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Como fica o cenário político após a soltura de Lula?

11 nov 2019 - 14h41
(atualizado às 14h51)
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Em seu primeiro discurso após deixar a prisão, o ex-presidente ataca o atual governo e avisa: "Estou de volta!". Mas o que o retorno do petista aos palanques políticos significa para a política brasileira?No dia seguinte à sua soltura, Luiz Inácio Lula da Silva se apresentou de forma revigorada diante de milhares de simpatizantes em São Bernardo do Campo, seu berço político. Depois de 580 dias de prisão, o ex-presidente de 74 anos e um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT) confessou que sua língua está coçando.

No dia seguinte à sua libertação, o ex-presidente Lula discursa diante de simpatizantes em São Bernardo do Campo
No dia seguinte à sua libertação, o ex-presidente Lula discursa diante de simpatizantes em São Bernardo do Campo
Foto: DW / Deutsche Welle

Lula acusou o presidente Jair Bolsonaro, seu arqui-inimigo político, de proximidade com a máfia das milícias paramilitares. "Foi eleito para governar o povo brasileiro e não para os milicianos do Rio de Janeiro", declarou.

O ex-presidente também aproveitou para provocar todo o governo federal, com críticas específicas ao ministro da Justiça, Sergio Moro, que o condenou enquanto juiz federal, e ao ministro da Economia, Paulo Guedes.

"Quero dizer a eles: eu estou de volta!", disse Lula, que deixou a prisão um dia após o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubar a decisão que permitia o cumprimento de pena após condenação em segunda instância.

"Foi um discurso forte", avalia o cientista político Marco Aurélio Nogueira em entrevista à DW Brasil. "Lula chegou à conclusão de que ele não tem outra coisa a fazer, pelo menos nesses primeiros momentos, do que radicalizar o discurso, até para demarcar um território." Depois de um ano e meio de abstinência forçada, o petista precisa mostrar que realmente está de volta, diz o especialista.

De qualquer forma, o ex-líder sindical possui os pré-requisitos, afirma o cientista político Ricardo Ismael. "Lula tem uma liderança como ninguém na esquerda teria. Ainda mais porque Lula já foi presidente e deixou na memória de muita gente realizações que são muito valorizadas. Estava em aberto no Brasil um lugar para uma liderança fazer oposição a Bolsonaro. Até agora não tinha aparecido", diz Ismael.

Até agora, Bolsonaro manteve uma postura notavelmente retraída. No sábado, ele foi ao Twitter: "Amantes da liberdade e do bem, somos a maioria. Não podemos cometer erros. [...] Não dê munição ao canalha, que momentaneamente está livre, mas carregado de culpa", escreveu o presidente. Moro seguiu o mesmo tom, também no Twitter.

Bolsonaro e sua equipe podem, por ora, se dar ao luxo de aguardar, afirma Nogueira. "Eles vão avaliar qual será, de fato, o tom que Lula adotará: será com sangue nos olhos ou paz e amor? E como isso repercutirá no âmbito do PT e da esquerda? E a segunda avaliação seria encontrar um foco contra Lula."

Para Ismael, é certo que o ex-presidente deverá procurar a confrontação. "A estratégia de Lula é chamar Bolsonaro e Moro para a briga. Ele quer polemizar, ele quer um embate para ganhar mais espaço na mídia."

O presidente e seu ministro da Justiça, enquanto isso, ganham tempo, "pois ainda não se sabe qual será a estratégia eleitoral de Lula olhando para 2020", afirma o cientista político.

No próximo ano estão programadas eleições municipais em todo o Brasil - uma amos-tragem importante do ambiente político para o governo e a oposição. Ainda não está claro se a esquerda brasileira unirá suas forças contra Bolsonaro.

"Não dá para saber o que vem nas próximas semanas", diz Nogueira. Segundo ele, o próximo Congresso Nacional do PT, agendado para 22, 23 e 24 de novembro, deve definir a nova estratégia eleitoral do partido. "E isso vai ajudar a calibrar o discurso."

O PT ainda não sabe qual papel Lula poderá desempenhar nos próximos meses. A condenação no processo referente ao tríplex no Guarujá pode ser revista em alguns meses pelo STF.

Portanto, Lula ainda corre o risco de retornar à execução da pena num regime semiaberto, o que tornaria impossível uma intensa campanha eleitoral. E o ex-presidente já foi condenado num segundo processo, referente ao sítio de Atibaia, cujo recurso será julgado em 27 de novembro. Sem mencionar os outros sete processos que ainda o aguardam.

Além disso, Lula foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa, que ele próprio promulgou em 2010. De acordo com a legislação, políticos condenados em segunda instância não podem concorrer a cargos públicos por oito anos.

No entanto, especialistas creem ser bastante plausível que o STF anule em breve a sentença no processo referente ao triplex no Guarujá, aceitando o argumento da suspeição de Moro, que atuou como juiz do caso. Mensagens reveladas pelo site The Intercept Brasil apontam que Moro deu instruções ao procurador responsável pela denúncia criminal - um ato considerado ilegal.

No início de outubro, o STF ainda declarou inconstitucionais etapas referentes à delação premiada celebrada na Lei de Organizações Criminosas de 2013. Assim sendo, também poderia ser anulada a segunda condenação contra Lula.

Ambos os processos teriam que voltar à primeira instância - o que poderia dar a Lula tempo suficiente para planejar seu retorno político nas eleições presidenciais de 2022. E, caso as condenações sejam anuladas, o ex-presidente também não se enquadraria mais na Lei da Ficha Limpa e recuperaria seus direitos políticos.

Um cenário repleto de incertezas, que, por ora, limitam o papel de Lula, segundo Nogueira. "O grande resultado da circulação de Lula vai ser energizar o próprio PT. Mas ele vai liderar a oposição ao bolsonarismo? Acho que precisamos ter um pouco de cautela, porque o Lula também sofre muitas resistências, tanto na sociedade onde o antipetismo é uma vertente forte, como nas forças políticas, que não querem ceder, com facilidade, à liderança a Lula."

Nas eleições de 2018 já ficou claro que Lula não une mais a esquerda, mas causa a ela dores de cabeça coletivas. "Mesmo admitindo que Lula ainda tenha muito prestígio, nacionalmente, a imagem dele foi muito arranhada. Houve um desgaste muito grande", disse Ismael. "Mesmo que ele não precise retornar à cadeia, ele é um homem condenado."

Portanto, com as eleições de 2022 no horizonte, Lula tem que finalmente falar sobre seus próprios erros durante os mais de 13 anos de governo petista (2003-2016), segundo Ismael. "Lula agora tem que renovar o discurso, pois voltar sem falar de corrupção não dá. O PT e Lula perderam a bandeira do combate à corrupção, que tinham nos anos 90. Mas ainda não ficou claro qual será o novo discurso, visando 2022."

Já Nogueira afirmou não ter certeza se o povo brasileiro deseja uma reedição da polari-zação Lula-Bolsonaro - ou se os eleitores não vão procurar alternativas fora deste ringue de boxe.

"Vai polarizar entre petistas e bolsonaristas. Mas pode ser - uma postulação otimista da minha parte - que esta polarização se quebra um pouco, que não funcione mais como no ano passado. Podemos ter um cenário com três ou quatro polos se digladiando."

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