Como a alta dos juros impacta o seu bolso
Poupança, bolsa, orçamento de famílias, cotação do dólar, empréstimos, investimentos — tudo tem ligação com a taxa básica da economia, que voltou a subir este ano.
O Banco Central elevou as taxas básicas de juros da economia brasileira — e ainda sinalizou que poderá continuar subindo as taxas nas duas próximas reuniões, que serão realizadas nos primeiros meses de 2025.
Na quarta-feira (11/12), o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, que é quem decide sobre os juros brasileiros, decidiu elevar a taxa básica Selic de 11,25% ao ano para 12,25% ao ano.
O ritmo da aceleração chamou atenção: em 18 de setembro, o Copom promoveu a primeira elevação da Selic em dois anos: uma subida de 0,25%, para 10,75%. Na reunião seguinte, no mês passado, a alta foi de 0,5%. Agora, o Copom subiu a taxa em 1%.
A decisão foi tomada com o objetivo de manter a inflação brasileira próxima da meta de 3%. A última medição do IPCA (o índice usado pelo governo), mostra que a inflação estava em 4,87% nos 12 meses até novembro.
Uma combinação de fatores — a economia brasileira aquecida, o baixo desemprego e dúvidas sobre a trajetória da dívida pública e sobre a capacidade do governo de equilibrar as contas com seu pacote fiscal recentemente anunciado — leva alguns no mercado a especular que a inflação brasileira pode subir ainda mais nos próximos meses.
O comunicado do Copom cita a preocupação das autoridades monetárias brasileiras com o risco de alta da inflação: "A inflação cheia e as medidas subjacentes têm se situado acima da meta para a inflação e apresentaram elevação nas divulgações mais recentes".
Essa foi a última reunião chefiada por Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central indicado por Jair Bolsonaro. No próximo ano, quem assume o cargo é Gabriel Galípolo, economista indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O que a alta do juro significa para o bolso dos brasileiros?
O que isso significa para os brasileiros?
Antes mesmo de os juros subirem, muitos brasileiros podem estar sentindo que já estão empobrecendo.
Isso acontece como consequência da inflação. Os preços gerais da economia subiram 4,87%, mas muitos trabalhadores não tiveram ganhos a essa altura.
Alimentos — um item que pesa bastante no orçamento de todas as famílias — é um dos que mais sofreu aumentos. O preço da carne, por exemplo, subiu 7,54%, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) entre outubro e novembro.
A alta dos juros consegue mudar essa situação? Em geral, sim.
Juros mais altos costumam ser usados por autoridades monetárias como ferramenta para baixar a inflação. A ideia é que juros altos encarecem o custo de se tomar empréstimos — e isso tem um efeito colateral de conter altas de preço na economia.
A inflação é contida, mas existe um preço a se pagar: juros mais altos afetam também o ritmo do crescimento da economia.
"A parte ruim é que ao se aumentar a taxa de juro, cai o ritmo da economia. Isso vai afetar mercado de trabalho e aumentar a taxa de desemprego. Esse é o impacto de uma política monetária mais apertada", diz o economista Luis Otávio Leal, da G5 Partners, empresa de serviços financeiros que trabalha também com gestão de patrimônio.
Como consequência, pode haver um aumento no desemprego — que hoje no Brasil está em um patamar de 7,5%, o menor desde fevereiro de 2015.
No entanto, as autoridades monetárias precisam escolher entre dois males: um desemprego maior ou uma inflação maior.
"Juros altos são um remédio duro. Mas deixar a inflação fora de controle é muito pior. Sabemos isso por experiência própria. O Brasil já sofreu muito com inflação alta", diz o economista Victor Gomes, professor da Universidade de Brasília (UnB).
"E lembrando que essa inflação alta atrapalha demais o investimento, porque você não consegue prever como vai ser a demanda no futuro. Não é apenas o impacto orçamentário nas famílias."
Como o juro mais alto afeta poupança e investimentos?
O juro alto pode ter o efeito de aumentar ainda mais o desequilíbrio entre ricos e pobres, segundo os economistas.
Isso acontece porque os pobres não têm acesso a ferramentas e investimentos que protegem seu dinheiro da inflação. Os que não têm contas bancárias, e mantém dinheiro em espécie, vêem seu patrimônio desvalorizar — além de ver seus salários corroídos.
Para as camadas que dependem do salário mínimo, o governo tem prometido aumentos acima da inflação. Em janeiro de 2024, o salário mínimo subiu 6,7%. Para o próximo ano, acredita-se que ele deva subir 2,5% acima da inflação.
Os economistas dizem que muitos nas camadas mais pobres da população que têm conta bancária costumam deixar o seu dinheiro em cadernetas de poupança.
"A inflação é muito mais perversa para a camada mais pobre, que costuma deixar o dinheiro na poupança, quando tem algum. Os mais pobres não têm acesso a nenhum tipo melhor de proteção contra a inflação", explica Leal.
As cadernetas de poupança não são consideradas bons investimentos, neste momento, por causa da forma como são calculados os seus ganhos.
Quando a Selic supera os 8,5%, a remuneração da poupança é limitada a 0,5% ao mês, ou 6,17% ao ano, mais a variação de outra taxa, conhecida como taxa referencial.
Na prática, isso significa que a taxa de poupança está pagando pouco menos de 7% de juros ao ano. Isso seria suficiente para proteger o poupador da inflação (que está em 4,87% ao ano neste momento), mas com ganho real de cerca de 3%.
Os economistas dizem que as pessoas mais ricas — e mesmo na classe média — têm acesso a ganhos muito maiores do que isso. Um investimento considerado seguro — o Tesouro Direto Prefixado 2027, título do governo federal que é oferecido por alguns bancos e corretoras — estava pagando juros de 14,56% ao ano na manhã desta quinta-feira (12/12).
Isso representa um ganho real de quase 10% acima da inflação atual.
Ou seja, em um cenário de juros altos, pessoas mais ricas tendem a ter ganhos ainda maiores do que os mais pobres — mesmo que todos consigam proteger seu patrimônio da inflação.
O mercado brasileiro de renda fixa tem vivido um momento de euforia com os juros altos deste ano. Hoje é possível conseguir investimentos que pagam por ano juro de 6% a 7% mais a inflação do ano — os chamados títulos IPCA+.
Juros nesse patamar podem ser contratados para longos prazos, como 2035 e 2045. Essa oportunidade é considerada rara para quem tem dinheiro sobrando — e só existe por causa do momento de inflação e juros altos no Brasil.
"Não existe investimento produtivo que bata IPCA +7%", diz Leal.
"Só se viu esse nível de taxa de juro real em história recente durante o governo Dilma Rousseff, próximo do impeachment, e em um período curto do governo de Michel Temer."
Entre os prejudicados por juros altos estão pessoas e empresas que dependem de empréstimos bancários para seus negócios ou vida pessoal.
"Quando o juro sobe, você pune mais as pessoas que estão usando os instrumentos financeiros [tomando empréstimos] e premia quem está poupando. Ela pode migrar da poupança para investimentos atrelados a títulos públicos", diz Gomes.
O juro alto também pode ter efeito negativo para empresas.
"O pessoal que negocia papel na bolsa costuma ficar muito chateado quando o juro sobe, porque você acaba premiando muito mais a renda fixa, e não a renda variável [o mercado de ações]", explica o economista da UnB.
Com possibilidade de ganhos de 14% na renda fixa, muitos investidores vendem seus papéis em bolsa para colocar em títulos públicos, que possuem riscos menores do que ações de empresas. Com isso, os valores de mercado das empresas listadas cai. Além disso, essas empresas vêem sua produção encarecer, com o custo de empréstimos também aumentando.
Todo esse ciclo afeta o crescimento econômico e o emprego — mas beneficia também que os preços gerais da economia fiquem sob controle.
E o dólar?
Outro efeito colateral do aumento dos juros é que o dólar fica "mais bem comportado", segundo o economista da G5 Partners.
"O dólar já está caindo e isso é reflexo da reunião de ontem (quarta-feira). Com juro maior, existe também uma maior entrada de investidores estrangeiro para aproveitar esses juros mais altos. Assim fica menos atraente comprar dólar para se especular", diz Leal.
"O dólar deixa de ser investimento rentável. Você ganha muito mais seu dinheiro em um CDI (investimento de renda fixa), com 14,25%, do que apostar na alta do dólar."
Outro efeito positivo da queda do dólar é que a cotação mais baixa da moeda americana contribui também para baixar a inflação — já que produtos e insumos importados também ficam mais baratos em reais.
Mas há riscos embutidos, alerta Victor Gomes, da UnB.
"O Brasil está inserindo no mundo. Antigamente, após a crise [financeira mundial] de 2008, nós tivemos uma década de juro muito baixo na economia americana. E não é esse hoje o cenário. Você tem juros lá fora na casa dos 4%. Então está sobrando menos dinheiro para mercados emergentes", afirma Gomes.
Com juros mais altos nos EUA — e também na Europa — muitos investidores preferem investir em renda fixa atrelada ao dólar e euro (consideradas moedas menos arriscadas que o real). Isso faz com que dinheiro saia do Brasil para esses mercados, o que provoca a desvalorização do real.
Isso explica, em parte, segundo os economistas, porque o dólar tem subido tanto no Brasil neste ano — além dos fatores domésticos da economia brasileira, como juros, inflação e política fiscal do governo. Desde o começo do ano, quando estava cotado a R$ 4,85, o dólar já se valorizou quase 20% em relação ao real.
E a perspectiva, segundo Gomes, é que isso possa piorar durante o governo de Donald Trump, que começa no próximo mês, já que há sinais de que suas políticas possam vir a fortalecer a moeda americana.