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"Com Bolsonaro inelegível, a direita deve lucrar mais que a esquerda"

28 jun 2023 - 07h22
(atualizado às 09h10)
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Para cientista política, com possível condenação pelo TSE, é provável que eleitorado se volte para outros candidatos de direita e centro-direita, e figuras menos extremistas podem ressoar mesmo entre quem votou em Lula.A possível condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pela Justiça Eleitoral pode tornar a principal figura da direita brasileira inelegível até 2030. Na ação movida pelo PDT no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Bolsonaro é investigado por abuso de poder político e por usar indevidamente os meios de comunicação ao atacar as urnas eletrônicas numa reunião com embaixadores, transmitida pela TV pública.

Em julgamento no TSE, relator já votou por inelegibilidade de Bolsonaro por oito anos
Em julgamento no TSE, relator já votou por inelegibilidade de Bolsonaro por oito anos
Foto: DW / Deutsche Welle

O julgamento teve início na semana passada e foi retomado nesta terça-feira (27/06), com o relator da ação no TSE, o ministro Benedito Gonçalves, votando a favor da inelegibilidade de Bolsonaro por oito anos. A ação continuará a ser julgada nesta quinta-feira, quando os demais seis integrantes do tribunal deverão se manifestar.

Junto com a possível inelegibilidade de Bolsonaro, surgem também uma série de incógnitas no mundo político, que tem sido, desde 2018, dominado pela polarização entre o ex-presidente e o atual, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Mas, segundo Graziella Testa, doutora em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getúlio Vargas (FGV EPPG), a disputa pelo espólio político na direita brasileira não necessariamente significará um mar tranquilo para a esquerda antibolsonarista.

"É mais provável que esse resultado [do julgamento no TSE] gere dividendos para a direita ou centro-direita, para outros candidatos ou outras personalidades desse campo. Esse é um eleitorado que dificilmente vai cruzar tão longe o espectro político", afirma Testa.

"A colocação de candidatos menos extremistas pode ressoar nos eleitores que votaram em Lula não porque era Lula, mas porque não era Bolsonaro. A esquerda vai precisar lidar com isso", diz a cientista política na entrevista à DW a seguir.

DW: Quais seriam os possíveis impactos políticos de uma condenação de Jair Bolsonaro (PL) pela Justiça Eleitoral?

Graziella Testa: Acho que precisamos pensar sobretudo no PL e na direita que veio com o Bolsonaro, nesse eleitorado que tinha essa demanda por uma direita conservadora - que vai se manter.

Uma primeira consequência imediata, na eventualidade de ele ficar inelegível, é que vão começar a surgir dissidências. Vai haver uma disputa por esse eleitorado. Provavelmente, em Minas e São Paulo, que têm governadores com esse perfil e que já se colocam como opções para uma eventual candidatura à Presidência, pode ser que eles comecem a encontrar conflitos internos.

O fato de o Bolsonaro sair da disputa ajuda também a deixar mais claro qual é essa insatisfação desse eleitorado, que era de centro-direita e foi para a extrema direita. O bolsonarismo é algo muito difícil de entender como uma unidade, porque temos o bolsonarismo daqueles que são evangélicos; o bolsonarismo armamentista e liberal; o bolsonarismo militarista e patriótico. Existem vários bolsonarismos. A grande questão do Bolsonaro, que tornava ele tão bem-sucedido eleitoralmente, é que ele conseguia encarnar isso tudo.

É difícil pensarmos em alguém que esteja tão ao extremo e que tenha uma possibilidade de sucesso eleitoral. De todo modo, podemos entender que a direita brasileira vai precisar se configurar em torno de um nome menos extremista - talvez essa seja uma boa notícia.

Os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e de Minas, Romeu Zema (Partido Novo), são dois que saem na frente pela disputa desse espólio? O que dizer dos filhos de Bolsonaro e de sua esposa, Michelle?

São Paulo e Minas são dois estados muito populosos. Se seguirem [Tarcísio e Zema] bem avaliados, já entram na disputa com uma fatia relevante do eleitorado.

Mas o Tarcísio tem um problema: ele foi muito bem votado no interior, mas na capital, não, o que não é um perfil diferente do que ocorria com o voto psdbista no estado de São Paulo.

Já o Zema entra com essa ideia da direita liberal, mais "moderna", digamos assim, como ele gosta de se apresentar. Mas provavelmente deverá abraçar uma direita mais tradicional, se quiser sair candidato à Presidência de fato.

Sempre existe a possibilidade de algum familiar entrar na disputa para conseguir trazer esses votos para o Legislativo. A preocupação aqui é que sempre pensamos no Valdemar [da Costa Neto, presidente nacional do PL] querendo trazer os votos do nome Bolsonaro para fazer bancada na Câmara e ter financiamento eleitoral. Lembrando que o financiamento é consequência do tamanho da bancada na Câmara.

Já a Michelle, ela tem tido muito destaque no PL Mulher, e isso pode refletir em alguma candidatura no futuro. Mas se eu fosse apostar, diria que a Michelle vai sair para algum cargo majoritário, como para o Senado.

O que pode tornar o Bolsonaro inelegível é a Justiça Eleitoral, apesar de todo o histórico do ex-presidente durante a pandemia, nos ataques à democracia em 8 de janeiro e até no caso das joias. Por enquanto, não temos uma prisão à vista. Isso suavizaria, de certa forma, os impactos da condenação?

Pode ser sim um motivo para reforçar a narrativa bolsonarista de que há uma perseguição a Bolsonaro, mas acho que [essa narrativa] seria maior numa prisão do Bolsonaro. Não é o caso do que estamos discutindo agora. Mas a Justiça pode começar a julgar os outros possíveis crimes dele, por exemplo, o que ocorreu no período da pandemia.

O eleitorado estritamente bolsonarista já tem um incomodo com a atuação do Judiciário que não vem de agora, com as instâncias superiores particularmente, e muito especificamente com o TSE. É natural que exista uma insatisfação de quem sofre punições do Poder Judiciário, mas o contrabalanço de Poderes serve para os momentos em que um dos Poderes está se excedendo. É natural que quem sofra a represália fique incomodado, como ficaram incomodados os eleitores do presidente Lula quando ele foi preso. O problema é quando isso se reflete numa deslegitimação das instituições.

As prisões e a repressão ao que ocorreu em 8 de janeiro têm sido o bastante para conter futuros ataques às instituições, como o que ocorreu na ocasião?

Essas condenações são muito importantes. Essa sinalização de que vai haver punição para quem atentar contra o Estado Democrático de Direito é fundamental e já denota uma resiliência institucional da democracia. Quem for pensar em fazer algo do tipo sabe que vai estar sujeito a punição.

Há muito tempo, vínhamos lidando com manifestações no sentido mais amplo do terno, pessoas falando, agindo de forma antidemocrática e anti-institucional. Um caso muito emblemático ocorreu na votação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, quando o ainda deputado Jair Bolsonaro dedicou o voto dele a um torturador da época da ditadura militar.

Esse e outros sinais de que a democracia é menos importante ou é inclusive prejudicial a determinadas pautas são muito negativos. Começar a punir esse tipo de iniciativa desincentiva que isso venha a acontecer, mas é preciso que isso [punição] também aconteça no Legislativo.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, falou que iria punir, mas só estamos vendo o Conselho de Ética funcionando para coisas muito pontuais e duvidosas. É outro ponto que precisa ser pensado. O Legislativo continua funcionando de forma mais corporativista do que democrata.

É inevitável pensar que uma condenação de Bolsonaro pelo TSE será uma vitória para o governo Lula e para a esquerda, de um modo geral. No entanto, o Congresso segue majoritariamente de direita e conservador. Como essa inelegibilidade do Bolsonaro muda a forma das forças progressistas de atuarem no Brasil?

Precisamos ver como e se a esquerda vai conseguir capitalizar a vitória. A esquerda vai precisar tentar pegar os dividendos desse resultado, mas é mais provável que esse resultado gere dividendos para a direita ou centro-direita, para outros candidatos ou outras personalidades desse campo. Esse é um eleitorado que dificilmente vai cruzar tão longe o espectro político.

A esquerda pode pegar alguns dividendos ali na centro-esquerda, mas eu não vejo como algo muito positivo. Assim como a direita, a esquerda também precisa se organizar para entender o eleitorado, que não é o mesmo de dez anos atrás. São problemas que não vão ser resolvidos só com a proibição do Bolsonaro se reeleger, e a colocação de candidatos menos extremistas pode ressoar nos eleitores que votaram em Lula não porque era Lula, mas porque não era Bolsonaro. A esquerda vai precisar lidar com isso.

Deutsche Welle A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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