Como prisão de Queiroz e queda de Weintraub podem afetar Bolsonaro
Para analistas, pisão de Fabrício Queiroz na casa de advogado de Flávio e Jair Bolsonaro e saída do ministro da Educação Abraham Weintraub desgastam poder de negociação no Congresso, mas têm pouco impacto sobre base bolsonarista.
De manhã, Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), foi preso preventivamente na casa de um advogado da família Bolsonaro. Queiroz é investigado no âmbito das suspeitas de que haveria um esquema de "rachadinha" (quando parte do salário de assessores é devolvido ao parlamentar) no gabinete de Flávio quando este era deputado estadual no Rio de Janeiro.
À tarde, um dos ministros mais beligerantes do governo, Abraham Weintraub, deixou o Ministério da Educação (MEC) cerca de um ano e dois meses após tomar posse. Parte da chamada "ala ideológica" do governo, Weintraub sempre foi alvo de críticas de grupos e técnicos ligados à educação, mas seu desgaste se intensificou nos últimos meses, por conta de críticas consideradas racistas feitas à China e pelas palavras contra os ministros do STF em uma reunião ministerial em Abril.
"Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF", disse ele no encontro, gravado em vídeo.
Mas quais as consequências desses episódios e o quanto eles podem afetar a sobrevivência política do presidente?
De acordo com cientistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil, a prisão de Queiroz é um episódio negativo para o governo do presidente Jair Bolsonaro, mas que sozinho não é capaz de gerar o derretimento da base bolsonarista.
No entanto, em conjunto com outros desgastes recentes, incluindo episódios envolvendo Weintraub, a situação pode tornar mais custosa a manutenção do governo — que depende em grande parte de acordos com a ala do Congresso conhecida como "centrão".
O presidente também terá dificuldade em se distanciar do escândalo de Queiroz diante da opinião pública, avaliam, já que Queiroz foi preso na casa de um dos advogados de Jair e Flávio, Frederick Wassef, que esteve em pelo menos duas posses do alto escalão do governo nos últimos meses.
Entenda as principais implicações políticas para o governo dos episódios desta quinta-feira.
Difícil de se 'descolar' do escândalo de Queiroz
O fato de os filhos do presidente terem uma participação muito ativa no governo, diz o cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, da UERJ, dificulta qualquer tentativa de Bolsonaro de se afastar do caso da prisão de Queiroz.
"Se fosse uma outra situação, em que a família não tivesse tanta centralidade no governo, o presidente poderia tentar limitar o quanto isso o atinge politicamente. Mas as ligações são muito próximas, dificilmente essa crise vai ser isolada na figura do Flávio", afirma o cientista político, que é coordenador do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas sobre a Democracia (Cebrad).
Para Creomar de Souza, CEO da consultoria de risco político Dharma, mesmo lembrando do princípio da presunção de inocência — ou seja, de que ninguém é culpado até que seja condenado na Justiça — politicamente o estrago é grande.
"Tem uma frase de que 'à mulher de César não basta ser honesta, ela precisa parecer honesta'. Bolsonaro terá que construir explicações muito convincentes para impedir que a base de apoio derreta", afirma Souza, "já que um dos elementos de força que levou Bolsonaro à presidência foi a ideia de que ele não seria corrupto, não criaria novos tipos de vexames relacionados à corrupção."
A aproximação da ideia de corrupção ligada à família é um dos fatores, opina Rafael Cortez, da consultoria Tendências. Mas um ponto que pode gerar ainda mais desgaste é a própria atitude do presidente diante de suspeitas envolvendo sua família.
"Uma das observações que podemos fazer do vídeo da reunião com os ministros (divulgado no início do mês) foi a da sensibilidade do presidente em relação à sua família", diz Cortez, que chama essa centralidade dos filhos do presidente dentro do governo de "monarquização".
"A prisão do Queiroz reforça essa situação de 'monarquização' da administração, ou seja, que de problemas relacionados à família acabam se colocando dentro do planalto", afirma Cortez.
Segundo o analista, o padrão de resposta do presidente em relação a eventos que envolvam sua família quase sempre vem "gerando constrangimentos para seu governo como um todo".
Ele cita episódios como a saída do ex-ministro Sérgio Moro e sua acusação de que o presidente teria interferido na Polícia Federal. "A saída do ministro que mais dava um lastro de legitimidade ao governo foi, supostamente, resultado de interferência do presidente por causa de uma investigação contra o seu filho", diz Cortez.
"As declarações mais enfáticas do presidente quanto ao Supremo também vêm quando o órgão autoriza processos e investigações que podem atingir sua família."
Weintraub e a crise institucional
Segundo Creomar de Souza, o governo foi confrontado por dois problemas nessa semana: um foi a dificuldade de se desconectar do caso Queiroz e outro, a crise gerada pelas atitudes de Weintraub.
"Dois problemas, um mais difícil e outro mais fácil. O governo decidiu já resolver o mais fácil, que era a saída do Weintraub", opina Souza. "A situação do ministro estava muito difícil de ser sustentada, ele estava envolvido em muitos atritos."
Para Rafael Cortez, o ex-ministro da Educação expôs, com suas falas sobre o STF, um posicionamento que reforçou uma tensão político institucional grave para o governo.
"Deu materialidade a esse movimento que a gente assiste de ameaças de ruptura com o sistema democrático, reforçou esse risco institucional", afirma Cortez.
"Foi mais uma questão de sinalizar um ajuste, de tentar contornar essa crise. Mas não creio que sua substituição vá gerar um redesenho da política no ministério.
Como os episódios afetam base de apoiadores
Apesar da crise institucional gerada por suas falas contra o STF, explicam os cientistas políticos, Weintraub tinha uma importância política forte com a base bolsonarista.
"Weintraub sempre teve uma importância na mobilização e no imaginário bolsonarista de ser uma oposição à esquerda. Representa menos uma agenda de política pública e mais esse fator simbólico", diz Cortez.
Segundo ele, o ministro representava valores fundamentais na construção do projeto político bolsonarista.
"Um dos pilares é essa questão da educação, de restauração de 'valores' tradicionais que ele via como tendo sido corrompidos — é toda a agenda bolsonarista de falar de doutrinação cultural, da suposta ideologia de gênero, etc".
"É uma figura que o presidente precisava tirar do ministério, mas que, por causa de sua base, não dava para simplesmente escantear. Então encontraram essa solução, de indicá-lo para um cargo no Banco Mundial, ele 'cai para cima'", explica Souza, da Dharma.
Enquanto a indicação de Weintraub para um cargo no Banco Mundial é uma tentativa de desescalar a crise institucional sem desagradar a base mais ideológica do governo, a situação envolvendo Queiroz pode afetar a base de apoio mais ampla, dizem os analistas.
Para Monteiro, da Uerj, o presidente tem um "núcleo fiel de extrema-direita que em hipótese alguma vai perder a confiança no líder", mas esse núcleo não compõe toda a fatia da população que atualmente aprova o governo — cerca de 33%, segundo pesquisa Datafolha de 25 e 26 de maio.
"Esse núcleo mais duro, menor que os 30%, vai seguir com ele até o final. Mito você não contesta, você aceita", diz Monteiro, em referência ao apelido dado ao presidente por seus seguidores.
Mas, segundo o cientista político, entre o grupo que aprova o governo, ainda há mais espaço de "derretimento" entre as pessoas que não compõem o público mais fiel de bolsonaristas.
E é esse público que escândalos como a prisão de Queiroz na casa de um advogado da família têm o potencial de atingir.
"Qual a porcentagem do eleitorado que é fiel a todo custo? A gente só vai saber mesmo por pesquisa de opinião, protestos", opina o cientista político Sergio Praça, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
"O que parece mais claro é que apesar da frente ampla não estar consolidada, já existe uma diferença na oposição hoje: ela está mais organizada, com argumentos melhores, mais forte diante das sucessivas complicações do presidente."
Para Cortez, um derretimento maior do que o já observado até hoje no apoio ao governo depende também de novos desdobramentos do caso Queiroz.
"O presidente tem garantido até aqui os 30% de apoio, mas ninguém garante que vai se sustentar à medida que novas provas aparecem que tornem insustentável essa ideia que ele está jogando, esse discurso de que é tudo uma grande conspiração contra o presidente da República", afirma Cortez.
Custo no Congresso fica mais caro
Uma questão importante envolvendo os dois episódios de ontem é se o desgaste se encaminha para um momento em que o governo se torne insustentável e possa sofrer um impeachment.
Sérgio Praça, da FGV, acredita que a comemoração da oposição com a prisão de Queiroz, no sentido de que isso poderia levar à queda do presidente, "é precipitada".
"Acho prematuro, porque, apesar do desgaste, a chance do Queiroz falar é zero", opina Praça. "No caso da operação Lava Jato, o primeiro que delatasse (o presidente Lula) tinha muito a ganhar (em termos de benefícios na pena). No caso Queiroz, quem pode delatar além dele? Ele não tem nada a ganhar, tem muito a perder."
"O único elemento que parece que pode levá-lo a falar é a prisão da mulher dele", diz, em referência à Márcia Aguiar, atualmente considerada foragida da Justiça.
Para Cortez, tanto o desgaste gerado por Weintraub antes da queda quanto a prisão de Queiroz não são motivos para uma ruptura com o Congresso.
O que os cientistas políticos apontam é que o acúmulo de desgastes vai tornando cada vez mais "caros" e custosos para o governo os acordos sendo feitos com o centrão para manter maioria no Congresso.
"Não me parece que a prisão de Queiroz aumenta a disposição no curto prazo de um impeachment, mas vai enfraquecendo o governo nessa barganha, aumento o custo de defesa", diz Cortez.
Um fator essencial para medir esse equilíbrio de poder de barganha entre Executivo e Legislativo, segundo Creomar de Souza, da Dharma, é quem vai ocupar o cargo deixado vago pela saída do ministro da Educação.
"É uma pergunta fundamental: se vai ser um olavista (seguidor de Olavo de Carvalho, um dos mentores da direita bolsonarista, baseado nos Estados Unidos) ou se vai ser alguém do centrão", diz o analista político.
"A solução de mandar o Weintraub para o Banco Mundial é porque o governo não queria passar um sinal muito claro de que está cedendo. Se fosse em outro momento, em que o governo tivesse mais força, creio que segurariam ele por mais tempo", diz Souza. "Mas em um dia que o governo já amanhece com uma bomba (da prisão do ex-assessor), demitir o Weintraub foi o problema fácil de se resolver."
No longo prazo, dizem os analistas, a sobrevivência do governo depende tanto de sua capacidade e disponibilidade de pagar o preço dos acordos com o centrão quanto do desejo dos deputados de sustentarem o governo.
"A medida que se vê que o governo não tem mais perspectiva, eles começam a pular do barco. A gente viu isso no final do governo Dilma, que tinha maioria até 15 dias antes do impeachment", diz Monteiro, da Uerj.
"Os deputados vão avaliar isso e, se acharam que o governo está numa rota de declínio, vão tornar o apoio ainda mais caro."
Para Cortez, o grande perigo dessa situação de instabilidade do governo é que gera uma paralisação das discussões e políticas públicas necessárias ao país — tanto para recuperar a economia quanto para combater a pandemia de covid-19.
"O risco da interrupção do mandato passa a ser o principal fator levado em consideração nas decisões do governo", diz ele. "Isso limita as discussões sobre a política econômica, sobre o enfrentamento na pandemia."
A própria relação com o centrão, me parece um resultado desse processo seja no número de postos ocupados, como barganha em conflito com demais poderes.
Para Sergio Praça, o governo Bolsonaro se encontra numa situação delicada em que precisa agradar muitos grupos diferentes — militares, religioso, olavistas. "Outros governos não tinham essa dependência. Agora mais do que nunca o governo Bolsonaro está com uma situação de sobrevivência política."