Como era o 'Brasil holandês', território no Nordeste que ficou por 25 anos sob domínio dos Países Baixos
Em 1630, as Províncias Unidas dos Países Baixos invadiram parte do território do Nordeste, e estabeleceram uma colônia que eles chamaram de 'Nova Holanda'.
Em 14 de fevereiro de 1630, uma esquadra com cerca de 60 navios de guerra foi avistada na costa de Pernambuco. Há quem diga que transportava até oito mil mercenários.
As bandeiras de cor branca e laranja hasteadas na popa pertenciam às Províncias Unidas dos Países Baixos, atual Holanda.
Eles estão preparados para tomar esses territórios dos portugueses, que, sob o comando do monarca espanhol Felipe 4°, no contexto da União Ibérica, agora são súditos da Coroa Espanhola.
Os habitantes mal conseguem se defender, e a resposta da Espanha é lenta, de modo que os holandeses logo conseguem capturar a então capital, Olinda, e, mais importante, o porto do Recife.
"Foram anos difíceis. Durante quatro anos, eles praticamente não puderam sair das fortificações. Mas, pouco a pouco, conseguiram ocupar mais território, e permaneceram por 24 anos. Foi sua dominação mais longa", afirma George Cabral, professor de história colonial do Brasil na Universidade Federal de Pernambuco.
A colônia fundada pelos holandeses no nordeste do Brasil consumia muito dinheiro. Ela precisava de defesa, mercenários e navios. Mas também era a chave para negócios lucrativos.
Durante o século 17, Pernambuco foi o polo de um enorme poder econômico graças ao comércio de açúcar. Uma atividade quase tão lucrativa quanto a extração de prata, que o império espanhol dominava com as minas de Potosí, na atual Bolívia, e de Zacatecas e Guanajuato, no México.
A ocupação desta parte do Brasil permitiu que a Holanda, por meio de sua Companhia das Índias Ocidentais, comercializasse também tabaco, especiarias, madeira brasileira e pessoas escravizadas.
"Não havia nada comparável no Brasil. Naquela época, Pernambuco era a região mais rica, o maior produtor de açúcar do mundo. E foi por isso que os holandeses invadem aqui", explica José Manuel Santos Pérez, diretor do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Salamanca, na Espanha.
Os colonizadores britânicos chamavam o açúcar de "ouro branco". Sua extração e refino foram a força motriz por trás do tráfico de escravizados que levou milhões de africanos para as Américas no início do século 16.
Enfraquecer o Império Espanhol
Mas esta era a segunda vez que os holandeses tentavam invadir o Brasil. Entre 1624 e 1625, eles ocuparam Salvador. Um ano de dominação até serem expulsos, mas que já mostrava suas intenções em relação ao Brasil.
Havia um grande interesse na Europa em explorar esse vasto território, ainda desconhecido.
Para os historiadores, a invasão holandesa de Pernambuco e de outras cinco capitanias no Nordeste açucareiro teve como objetivo minar a capacidade econômica da monarquia espanhola — e aumentar seu domínio sobre as rotas comerciais do Atlântico.
Foi uma época em que as Províncias Unidas dos Países Baixos estavam emergindo como uma potência comercial mundial com sua Companhia das Índias Orientais Holandesa.
Mas, no fundo, trata-se de um capítulo dos conflitos entre os holandeses e os espanhóis nos séculos 16 e 17.
Em 1580, Portugal ficou sem um sucessor. Aproveitando-se deste vácuo de poder, o rei Felipe 2° da Espanha reivindicou sua ascendência portuguesa, e tornou-se Felipe 1° de Portugal, criando uma união dinástica que durou décadas.
Durante anos, os holandeses foram parceiros dos portugueses no mercado de açúcar.
"Eles tinham uma participação importante no transporte, no financiamento e no refino do açúcar na Europa. E quando começaram as guerras entre Espanha e Holanda, e mais ainda quando houve a união das Coroas de Portugal e Espanha, surgem os problemas", ressalta Cabral.
Entre outras coisas, o lucro que os holandeses obtinham no comércio com os portugueses permitia que eles financiassem a guerra contra a Coroa Espanhola.
Assim, em 1621, o rei Felipe proíbe as transações entre o Brasil colônia e a Holanda. E proíbe a entrada de navios holandeses nos portos.
"O império espanhol simplesmente impôs um embargo a eles e, assim, cortou seu acesso não apenas ao açúcar, mas a outras mercadorias", diz o historiador Bruno Ferreira Miranda, professo da Universidade Federal de Pernambuco.
Decisão de invadir as colônias
É neste momento que os holandeses elaboram seus planos para tomar as colônias das Américas da Coroa Espanhola — e tratam de criar uma companhia comercial para financiar a invasão.
"Os holandeses queriam tomar todas as colônias da Espanha nas Américas, começando por Pernambuco, mas já estavam de olho no Peru, México, Caribe e no resto", diz Cabral.
"Eles começaram pelos pontos que pareciam militarmente mais fracos."
E é assim que eles chegam a Pernambuco.
"Não foi fácil. Na primeira fase da presença holandesa —de 1630 a 1637 —, houve muitas escaramuças e confrontos para consolidar seu domínio. E apesar da tendência de glamorizar o período holandês, foi uma época marcada pela fome e pela violência", explica Cabral
A fome constante atormentava os soldados dia após dia. E quando não era fome pelo fato de terem chegado poucas migalhas de pão da Europa, eram o escorbuto, a cegueira, a varíola, a hidropisia, a sífilis ou a tuberculose que enfraqueciam os homens.
"Dos muitos males sofridos pelo Exército da Companhia das Índias Ocidentais durante seus anos de atividade no Brasil, poucos se comparam às doenças", observa Ferreira Miranda.
'Brasil holandês' é misto
"Nós chamamos de Brasil holandês. Mas o fato é que os holandeses trouxeram para o Brasil um Exército misto de holandeses, flamengos, franceses, ingleses, alemães, escandinavos, gente do exterior", acrescenta.
Entre 1637 e 1644, há um período mais tranquilo. Não é um período áureo de paz, mas os conflitos diminuem bastante.
Nessa época, Pernambuco era governado por um nobre alemão contratado pela companhia holandesa. A missão de governar a "Nova Holanda" foi confiada a Maurício de Nassau, que chegou a Recife em 1637 e lá permaneceu até sua renúncia e partida em 1644.
Seria Nassau quem transformaria Recife em uma cidade verdadeiramente cosmopolita no litoral atlântico da América do Sul. Ele deixou um legado de produções artísticas que estão nos museus da Europa, de pesquisas científicas e livros.
Recife tinha uma arquitetura especial e obras monumentais. Por exemplo, foram construídos dois grandes palácios. Um deles tinha torres de 60 metros de altura; em outras palavras, era algo completamente diferente do que se conhecia até então.
"Há também um pouco mais de liberdade religiosa, ou seja, os católicos podem voltar a praticar sua religião, os judeus são aceitos com culto público, com sinagogas abertas e tudo mais", lembra Cabral.
O melhor prefeito de Recife
"A memória é tão forte que ainda hoje se você perguntar a qualquer pessoa na rua, ela vai dizer que o melhor prefeito que Recife já teve foi Nassau. Ele era um personagem muito diferente de outros administradores coloniais e deixou lembranças muito boas", afirma.
O fim da ocupação holandesa no Brasil começa a milhões de quilômetros de distância dali, em Amsterdã. O mercado se vê inundado com açúcar, e os preços caem drasticamente.
"Os preços despencam a tal ponto que muitos dos comerciantes de açúcar vão à falência. E isso tem um efeito dominó", diz Santos Pérez.
"Quando as empresas de Amsterdã começam a falir, elas exigem urgentemente o pagamento de seus empréstimos. Não em parcelas, mas imediatamente. E essa onda de exigências de (pagamento de) dívidas obviamente chega a Pernambuco", afirma o diretor do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Salamanca.
Na colônia brasileira, vários homens fazem seus cálculos. Eles são os proprietários de engenhos de açúcar que deviam grandes quantias de dinheiro à companhia holandesa. E, de alguma forma, chegaram à conclusão: ou os expulsamos ou vamos à falência.
Começa a rebelião. A impossibilidade de negociar facilmente suas dívidas e a cobrança de altos impostos por parte da Companhia das Índias Ocidentais, que administrava a colônia, levaram os portugueses e pernambucanos a agir.
"Os habitantes locais enfrentaram os holandeses que haviam se entrincheirado na cidade, e os hostilizaram tanto que praticamente não os deixaram sair de lá", diz Santos Pérez.
Rumo ao Suriname, Essequibo e Belize
Até a derrota final dos holandeses em 1645, os homens que serviam no porto de Recife eram impedidos de deixar a cidade, e aqueles que se aventuravam a sair eram frequentemente emboscados pelas tropas portuguesas.
"O que vemos ao longo desses anos é que os holandeses não têm capacidade bélica suficiente, digamos assim, para combater essa resistência local."
"Quando os holandeses perderam sua colônia no Brasil, conquistaram outra parte do continente sul-americano na costa do Caribe", escreveram Cabral e Santos Pérez em seu livro El desafío holandés al dominio ibérico en Brasil en el siglo 17 ("O desafio holandês à dominação ibérica no Brasil no século 17", em tradução livre).
"Suriname, Essequibo e Belize podiam não ser ilhas como Barbados ou Jamaica, mas ofereciam os mesmos benefícios: clima tropical, fácil acesso para embarcações, ventos alísios para fazer funcionar os moinhos e um bom solo."
"Estes fatores fizeram desta área um local ideal para o cultivo de cana-de-açúcar", acrescentaram.
Eles perderam Pernambuco, mas levantaram suas velas, zarparam e encontraram outros territórios desconhecidos para explorar.