Com comida, mas sem emprego: ‘capital’ do Bolsa Família teme por futuro do programa
Mãe de seis filhos, Ana Rita de Jesus está preocupada com o futuro da presidente Dilma Rousseff.
Ela trabalha em uma cooperativa de mulheres artesãs na comunidade rural de Itamatatiuá, no Maranhão.
"Eu vi na televisão que eles querem tirar Dilma do poder e acabar com o Bolsa Família", disse à BBC Brasil. "Se isso acontecer, talvez eu precise me mudar para uma cidade maior, porque não tem emprego aqui."
O Bolsa Família – implantado em 2003, no primeiro governo do PT – é o maior programa de transferência de renda do mundo. Um total de 47 milhões de brasileiros inscritos, quase um quarto da população, recebe dinheiro mensalmente.
Sem ele, Ana Rita de Jesus estaria na pobreza extrema, mesmo com o salário que ganha com seu trabalho na cooperativa de artesanato.
Sua renda mensal fica em torno de R$ 65 – a depender de quantas peças de cerâmica a cooperativa vende. Do Bolsa Família, ela recebe R$ 237.
Casas 'de verdade'
Toda a comunidade de Ana Rita foi transformada pelo programa. Itamatatiuá foi formada há cerca de 200 anos por quilombolas – descendentes de afro-brasileiros que fugiram das fazendas onde trabalhavam como escravos.
Até a década passada, a vida no local era marcada pela pobreza extrema. "Depois do ex-presidente Lula, nossa comunidade ficou muito melhor", diz a líder local Neide de Jesus.
"Naquela época, o dinheiro não era o suficiente para a gente comprar coisas – só tínhamos o suficiente pra comer. As pessoas hoje têm geladeiras, fogões, televisões. Começamos a estudar e a ter casas de verdade."
O assunto mais comentado na cooperativa atualmente é o futuro do Bolsa Família. Quase todas as mulheres da comunidade dependem financeiramente dele.
Famílias que estão abaixo da linha de pobreza – que no Brasil é de R$ 164 reais por mês – recebem, em média, R$ 176 por mês do governo.
Em troca, elas precisam manter seus filhos na escola com pelo menos 85% de presença em sala de aula e com a vacinação em dia. Não há requerimentos para famílias sem filhos que ficam abaixo da linha de pobreza.
'Livre mercado'
Para lidar com a pior recessão em mais de duas décadas no país, a presidente Dilma Rousseff vem promovendo cortes drásticos no orçamento do governo no último ano. Mas apesar disso, ela afirmou que protegeria o Bolsa Família e outros programas sociais dos cortes.
A presidente argumenta que os supostos crimes fiscais dos quais ela é acusada em seu processo de impeachment – as chamadas "pedaladas" – eram procedimentos com o objetivo de, em parte, proteger estes programas.
O Bolsa Família também se tornou um dos argumentos de Dilma Rousseff nas últimas semanas, antes da votação sobre o início do julgamento de impeachment no Senado, contra o processo.
No início deste mês, ela disse a uma multidão de manifestantes que o vice-presidente, Michel Temer, removeria 36 milhões de pessoas do programa e as jogaria "no livre mercado, forçando os pobres a se virarem".
Dias antes da votação, ela aumentou o valor do benefício em 9% e moveu a linha de pobreza para cima, para englobar mais pessoas no programa.
O discurso da presidente atingiu em cheio as mulheres em Itamatatiuá e muitas beneficiárias do Bolsa Família em todo o país. Elas temem que o benefício seja cortado em uma possível administração Temer.
A cooperativa de cerâmica lucra, em média, R$ 800 por mês, valor que é dividido entre seus 12 membros.
Mas a maior parte da renda das mulheres daqui não vem da venda de cerâmica. O Bolsa Família acaba valendo mais a pena financeiramente do que administrar um negócio ou conseguir um emprego, quando conseguem encontrar um.
Sucessos e fracassos
Itamatatiuá é uma das 207 pequenas comunidades em Alcântara, cidade maranhense que ilustra os sucesso e fracassos do Bolsa Família.
A cidade tem um IDH de 0,573, que ainda assinala um baixo padrão de vida, mas seu índice subiu 40% durante a última década.
Agora, as pequenas comunidades têm estradas que as conectam ao centro da cidade.
Outros programas sociais implementados pelo PT, como o "Minha Casa, Minha Vida", construíram casas de tijolos onde haviam moradias de taipa.
Mas apesar das melhorias, a economia local passou a depender fortemente do dinheiro que vem do governo federal.
Em uma cidade de 21 mil moradores, impressionantes 78% deles recebem dinheiro do Bolsa Família. Na semana do pagamento, longas filas se formam diante do centro em que o dinheiro é distribuído desde as primeiras horas do dia até a hora do fechamento.
Algumas das mulheres da comunidade dizem querer uma melhor qualidade de vida, mas afirmam que não conseguem encontrar empregos.
Muitas delas simplesmente desistiram da ideia de trabalhar e se viram em melhor situação por terem muitos filhos e viverem do benefício.
O prefeito de Alcântara, Domingos Araken, do PT, admite que, após 13 anos de Bolsa Família, a cidade não conseguiu construir uma economia sustentável.
"Ao longo dos anos nós não conseguimos que nossa economia caminhasse com as próprias pernas – mas os programas sociais nos permitiram gastar mais em infraestrutura, como estradas e casas, e investir em educação. Espero que isso dê frutos agora e que nós não dependamos tanto do Bolsa Família no futuro", disse à BBC Brasil.
Ele acredita que cortar gastos do programa pode forçar milhares de pessoas a migrar de cidades menores para grandes centros urbanos, em busca de empregos.
Futuro
O futuro do Bolsa Família será um desafio para a sociedade brasileira e para o novo presidente – seja o vice Michel Temer, caso Dilma Rousseff sofra impeachment, seja um novo mandatário eleito.
O PT diz ter ajudado a tirar 36 milhões de pessoas da pobreza e ter reduzido drasticamente a desigualdade.
O programa também recebeu elogios do Banco Mundial e foi copiado em muitos outros países.
No entanto, o déficit no orçamento brasileiro é alto e a dívida pública do país está em um caminho insustentável. Com o aprofundamento da recessão, aumentos de impostos já não parecem alternativas viáveis e o governo tem cortado gastos onde pode.
O vice-presidente, Michel Temer, e pessoas próximas a ele dizem que o Bolsa Família continuaria no topo da lista de prioridades de um novo governo, mas afirmam que nenhum programa social estaria imune a cortes.
Depois de uma década se beneficiando do crescimento econômico do Brasil, famílias em muitas comunidades pobres no país, como Itamatatiuá, agora temem que suas vidas possam mudar para pior.
Na cooperativa de cerâmica, Ana Rita de Jesus não acredita que seu salário será suficiente para sobreviver.
"Preciso de dinheiro do governo. Não é todo dia que conseguimos vender nossas peças de cerâmica, mas eu sei que posso contar com o Bolsa Família todo mês", afirma.