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Comissão da Verdade lança livro com nomes de torturadores

16 jun 2014 - 22h24
(atualizado às 22h24)
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Uma carta escrita por presos políticos do Presídio Barro Branco, em São Paulo, em 1975, e que trazia nomes e codinomes de 233 torturadores do regime militar no País foi revista e virou um livro, lançado nesta segunda-feira na Assembleia Legislativa Paulista pela Comissão Estadual da Verdade de São Paulo.

O livro Bagulhão: A Voz dos Presos Políticos Contra os Torturadores traz a carta que foi enviada ao presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (na época) Caio Mário da Silva Pereira. Segundo a comissão, foi a primeira denúncia pública de presos políticos sobre torturas e torturadores, embora outros documentos tenham sido elaborados na época e divulgados, mas de forma clandestina.

O nome Bagulhão se refere, segundo o ex-preso político Reinaldo Morano Filho, ao fato de o documento ganhar volume com o passar do tempo e também porque bagulho, na linguagem usada por quem estava preso, significava algo que os “presos temiam muito” ou algo perigoso. O documento, segundo ele, começou a ser produzido pelos presos em 1969, de forma conjunta, e foi feito de forma sigilosa, para que os militares não tivessem conhecimento sobre ele. O primeiro nome da lista de torturadores é o do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou o Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) de São Paulo.

O documento, explicou Morano Filho, consistia em um calhamaço de 28 folhas com as assinaturas de 35 presos. Além da identificação dos torturadores, o documento descrevia também os principais métodos e instrumentos de tortura que eram empregados pelos órgãos de repressão e as condições carcerárias. O texto dessa carta foi encerrado pelos presos no dia 23 de outubro de 1975, mas ganhou um post-scriptum dois dias depois para incluir a notícia da morte, sob tortura, do jornalista Vladimir Herzog.

Morano Filho, que militava pela Ação Libertadora Nacional (ALN), ficou preso entre agosto de 1970 e março de 1977, em diversos presídios, entre eles, o de Barro Branco, o Tiradentes e no DOI-Codi. Ele foi um dos que assinou e elaborou o documento. “Como sobreviventes, nos colocamos como testemunhas de assassinatos e de perseguição política que se fazia naquele momento. Daí resultou nessa carta”, falou ele.

Para que o documento chegasse às mãos de Caio Mário, sem ser interceptada pelos militares, os presos decidiram por uma saída clandestina: eles montaram um compartimento no interior de uma garrafa térmica, entre as partes de vidro e de plástico da garrafa, onde o calhamaço foi alojado. A garrafa foi então usada para servir café aos advogados que visitariam seus clientes no presídio. Com isso, pelas mãos de um advogado, o documento chegou a Caio Mário. “E sem prejuízo do café”, disse Reinaldo Morano Filho.

A carta foi enviada ao dirigente da OAB porque, em agosto daquele ano, Caio Mário deu uma declaração ao jornal Folha de S.Paulo em que dizia que não tinha conhecimento de denúncias concretas de prisões irregulares e de arbitrariedades policiais e de que precisava de mais informações sobre o que estava ocorrendo no País.

“Nós, presos políticos abaixo-assinados, recolhidos no presídio da Justiça Militar Federal, São Paulo, tomamos conhecimento das declarações emitidas por Vossa Senhoria lamentando não haver conseguido 'especificações objetivas' por parte de pessoas vítimas de prisão irregular e de arbitrariedades policiais. (…) Embora cientes das muitas denúncias concretas já havidas – inúmeras delas inclusive divulgadas mais recentemente por jornais brasileiros – vimo-nos na obrigação, como vítimas, sobreviventes e testemunhas de gravíssimas violações aos direitos humanos no Brasil, de encaminhar a Vossa Senhoria um relato objetivo e pormenorizado de tudo o que nos tem sido infligido, nos últimos seis anos, bem como daquilo que presenciamos ou acompanhamos pessoalmente dentro da história recente do País”, diz o trecho inicial da carta.

De acordo com Morano Filho, quando o documento foi tornado público, ainda em 1975, nenhuma ação legal ou ação judicial o contestou. Nenhuma contestação ao documento ocorreu até hoje, ressaltou ele.

Um dos ex-presos políticos que também assinou e ajudou a elaborar a carta foi o ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e atual membro da Comissão Interamericana de Direitos Humano Paulo Vannuchi. Segundo ele, este documento é uma “prova cabal” da existência de tortura e de violações no período. “Esta é mais uma evidência, muito importante para o relatório final, para que não pairem dúvidas de que houve excessos e de que houve dúzias de torturadores sádicos e de que o regime criou uma estrutura [de violações] e a apoiou”, falou. “Este é um documento curto, fácil de ler e que precisa ser multiplicado para que todos o conheçam”, acrescentou.

Para Vannuchi, os relatórios das comissões da verdade de todo o País deverão abordar, entre outras questões, a responsabilização do Estado pelas violações ocorridos no período. “Os pouquíssimos participantes da ditadura militar que admitem que ocorreram torturas - e o Ustra nega taxativamente – o admitem como exceção. A exceção terá que ser abordada no relatório das comissões, sobretudo da nacional, para dizer que não foi o excesso de uma meia dúzia (de torturadores). Essa meia dúzia (de torturadores) ou 233 nomes ou 400 precisam ser identificados. Os altos escalões sabiam o que se passava”, disse ele.

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