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Como o segundo ano sem Carnaval deve impactar a economia brasileira

Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o setor de serviços deve deixar de lucrar algo em torno de R$ 3 bilhões.

26 fev 2022 - 12h47
(atualizado às 13h19)
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Bloco Boitolo desfila no Rio de Janeiro antes da pandemia. Carnaval de rua foi cancelado nas principais capitais do Brasil
Bloco Boitolo desfila no Rio de Janeiro antes da pandemia. Carnaval de rua foi cancelado nas principais capitais do Brasil
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

O cancelamento pelo segundo ano seguido das festas de Carnaval por conta da pandemia de covid-19 deve trazer impactos intensos para a economia do Brasil, em especial para os setores de eventos e turismo.

Das 27 capitais brasileiras, 24 mais o Distrito Federal anunciaram oficialmente que a folia deste ano foi suspensa ou adiada, impondo proibições a blocos de rua e um limite máximo de lotação para eventos fechados. São Paulo e Rio de Janeiro remarcaram os desfiles das escolas de samba para o feriado de Tiradentes.

Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), tudo isso fará com que o setor de serviços deixe de lucrar algo em torno de R$ 3 bilhões.

A estimativa faz parte de um estudo comandado pela organização todos os anos antes do Carnaval.

Em valores absolutos, a CNC prevê que evento de 2022 terá um faturamento próximo aos R$ 6,45 bilhões.

Antes da crise sanitária, a folia costumava movimentar, em média, R$ 9,5 bilhões em receitas.

Apesar do volume de faturamento previsto para este ano ser 21,5% maior do que o registrado em 2021, quando as celebrações também foram suspensas e o setor de serviços não lucrou, ainda está 33,7% inferior ao observado no Carnaval de 2020, realizado antes da pandemia ser decretada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

"O Carnaval brasileiro ainda tem muito o que recuperar nos próximos anos para voltar ao nível de dois anos atrás", prevê o economista da CNC responsável pela pesquisa, Fabio Bentes.

"Se não sofrermos nenhum outro grande golpe no futuro próximo, acredito que os R$ 7 bilhões em receita perdidos que estimamos que serão perdidos entre 2021 e 2022 possam ser recuperados em cerca de três anos", diz.

Impactos em todo o país

Segundo Bentes, os Estados que mais serão afetados após dois anos sem folia são aqueles que recebem mais visitantes por conta do Carnaval, como Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Pernambuco.

Na Bahia, onde ocorre um dos maiores Carnavais do país, deixou-se de arrecadar R$ 1,7 bilhão em 2021 e mais de 60 mil pessoas ficaram sem opção de trabalho. O rombo deve ser ampliado ainda mais no segundo ano seguido.

Desfile da Escola de Samba Imperatriz Leopoldina em 2008
Desfile da Escola de Samba Imperatriz Leopoldina em 2008
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Já a economia do Rio de Janeiro deixou de movimentar algo em torno de R$ 5,5 bilhões em 2021, segundo o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV IBRE). O valor equivale a 1,4% do PIB carioca.

Em 2022, a expectativa é que o faturamento ainda seja 20% menor do que o de 2020, quando a festa movimentou R$ 4 bilhões na economia do Estado.

Em São Paulo, o último Carnaval movimentou cerca de R$ 3 bilhões, ou 2% do PIB paulista.

Menos festas e menos viagens

Segundo a Associação Brasileira de Eventos (Abrape), aproximadamente 50 mil eventos relacionados à folia não foram e não serão realizados no Carnaval (antes, durante e depois).

Para efeitos de comparação, em 2019, foram realizados 90 mil eventos. No Nordeste, por exemplo, o prejuízo no setor será de 8,1 bilhões de reais que deixarão de circular só nos dias de festa.

"Não são somente os carnavais de rua de Salvador ou Recife que estão deixando de acontecer ou os desfiles em São Paulo e Rio de Janeiro que foram adiados - festas em todo o país foram canceladas, ao mesmo tempo em que muitas pessoas estão deixando de viajar", diz Doreni Caramori Júnior, presidente da Abrape. "A cadeira inteira do setor de eventos e turismo está sendo abalada".

Empresas áreas e do setor de hotelaria também devem lucrar menos. A expectativa da CNC é que o segmento de serviços de hospedagem em hotéis e pousada movimente cerca de R$ 660 milhões no feriado, quando no mesmo período de 2020 a previsão era de R$ 860 milhões.

Ainda assim, o setor de turismo espera recuperar parte dos prejuízos de 2021. Em cidades como Salvador e Rio de Janeiro a ocupação hoteleira está acima dos 80%, mesmo sem a presença das festas na rua.

Entre empresários do setor de bares e restaurantes também há uma sensação de otimismo. "Bares e restaurantes estão otimistas com o feriado e a expectativa de faturamento varia de 20 a 30% em cidades litorâneas", diz Paulo Solmucci, presidente-executivo da Abrasel.

Trio elétrico do empresário Mazinho Twister em Carnaval pré-pandemia no interior de São Paulo
Trio elétrico do empresário Mazinho Twister em Carnaval pré-pandemia no interior de São Paulo
Foto: Arquivo pessoal / BBC News Brasil

De acordo com o levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, o segmento de alimentação fora do domicílio, representado por bares e restaurantes, deve movimentar algo em torno de R$ 2,78 bilhões nos quatro dias do feriado. Há dois anos atrás a previsão era de R$ 4,8 bilhões.

Segundo Solmucci, os consumidores já estão se sentindo mais seguros para frequentar bares e restaurantes. Muitas pessoas que nos anos pré-pandemia costumavam acompanhar blocos de Carnaval ou iam a festas também devem trocar essas atividades por saídas com a família e amigos para locais mais calmos.

"Entretanto, cidades como Belo Horizonte, que não terão a festa na rua, a expectativa de faturamento do setor tende a ser reduzida devido ao menor número de turistas presentes na capital mineira", diz ele.

Sem festa, sem trabalho

Mas segundo Fabio Bentes, não há dúvidas de que os trabalhadores, formais e informais, serão muito impactados pelo segundo ano sem Carnaval.

Um bloco na rua, por exemplo, movimenta uma cadeia de trabalhadores que vai desde locadores e montadores de trios elétricos a vendedores ambulantes e catadores de materiais recicláveis.

Só em São Paulo, por exemplo, foram abertas 12 mil vagas temporárias para vendedores ambulantes de bebidas em 2020. Com o cancelamento dos blocos e o adiamento do desfile na cidade, não há qualquer garantia de lucro com a folia para essas pessoas.

E não são apenas os vendedores que sentem o impacto das ruas vazias durante o Carnaval. Segundo o presidente da Associação Nacional dos Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (Ancat), Roberto Rocha, a folia é a época do ano mais importante para os catadores.

"O período das festas sempre foi uma excelente oportunidade de renda extra. E esse 'plus' está fazendo uma baita diferença na vida de muitas famílias", diz. "No ano de 2020, fizemos uma parceria com o setor de bebidas e alimentos e, além do valor recebido nas cooperativas pelo material coletado, os trabalhadores ainda ganharam pelo serviço de limpeza".

Segundo Rocha, os lucros obtidos pelos catadores durante o Carnaval chegavam a representar até 30% de toda a renda mensal.

Apesar das iniciativas de algumas empresas privadas para distribuição de auxílio para catadores e ambulantes, boa parte dos ganhos previstos para esta época do ano deixarão de fazer parte da receita familiar desses brasileiros.

'Famílias sofrendo e precisando de ajuda'

Mazinho Twister, como é conhecido Francisco Aparecido de Alencar, de 47 anos, é dono de uma empresa que fabrica e loca trios elétricos. Todos os anos durante o Carnaval, ele costuma alugar seus veículos para até 30 eventos realizados por todo o Estado de São Paulo.

Em 2022, Mazinho está com todos os seus 14 trios elétricos parados na garagem. "Meu lucro foi há zero nos últimos dois anos. Eu tinha 22 funcionários e suspendi todos, com exceção de um rapaz que cuida da garagem e ajuda na conservação dos trios", conta o empresário, que mora em Campinas.

"A maioria das pessoas dispensadas estão vivendo atualmente apenas do auxílio do governo", diz.

Mazinho lamenta ainda a situação de muitos de seus colegas de ramo, que foram obrigados a vender seus trios diante da falta de trabalho. "Eu por enquanto estou resistindo, mas estou com o aluguel da garagem onde guardo os veículos atrasado e 90.000 reais de dívida no banco", conta.

O anseio por sair às ruas é compartilhado por Luiz Adolpho, presidente do clube do Homem da Meia-Noite, um dos mais tradicionais e famosos blocos de Olinda. "Tenho 57 anos e antes da pandemia não me lembro de um Carnaval em que não brinquei na rua", conta.

O bloco de 90 anos de história não desfila há dois anos e tomou a decisão de também não participar de eventos fechados. Mantém contato com o público apenas por meio de clipes lançados pelas redes sociais e visitações à sua sede, com obrigatoriedade de máscara e apresentação de um comprovante de vacinação.

Segundo Adolpho, o Homem da Meia-Noite emprega uma média de 450 a 600 pessoas todos os anos, entre músicos, operadores de som, seguranças e montadores. "Infelizmente não conseguimos manter todos os funcionários desde o início da pandemia. Fizemos arrecadação de cestas básicas para ajudar os mais necessitados, mas não é possível atender a todos que foram prejudicados pelo cancelamento dos blocos em Olinda e Recife", lamenta o pernambucano.

"Na verdade, há uma grande necessidade de acolhimento das pessoas que ficaram sem renda por conta de todos os eventos de Carnaval que não acontecerão em todo o Brasil. Recebemos relatos de muitas famílias sofrendo e precisando de ajuda".

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