Como Pablo Marçal — e até a cadeirada — viraram estratégia de campanha para candidatos fora de SP
BBC News Brasil identificou mais de 3 mil posts pagos que citam o nome do candidato durante campanha; já Bolsonaro aparece em cerca de 26 mil
"Brenão é irmão, anda com a gente, é de confiança, pode colocar ele nessa cadeira, ele é candidato vereador e vai mudar essa cidade".
A fala é de Pablo Marçal, candidato a prefeito de São Paulo, em vídeo gravado para as redes sociais de Breno Ferreira, candidato a vereador em Curitiba pelo PL.
Em seu Instagram, Ferreira se vangloria por ser o "único candidato de Pablo Marçal" e até acusa adversários de fingirem ser "candidatos do Pablo" sem ter, de fato, tal apoio.
Os "únicos candidatos" de Pablo Marçal têm surgido em várias cidades pelo Brasil nas eleições deste ano.
Embora concorra por uma vaga na cidade de São Paulo, Marçal virou uma espécie de cabo eleitoral para campanhas de digitais dos candidatos, dentro e fora de São Paulo.
Em alguns casos, ele aparece em vídeos gravados por ele mesmo. Em outros, citado como uma referência ou apenas mencionado em hashtags como #pablomarcal, com o objetivo de surfar no engajamento de suas redes sociais - ele tem mais de 5,5 milhões de seguidores só no Instagram. Há até mesmo candidatos que usaram o episódio da cadeirada dada em Marçal pelo candidato José Luiz Datena, do PSDB, durante um debate na TV Cultura, para criar conteúdo em suas páginas.
A BBC News Brasil encontrou cerca de 3 mil publicações com impulsionamento pago e registradas como de teor político, no Facebook e no Instagram, que citam "Pablo Marçal", incluindo candidatos filiados ao PL, sigla do ex-presidente da República Jair Bolsonaro.
Foi considerado somente o período de propaganda eleitoral, a partir de 16 de agosto. Os dados foram coletados no dia 3 de outubro.
O número ainda fica longe do total de menções ao nome do ex-presidente. Pelos mesmos critérios, a reportagem identificou cerca de 26 mil anúncios pagos que citam o termo "Bolsonaro" - nove vezes o alcançado por Marçal.
Para a especialista em marketing político da ESPM Natália Mendonça, essas menções estão mais ligadas ao fato que de Marçal se tornou o grande assunto dessas eleições neste momento, e não necessariamente uma conexão ideológica entre candidatos.
"Candidatos tentam surfar em ondas de assunto na internet para chamar a atenção. Quando encontram alguém com muita visibilidade orgânica na rede, imaginam que isso também vai trazer atenção para eles. Isso é acreditar no mito de que ter likes traz voto. Muitas vezes o candidato fica muito feliz porque teve 10, 20 mil visualizações, mas isso não necessariamente traz resultado prático para uma eleição."
A especialista afirma que esse tipo de estratégia pode até colar com alguns candidatos a vereador, mas não para o de prefeito, que exige ter mais de 50% dos votos válidos.
"Em campanhas proporcionais, (para o Legislativo) usa-se desses artifícios para chamar atenção. Hoje é Marçal, mas já foi Tiririca, Frota, cada hora um tipo de polêmica diferente. Para o eleitor, o voto para a prefeitura é mais pragmático e tem mais a ver com os problemas que a pessoa vive, no dia a dia."
'Faz o M' vira slogan adaptado
Thiago Navarro, candidato a vereador pelo PP em Indaiatuba, copiou em sua campanha o bordão de Marçal, "faz o M", adaptando-o para o "FAZ o N", frase incorporada até em seu jingle.
Ele patrocinou o impulsionamento de um vídeo com a candidata a vice de Marçal, a policial militar Antônia de Jesus, do PRTB, em um ato político de rua. "Qual é a sua cidade?", pergunta ela. Ele responde que é "Indaiatuba" e ela segue: "alô, Indaiatuba, aqui eu faço M, aí faça o N de Navarro".
Com o mesmo slogan de "Faz o N", Sargento Nantes, candidato a vereador em SP pelo PP, partido que apoia a reeleição do prefeito Ricardo Nunes na cidade, também publicou vídeos junto de Marçal e até fixou em sua página no Instagram um post em que pede votos para Marçal.
A situação do candidato com o partido não é unica: Rubinho Nunes, do União Brasil, e Joice Hasselmann, do Podemos, são outros exemplos que declararam apoio a Marçal, diferentemente de suas siglas.
O próprio Marçal, ao perceber esse movimento, publicou um vídeo em que prometeu gravar apoio a candidatos a vereador em todo o país caso fizessem uma doação de R$ 5 mil para a sua campanha à Prefeitura de São Paulo.
Ao todo, o candidato já recebeu mais de R$ 6 milhões em doações até o momento - ao menos 24 delas no valor exato de R$ 5 mil, mas não é possível afirmar se alguma tem relação com gravação de vídeos de apoios.
"Quero te fazer uma pergunta: você conhece alguém que quer ser vereador e é candidato, que não seja de esquerda, tá? De esquerda não precisa avisar. Se essa pessoa é do bem e quer um vídeo meu para ajudar a impulsionar a campanha dela, você vai mandar esse vídeo e falar 'mano, olha que oportunidade'. Essa pessoa vai fazer o quê? Ela vai mandar um um pix pra minha campanha, de doação. Pix de R$ 5 mil. Fez essa doação, eu mando o vídeo", disse.
Apoio à distância e cadeirada
"Fala, Barra Velha! Aqui é o Marçal. Eu quero dedicar esse vídeo sabe pra quem? Pro Bismark, alguém que lutou pelo país, alguém que vai dirigir essa cidade junto com vocês, vai ser um servo desse povo", disse Marçal num vídeo publicado e patrocinado pelo Partido Democracia Cristã no Facebook.
Ele se referia ao influenciador Bismark Fabio Fugazza, candidato a prefeito de Barra Velha (SC), que chegou a ser preso pela Polícia Federal em 2023, alvo da Operação Lesa Pátria, que investigou atos golpistas realizados por apoiadores do ex-presidente Bolsonaro.
Marçal também gravou um vídeo em apoio a Chico Mendes, do União Brasil, que é candidato à Prefeitura de Diamantino (MT).
Ele é irmão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, e tem aparecido como líder nas pesquisas de voto. Mendes também é apoiado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que chegou a comer um pastel com o candidato na cidade.
Rogério Filho, candidato a vereador em Betim (MG) pelo Novo, diz em uma publicação que viajou para apoiar e aprender com Marçal.
"Acabei de voltar de São Paulo, onde fui apoiar a candidatura de Pablo Marçal, um líder que, assim como eu, defende pilares importantes como família, empregabilidade, inovação e tecnologia".
Para o candidato, o objetivo seria "trazer para Betim práticas de sucesso que estão sendo aplicadas em São Paulo."
Até mesmo a cadeirada dada em Marçal pelo candidato José Luiz Datena, do PSDB, durante um debate na TV Cultura, virou personagem de campanhas patrocinadas.
"Não sou o Pablo Marçal, mas quero uma cadeira na Câmara de Biguaçu", diz a candidata Aline Coutinho, de Biguaçu, em Santa Catarina, em uma postagem com um vídeo que satiriza a cena da agressão.
'Mais rápido que cadeirada'
Outro que fez menção ao episódio em propaganda eleitoral foi o candidato do Novo Felipe Keizo, de Florianópolis.
"Cheguei mais rápido que cadeirada do Datena no Marçal", diz ele em um vídeo em que aparece "caindo do céu".
"Assim como um meteoro, vim para o debate para colocar as ideias da esquerda em extinção." A estratégia foi repetida por pelo mais de dez candidatos.
Para o professor de análise política e opinião pública da Fespsp Hilton Cesario Fernandes, não se pode falar em um ideário ligado a Marçal que una esses candidatos.
"Pode ser que surja uma força política depois disso tudo, mas tudo pode se dissipar também. Hoje há muita concentração na imagem do próprio Marçal, mas não existe uma proposta política, um grupo político. O que há é um grupo de oportunistas eleitorais, candidatos que se aproveitam da visibilidade que Marçal conquistou."
Fernandes, que também é sócio de uma empresa de consultoria política, a APPC, que realiza pesquisa para candidatos a prefeito em diversas cidades, já vinha observando que eleitores citam Marçal mesmo fora da capital.
"As notícias [sobre Marçal] chegaram para diversos eleitores, do Brasil inteiro. Claro que os candidatos perceberam essas influência e visibilidade e tentam colar nele."
Ele lembra que essa estratégia já foi usada em diversas outras ocasiões e cita, como exemplo, o ex-deputado federal Enéas Carneiro, imitado por diversos candidatos.
"Esse fenômeno de colarem em nomes mais populares, que puxam voto, tem a ver quase que exclusivamente com isso: conseguir mais votos. São poucos os que realmente representam um ideal ou uma proposta."