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Como é a vida na cidade onde gasolina já custa R$ 8

Para economizar, cidadãos deixam de usar carro com frequência e recorrem a motos ou até bicicletas. Bagé tem o preço de combustível identificado como o mais caro no país, segundo a ANP

12 nov 2021 - 16h40
(atualizado às 16h56)
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Posto adota preços diferentes para motoristas com ou sem o aplicativo da rede: objetivo é atrair mais clientes
Posto adota preços diferentes para motoristas com ou sem o aplicativo da rede: objetivo é atrair mais clientes
Foto: Arquivo pessoal / BBC News Brasil

O movimento de carros está menor nas ruas, nos postos de combustíveis e nos estacionamentos das cidades do extremo Sul do Brasil. Segundo os moradores, a principal razão é o custo do combustível - que não para de subir.

De acordo com um estudo do Ibre/FGV, a inflação do motorista brasileiro chegou a 18,46% no acumulado de 12 meses até outubro. Em Bagé, a 378 quilômetros de Porto Alegre, o litro da gasolina comum encostou nos R$ 8,00. Trata-se do preço mais caro segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que entre 31 de outubro a 6 de novembro consultou 4.733 postos de Norte ao Sul do país.

No começo de 2021, o litro da gasolina comum tinha um valor médio de R$ 5,54 em Bagé. De lá pra cá, aumentou R$ 2,46. A escalada chegou a motivar a criação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) na Câmara de Vereadores para apurar o motivo dos preços elevados, ainda sem definição.

Para se locomover na "cidade com a gasolina mais cara do Brasil", o jeito é reorganizar a rotina. Para o pedreiro Eduardo Dutra de Medeiros, 37 anos, o rearranjo inclui ir ao supermercado a cada 15 dias, em vez de ir semanalmente, além de criar roteiros mais econômicos e trocar o meio de transporte.

"Antes eu fazia orçamentos de carro, agora eu deixo todos os pedidos para um único dia, traço um caminho sem muitas voltas e ainda uso a moto da minha esposa para baratear meu custo", diz Medeiros. Ele não foi o único bageense a trocar quatro por duas rodas.

Pedreiro Eduardo Dutra de Medeiros precisou fazer adaptações na rotina em razão do aumento no valor do combustível
Pedreiro Eduardo Dutra de Medeiros precisou fazer adaptações na rotina em razão do aumento no valor do combustível
Foto: Arquivo pessoal / BBC News Brasil

Conforme noticiado pela imprensa local, a base do Detran-RS (Departamento de Trânsito do Rio Grande do Sul) registrou o emplacamento de 218 novas motocicletas em Bagé entre janeiro e setembro de 2021.

O aumento foi de 32% em comparação ao mesmo período do ano anterior, quando o houve 165 motos registradas. A propaganda de um consórcio é categórica: "Tá afim de economizar na gasolina? Vai de moto nova".

Além de aderir à moto, Medeiros tem acrescentado o custo da gasolina ao valor da mão de obra - o que não fazia até então. "Eu calculo a quilometragem da minha casa até o cliente, e quantos dias levo para realizar a obra. Então converto a quantidade de gasolina que vou usar pelo valor que pago pelo litro no posto."

Segundo o pedreiro, já houve ocasiões que os clientes rejeitaram propostas por causa do adicional cobrado pela gasolina. Ele diz que não tem alternativas - converter o carro para GNV (Gás Natural Veicular) é impraticável: à semelhança de outras cidades próximas à fronteira com a Argentina e o Uruguai, Bagé não tem posto autorizado a vender o produto.

Por que tão caro em Bagé?

Propaganda de consórcio incentiva a comprar motocicleta para economizar com gasolina
Propaganda de consórcio incentiva a comprar motocicleta para economizar com gasolina
Foto: Reprodução / BBC News Brasil

A pergunta não tem uma resposta única, de acordo com João Carlos Dal'Aqua, presidente do Sulpetro (Sindicato dos Postos de Combustíveis do RS).

A explicação mais ouvida é a de que o município fica longe da principal refinaria gaúcha, a Alberto Pasqualini (Refap), em Canoas - cerca de 400 quilômetros de distância. Isso cria um custo logístico mais elevado. Ocorre que existem cidades ainda mais longínquas da Refap, e nem por isso o preço da gasolina é mais caro do que em Bagé. Aqui entram as outras respostas.

Bagé, por exemplo, não se caracteriza como um grande centro consumidor de combustível, como é a região metropolitana de Porto Alegre. "Em grandes centros urbanos, o posto pode ganhar na venda em escala. Mas em cidades menores é difícil ter venda nova, o que resulta em um repasse maior ao consumidor", explica Dal'Aqua.

Além disso, postos menores geralmente têm menor poder de barganha com as distribuidoras. Também é preciso considerar que cada revendedor adota uma estratégia mercadológica ao colocar o preço na bomba.

Comerciante afirma que alta na gasolina aumentou movimento em sua loja de venda e reparo em bicicletas
Comerciante afirma que alta na gasolina aumentou movimento em sua loja de venda e reparo em bicicletas
Foto: ARQUIVO PESSOAL / BBC News Brasil

O presidente da Sulpetro menciona que Bagé leva a má fama porque é onde a ANP realiza as pesquisas. Em Dom Pedrito, município vizinho de 38 mil habitantes (onde a ANP não faz pesquisas), o combustível é ainda mais caro - um dos postos da cidade vendia o litro da gasolina comum a R$ 8,17 nesta semana; a gasolina aditivada saía a R$ 8,27.

De acordo com Sergio Ivan Alves Lopes, 46 anos, a elevação da gasolina na bomba explica boa parte do intenso movimento que registra em sua loja de venda e reparo de bicicletas. "Os dois mecânicos da loja estão sempre ocupados", diz. No acumulado de 2021, o faturamento da empresa cresceu 50% em comparação com 2019, ano anterior à pandemia. Não só pela venda, mas também pela inflação - os produtos importados ficaram mais caros.

A bicicleta é uma opção de locomoção vantajosa a um município pequeno como Dom Pedrito. Motocicletas também, a exemplo de Bagé. "Moto não é tão gastadeira quanto carro, né? Só que o custo da moto também subiu aqui", reclama Lopes.

Antes da pandemia, bastavam R$ 2 mil para comprar uma moto popular usada. "Agora, tu sais com R$ 5 mil pra comprar - e tem vezes que, aqui na cidade, nem se encontra motocicleta a esse preço."

Um posto, dois preços

Flávio Farias Staevie, 55 anos, é dono de uma rede com três postos de combustíveis em Bagé. Além de se queixar do estigma que a cidade carrega, em razão das pesquisas da ANP (inclusive feitas em dois postos de sua propriedade), ele garante que, na prática, nenhum posto da cidade vende a gasolina pelo preço exibido no totem.

"Desde que entrei no ramo, em 1994, existe uma cultura de desconto na cidade", diz o empresário. Cada posto de gasolina adota a própria política de abatimento.

Staevie, por exemplo, concede desconto de 5% por meio de um aplicativo. Qualquer cliente pode abrir o app do posto e gerar um código promocional, fazendo com que o litro da gasolina comum caia de R$ 7,993, como exibido na bomba, para R$ 7,597.

Para clientes corporativos, como concessionárias e supermercados, o empresário concede descontos ainda maiores, que podem chegar a 10%, a depender do consumo médio mensal. É uma das formas que encontrou para captar novos clientes e fidelizar os antigos. Mesmo assim, a quantidade de gasolina comercializada não para de cair.

"Não sei te quantificar precisamente. O que sei é que hoje eu vendo menos gasolina do que antes", diz ele. O empresário vende menos até para os funcionários: antes, cada frentista ia com o próprio carro ao trabalho. Agora, eles revezam entre si, em um esquema de carona compartilhada. Mais uma mudança provocada pela alta da gasolina.

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