Como fica a situação de Lula após a decisão do STF
Presidente ganhou fôlego para ficar longe da prisão, mas seus problemas com a Justiça estão longe de acabar
Um julgamento marcado por mais tensões entre ministros, com um feriado pela frente e com o tema espinhoso da execução de penas após condenação em segunda instância pairando como um elefante na sala produziu uma decisão provisória inesperada no Supremo Tribunal Federal na quinta-feira (22).
Reunidos para discutir um pedido de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os 11 ministros se perderam em longas discussões e nem sequer avaliaram o mérito do pedido. A indecisão acabou beneficiando o condenado mais célebre da Lava Jato, embora não mude sua situação eleitoral ou impacte em seus outros processos na Justiça.
Na prática, Lula ganhou algum tempo e recebeu um salvo-conduto que o impede de ser preso até que o Supremo tome uma decisão final. Após horas de indecisão e atrasos, uma maioria de ministros se impôs e decidiu que o julgamento deve ser retomado em 4 de abril e concedeu até lá uma liminar para a defesa. O entendimento foi que Lula não poderia ser prejudicado pela demora do tribunal e o longo feriado de Páscoa da semana que vem.
Se o STF não tivesse criado essa fórmula, haveria uma possibilidade real de Lula ser preso a partir de segunda-feira (26/03). É nesta data que o Tribunal Regional da 4° Região vai julgar os embargos apresentados pelo ex-presidente contra a condenação pelo caso tríplex no Guarujá, confirmada em janeiro. Agora, os juízes do TRF-4 podem até rejeitar os embargos, mas nenhuma decisão sobre prisão poderá ser cumprida até que o STF julgue o caso.
Quando o Supremo retomar o julgamento, ainda vão vigorar as duas possibilidades de desfecho que já estavam na mesa na quinta-feira: uma maioria votar por conceder o habeas corpus a Lula, o que resultaria em ainda mais fôlego para o presidente permanecer em liberdade; ou a rejeição do pedido, o que deixaria o ex-presidente novamente a um passo de ser preso.
Porém, após os ministros terem decidido que o habeas corpus poderia ser analisado pelo tribunal, um cenário extra se abriu: há possibilidade de que algum ministro peça vista para analisar o caso, o que tornaria a data de um desfecho totalmente imprevisível. Neste cenário, segundo o advogado de Lula, o ex-ministro do Supremo Sepúlveda Pertence, a liminar pode continuar a valer além de 4 de abril, dando ainda mais fôlego ao ex-presidente.
Tendência
Nesta altura, já há sinais de que a defesa de Lula poderá contar com os votos favoráveis de Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello Gilmar Mendes e Celso de Mello. São ministros que vêm se posicionando pela reversão de uma série de decisões de 2016 que autorizaram a execução de sentenças de condenados em segunda instância.
Gilmar Mendes, por exemplo, se notabilizou por mudar completamente de posição nos últimos meses. Antes um defensor da medida, virou um de seus maiores críticos. Vários desses ministros têm tomado nos últimos meses decisões individuais que contrariam abertamente a jurisprudência do STF, criando uma verdadeira loteria para aqueles que buscam habeas corpus no Supremo.
Assim, o placar ficaria empatado em 5 a 5: os ministros Roberto Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Edson Fachin e Alexandre de Moraes vêm se posicionando a favor do cumprimento da decisão. Há, porém, a possibilidade de Gilmar não comparecer ao julgamento, já que sua agenda prevê uma viagem no dia.
Assim, o voto decisivo ficará com a ministra Rosa Weber. Caso ela vote pela concessão do habeas corpus, o placar continuaria empatado, mas nesse caso Lula seria beneficiado. Se ela decidir acompanhar os ministros favoráveis à execução da pena, será formada uma maioria para negar o HC de Lula.
Em 2016, Weber votou contra a possibilidade de prisão antecipada antes que todos os recursos sejam esgotados, mas vem seguindo o voto da maioria em suas decisões. Na quinta-feira, Weber votou a favor da concessão do salvo-conduto. Ela, porém, também disse que o voto não significa necessariamente uma tendência. No caso de Mendes antecipar a volta da sua viagem, a situação de Lula pode ficar mais confortável.
"Apesar de Mendes ter explicitado que mudou seu entendimento nos últimos dois anos, será preciso esperar para ver, se num caso envolvendo Lula, ele está mesmo disposto a conceder o habeas corpus", afirma Rubens Glezer, professor de direito constitucional na Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) em São Paulo, lembrando o notório comportamento antipetista de Mendes.
O resultado para a prisão em 2° instância
Nas últimas semanas, a presidente do STF, Cármen Lúcia, tem relutado em reabrir a discussão de 2016 sobre prisões em segunda instância. Há, no momento, duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) sobre a decisão pendentes no tribunal, mas Lúcia não tem colocado o tema em pauta, apesar de vários ministros terem expressado o desejo de discutir o tema novamente.
Sem a discussão das ADCs, o julgamento do pedido de liberdade de Lula acabou se tornando em parte a arena para a discussão do tema e explicitou o racha entre os ministros. Um eventual resultado favorável ao petista pode pressionar ainda mais por uma nova rodada de discussões ou já abrir uma nova jurisprudência, se os ministros decidirem usar o caso como exemplo por meio de uma súmula vinculante, que iria substituir efetivamente os efeitos das decisões de 2016.
"Em 2016, o primeiro entendimento sobre as prisões foi tomado durante o julgamento de um habeas corpus discutido em plenário. No caso de Lula conseguir seu pedido, isso explicitaria a mudança da maioria dos ministros. Vai depender como eles vão tratar o assunto", afirmou Rubens Glezer.
Além de Lula, uma eventual revisão da prisão em 2°instância poderia a beneficiar outros condenados na Lava Jato, como o ex-ministro José Dirceu.
Outros problemas do ex-presidente
Mesmo que o tribunal venha a conceder o HC para que Lula permaneça em liberdade até que novos recursos sejam analisados, o ex-presidente ainda vai continuar a colecionar uma série de problemas com a Justiça. Ele é réu em outras cinco ações. São os casos envolvendo o sítio em Atibaia e acusações de tráfico de influência, entre outros.
Uma decisão do STF também não deve ter qualquer impacto sobre a possibilidade de Lula ser impedido de participar das eleições deste ano. Mesmo que permaneça livre para levar seu caso para uma instância superior, a condenação por um órgão colegiado, no caso o TRF-4, ainda continua válida.
Assim o ex-presidente continua com os requisitos para ser considerado ficha-suja e a correr o risco de ser impedido de participar efetivamente do pleito. Uma decisão definitiva ainda vai depender de como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vai analisar os prováveis pedidos de liminar do ex-presidente para concorrer.
Embora não venha a ter impactos na candidatura de Lula, a eventual concessão de um habeas corpus a partir de 4 de abril poderá ter alguns efeitos políticos. O ex-presidente não só poderia ganhar mais tempo para recorrer. Livre, ele poderá participar da maior parte da campanha, mesmo que no final tenha a candidatura negada, podendo redirecionar seu capital político para algum candidato que venha a apoiar ou apresentar um substituto na última hora. O calendário eleitoral prevê que os partidos possam substituir seus candidatos até 20 dias antes do pleito.