Como o Estado participa na exploração de petróleo em outros países?
A Câmara dos Deputados deve concluir nesta terça-feira a votação do projeto de lei que desobriga a Petrobras de participar de todos os consórcios de exploração dos campos do pré-sal.
A proposta quer mudar a legislação em vigor, que determina que a estatal tenha uma participação mínima de 30% nos consórcios desta área e seja a operadora destes campos de petróleo e gás - ou seja, a responsável por conduzir direta ou indiretamente a exploração e produção.
Aprovada pelo Senado em fevereiro, a nova regra desobriga a empresa de participar da totalidade dos consórcios licitados sob o regime de partilha de produção. A empresa poderá escolher quais campos tem interesse em explorar, e caberá à Presidência decidir quais são de fato as áreas estratégicas.
A estatal manterá a participação mínima de 30% nestes campos selecionados. Os restantes serão leiloados e explorados e operados pela empresa vencedora.
Na última quarta-feira, a Câmara aprovou o texto-base do projeto, de autoria do senador licenciado José Serra (PSDB-SP). Agora, votará sete emendas que alteram trechos da lei. Concluída a etapa, o projeto seguirá para sanção presidencial.
Ao longo de toda sua tramitação no Congresso, a mudança proposta gerou debates acalorados. Partidos de oposição ao governo Temer, que apoia a iniciativa, dizem que o projeto "entregará o pré-sal ao capital estrangeiro".
Por sua vez, seus defensores argumentam que estarão resguardados os campos mais lucrativos para a estatal, que terá assim maior flexibilidade de gerir investimentos em um momento em que está muito endividada.
Extremos
Mas como o Brasil se insere no contexto global dos modelos de exploração de petróleo? Qual é o peso de empresas estatais na atividade? E o que determina o papel assumido pelo Estado em diferentes países?
"A maioria dos governos dá algum tipo de privilégio para suas estatais. É raro, ainda que não inédito, um ambiente de exploração em que haja competição total com empresas privadas", diz Patrick Heller, diretor de programas jurídicos e econômicos do Natural Resource Governance Institute (NRGI), organização sem fins lucrativos dedicada a promover o gerenciamento eficaz e transparente de recursos mineiras.
No entanto, o pesquisador diz não conhecer um país que aplique um percentual mínimo de participação obrigatória para sua empresa estatal, como ocorre hoje com a Petrobras.
Entre os diferentes modelos adotados no mundo, Heller posiciona em um extremo a Arábia Saudita, o terceiro maior produtor de petróleo do mundo em 2015, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), organização intergovernamental com representantes de 29 países.
O Estado saudita detém o monopólio da exploração e só permite a participação de empresas estrangeiras como prestadoras de serviços contratados por sua estatal. Tudo o que é extraído e produzido pertence ao país.
No outro extremo, está o maior produtor global no ano passado, os Estados Unidos, onde não existe uma petrolífera estatal.
"Não existe um modelo ideal. A pergunta que um país tem de se fazer ao determinar sua política é como balancear riscos, porque a indústria de petróleo é muito arriscada: os projetos mais falham do que têm sucesso", afirma Heller.
Fabiano Mezamadre, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), acrescenta que, além dos riscos da exploração, o "potencial de rendimento determina a maior ou menor presença dos governos."
"Em países do Oriente Médio, onde a rentabilidade é alta e o risco é baixo, o Estado resolve fazer tudo diretamente. Nos Estados Unidos, Reino Unido e Noruega, onde o risco é alto, se compartilha isso com empresas privadas por meio de concessão, que, em troca, pagam tributos, como royalties, participações especiais e bônus de assinatura", afirma Mezamadre.
Monopólio, concessão e partilha
Ao longo das últimas duas décadas, o Brasil transitou de uma ponta a outra deste espectro.
A Petrobras detinha o monopólio da exploração até o final dos anos 1990, um regime que, por exemplo, se manteve no México até 2013 - no ano seguinte, uma reforma constitucional abriu a indústria mexicana para investimentos privados.
Em 1997, foi instituído o modelo de concessão, em que o governo brasileiro entrega a empresas privadas o direito de explorar determinadas áreas por um prazo determinado.
O país passou a ter um regime misto a partir de 2009, quando foi aplicado o modelo de partilha aos campos do pré-sal. Nele, o Estado continua a ser o "dono" do petróleo e cabe às empresas contratadas a exploração e extração, dando uma parte da produção ao governo.
Esse modelo é usado quando o risco de exploração é baixo, mas é necessário fazer um grande investimento para explorar, como é o caso do pré-sal.
Nestes campos, localizados a grandes profundidades, o acesso às reservas é difícil e custoso, mas o índice de sucesso dos primeiros campos perfurados girou entre 80% e 90%, diante de uma taxa de 10 a 20% na indústria global, explica Ricardo Leães, pesquisador especializado em Relações Internacionais da Fundação de Economia e Estatística (FEE), instituto de pesquisa ligado ao governo do Rio Grande do Sul.
"O mais comum é se adotar modelos diferentes de acordo com circunstâncias diferentes. A maior parte dos países se vale da concessão, que tende a predominar em países desenvolvidos e na maior parte dos sul-americanos", afirma Leães.
"O modelo de partilha é mais comum em países africanos, na China e na Índia. A Rússia usa um modelo misto, como o Brasil."
'Decisão política'
O pesquisador da FEE ressalta que os dois países nos extremos desse grau de participação do Estado, Arábia Saudita e Estados Unidos, têm características próprias que impedem sua comparação ou replicação mundo afora.
Leães avalia que seria "desonesto" comparar o Brasil com a Arábia Saudita, que tem "reservas absurdas com um risco muito baixo".
"Há tanto petróleo que as empresas aceitam serem só prestadoras de serviço, algo que é menos lucrativo, porque ainda assim elas faturam muito", afirma.
A situação americana também é especial, explica o pesquisador, porque a lei do país determina que o petróleo não pertence ao Estado, como no Brasil, mas a quem o encontrar.
"As primeiras descobertas se deram na década de 1860. Quando o petróleo vira um item de segurança nacional, em meados do século passado, já havia grandes empresas privadas nacionais fortes, que podiam garantir os interesses do país."
Leães esclarece que a decisão sobre o papel do Estado na exploração do petróleo tem um caráter "político" e se dá de acordo com as diferentes circunstâncias de um país. Ele cita o exemplo da Noruega.
"Quando se descobriu petróleo, era um país relativamente pobre, mas com instituições consolidadas. Houve uma grande discussão sobre o que fazer, e foi criada uma estatal e um fundo soberano para administrar os recursos obtidos com a atividade", afirma.
Mas a maioria dos países está em estágio de desenvolvimento anterior, em guerra civil ou sob regime ditatorial quando se descobre o petróleo em seus territórios, diz o pesquisador.
"A princípio, se permite muito investimento externo, mas as pessoas passam a ter a sensação de que estão sendo exploradas. Há, então, um rompimento completo e se vai de um extremo a outro, como no Brasil, mas isso vai mudando com o tempo."
Custos x benefícios
Inicialmente, o modelo de partilha foi escolhido para o pré-sal porque ele dá maior poder de fiscalização ao Estado sobre os custos de operação, já que o lucro da exploração é o que é partilhado. O modelo também daria à Petrobras a possibilidade de desenvolver os fornecedores locais para esta indústria, avalia Mezamadre, do Ipea.
Ao mesmo tempo, o especialista aponta que este argumento suscita controvérsias. "Você pode até dizer que a Petrobras é quem melhor faria esse desenvolvimento. Mas a Operação Lava Jato evidencia os problemas disso", argumenta ele, fazendo referência à corrupção nos contratos de licitação.
"Além disso, o modelo de partilha, como está, engessa demais a Petrobras e não garante que ela conseguirá desenvolver fornecedores locais. O custo sobre a empresa é maior do que benefício para o país."
Por sua vez, Leães acredita que a mudança nas regras de exploração do pré-sal podem ser positivas no curto prazo, mas tem ressalvas quanto aos efeitos da medida daqui a alguns anos.
"Agora, isso alivia a situação da empresa e permite aumentar o volume de investimentos em petróleo no país, porque ela está muito endividada e sem capacidade de investir", afirma o pesquisador.
"Mas, no longo prazo, isso pode diminuir a fatia da estatal no pré-sal e, quando o preço do barril subir - tornando esses investimentos mais vantajosos - e a empresa se recuperar, ela já terá aberto mão de uma participação nestes campos e isso pode comprometer uma política nacional para esta indústria."