidores atuando nas chamadas "áreas-fim", isto é, na ponta, no atendimento ao público, caiu de 1.246 em janeiro de 2019 para 1.145 agora.

Dos três órgãos, o único que não viu uma redução no número de fiscais foi o Ibama.

Segundo informado pelo próprio órgão em resposta a pedidos via Lei de Acesso à Informação, o número de fiscais em atividade subiu de 591 em 2019 para 681 no dia 8 de janeiro de 2021, data do último levantamento. Internamente, os fiscais do Ibama são conhecidos como Agentes Ambientais Federais (AAFs).

Segundo a especialista em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama Suely Araújo, o número apresentado pelo órgão faz sentido — é possível que o número de fiscais tenha aumentado mesmo com a diminuição do quadro de servidores.

"O concurso não é para fiscal, e sim para analista ambiental, um cargo de nível superior. Quando a pessoa é considerada 'fiscal'? Quando ela está 'portariada', isto é, credenciada para atuar na fiscalização", explica Suely.

Incêndios na Amazônia se intensificaram nos últimos dois anos
Incêndios na Amazônia se intensificaram nos últimos dois anos
Foto: Reuters / BBC News Brasil

"O fato de ter aumentado o número de fiscais não significa que o quadro de pessoal aumentou, significa apenas que eles 'portariaram' mais pessoas (o termo faz referência à publicação de uma portaria no Diário Oficial designando o servidor para atuar em fiscalizações). É gente que estava afastada da fiscalização por algum motivo e que voltou", diz a ex-presidente do Ibama.

Após ser designado pela chefia do órgão, o servidor que passará a atuar como fiscal precisa fazer um curso de formação específico. Ele também passa a ter novas prerrogativas, como o porte de arma de fogo.

Órgãos pedem novos concursos há anos

Tanto o Ibama quanto o ICMBio pedem a realização de novos concursos há anos — sem sucesso, até o momento. No caso do Ibama, o último concurso foi realizado em 2012, segundo Suely Araújo.

"Eu mesma tentei muito realizar um concurso (quando era presidente do Ibama, de 2016 a 2018). Na época, pedi um concurso emergencial para 800 analistas. Consegui parecer favorável de todo mundo do Ministério do Planejamento. De todas as coordenações. E empacou lá em cima, no ministro (Dyogo Oliveira). Na época, o governo (do então presidente Michel Temer, do MDB) já estava com esse discurso de crise fiscal, de que não dava para ter concurso", diz Suely.

Em um ofício de setembro de 2019, por exemplo, a então coordenadora-geral de gestão de pessoas do ICMBio, Thais Ferraresi Pereira, pedia autorização para contratar mil servidores para cargos vagos na autarquia, em diferentes carreiras.

Em todo o Estado de Tocantins, por exemplo, eram apenas três servidores do ICMBio naquele momento. Em Mato Grosso do Sul, somente quatro.

Desmatamento na Amazônia
Desmatamento na Amazônia
Foto: Reuters / BBC News Brasil

No Ibama, um pedido similar foi feito em maio de 2020, assinado pelo presidente do órgão, Eduardo Bim — ele pediu um concurso para ocupar 2.311 cargos vagos. Até o momento, não houve resposta, segundo disseram servidores do órgão à BBC News Brasil.

Para o pesquisador Carlos Rittl, o enxugamento do quadro de pessoal dos órgãos da área ambiental não ocorre por acaso.

"O plano do governo Bolsonaro foi, desde seu começo, de guerra contra o meio ambiente. A devastação do Pantanal e da Amazônia em 2020 é resultado direto do 'plano Bolsonaro', o presidente é o grande responsável", opina ele, que é doutor em biologia tropical e ex-secretário-executivo do Observatório do Clima, uma das principais organizações brasileiras sobre mudança climática.

"Um ministro (Ricardo Salles) que nunca defendeu o meio ambiente em um ministério cada vez mais fraco, com cada vez menos gente e menos recursos, serve perfeitamente a esse plano. O cenário à frente é, infelizmente, muito claro: cada vez mais crimes ambientais impunes, cada vez mais destruição", diz ele, que no momento atua como pesquisador sênior visitante da Universidade de Potsdam, na Alemanha, e estuda o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul.

'Hoje, a fiscalização do Ibama faz cócegas no infrator'

Em meados de janeiro de 2021, o Ibama interrompeu o trabalho de aplicação de multas: os servidores responsáveis por essa área na autarquia entregaram os cargos em protesto contra a exoneração do dirigente responsável pela área, Halisson Peixoto Barreto.

"Ante o pedido de exoneração de Vsa. (Barreto), formulado pelo superintendente da Siam (Superintendência de Infrações Ambientais); e considerando a conjuntura criada a partir deste ato, colocamos à disposição da administração, com a consequente exoneração dos atuais chefes, os cargos de chefes titulares e substitutos da Divisão de Contencioso Administrativo (Dicon), Serviço de Apoio à Equipe Nacional de Instrução (Senins), Divisão de Conciliação Ambiental (Dicam) e Serviço de Apoio à Análise Preliminar (Saap)", diz um ofício entregue pelos servidores que pediram exoneração.

O documento foi publicado pelo blog da jornalista Ana Carolina Amaral, do jornal Folha de S. Paulo.

Segundo servidores ouvidos pela reportagem, o processamento das multas ambientais segue parado até hoje. Os servidores que trabalham com a aplicação e a cobrança das multas já vinham enfrentando dificuldades desde o começo da atual gestão.

"(A cobrança de multas) está parada desde outubro de 2019", diz um servidor com conhecimento do assunto.

"O Ibama já tinha um problema crônico de julgar menos autos de infração (em relação aos que eram aplicados). A equipe já era diminuta. Ao invés de ele (Ricardo Salles) aumentar a equipe, ele criou mais uma instância: as reuniões de conciliação entre os fiscais e os infratores (que deveriam ser realizadas antes de a multa ser efetivamente cobrada). Nenhum auto de infração pode ser cobrado sem essa reunião de conciliação. Você faz o auto de infração, mas a primeira coisa para ele ser cobrado é essa reunião. E os caras não fizeram nem dez reuniões de outubro de 2019 até hoje", diz um servidor com conhecimento do assunto.

"Eu mesmo lavrei autos aí que não deram em nada", diz ele.

"E esse não é o único problema. A equipe de Ricardo Salles também mandou trocar o sistema de autuação do Ibama, alegando que o sistema antigo era obsoleto e precisava ser substituído por um mais moderno. E aí fizeram um sistema novo. Abandonaram o PDA (uma espécie de palmtop dedicado à cobrança de multas) em favor de um aplicativo de celular. Só que ele não estava pronto. Estava cheio de bugs", diz ele.

"Na verdade, o que fizeram foi uma maneira de acabar com o Ibama sem baixar uma medida provisória extinguindo o órgão. Acabaram com a fiscalização. A fiscalização do Ibama perdeu o seu poder coercitivo. Hoje, ela faz cócegas no infrator", diz o servidor, sob condição de anonimato.

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