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Como União Europeia e Mercosul intensificam negociações para fechar acordo dias antes da posse de Milei

Reuniões no fim de semana e proposta de encontro às margens da COP28 fazem parte de esforço de chegar a consenso para ser anunciado na reunião do Mercosul no Rio, em 7 de dezembro; pacto ainda tem de ser aprovado por Parlamentos.

27 nov 2023 - 06h00
(atualizado às 07h14)
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Governos do Brasil e da Espanha disseram buscar acerto entre UE e Mercosul.
Governos do Brasil e da Espanha disseram buscar acerto entre UE e Mercosul.
Foto: RICARDO STUCKERT/PR / BBC News Brasil

Reuniões virtuais e presenciais aos fins de semana com horas de duração, idas e vindas de delegações europeias a Brasília e a perspectiva de decidir apenas aos "45 minutos do segundo tempo" o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia.

É assim que diplomatas dos dois blocos vêm intensificando as negociações para que o pacto seja finalizado antes da posse do novo presidente argentino, Javier Milei, no dia 10 de dezembro.

Três fontes diplomáticas brasileiras e um membro da equipe econômica ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que, nos últimos dias, as negociações avançaram, mas que o principal entrave à conclusão do acordo ainda persiste: as exigências ambientais feitas pelos europeus.

Os diplomatas e um membro da equipe econômica do governo avaliam, no entanto, que a vitória do economista libertário Javier Milei nas eleições argentinas deu um impulso a mais no ímpeto dos negociadores para superarem os impasses e finalizarem o acordo antes de o argentino assumir o poder.

A expectativa é que a conclusão do acordo possa ser anunciada até o dia 7, quando será realizada a cúpula de chefes de Estado do Mercosul, no Rio de Janeiro. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e os atuais líderes de Paraguai, Uruguai e Argentina também deverão participar.

Vitória de Javier Milei na Argentina impulsionou negociações por conclusão do acordo UE-Mercosul
Vitória de Javier Milei na Argentina impulsionou negociações por conclusão do acordo UE-Mercosul
Foto: Reuters / BBC News Brasil

A análise entre os brasileiros, dada em caráter reservado, é que a vitória de Milei, que já se manifestou pelo fim do Mercosul, teria criado uma "janela de oportunidade" para que o acordo, que se arrasta desde 1999 e que teve um avanço decisivo em 2019, seja finalmente concluído.

A ideia é que a incerteza sobre como Milei e sua futura equipe econômica tratarão o assunto — ainda que uma de suas conselheiras tenha dado sinais públicos e privados de suavização de suas propostas — pode levar negociadores de ambos os blocos a flexibilizarem suas posições para que o texto seja concluído.

O acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia começou a ser negociado em 1999 e prevê, entre outras coisas, a isenção ou redução na cobrança de impostos de importação de bens e serviços produzidos nos dois blocos.

Em 2019, durante a presidência de Jair Bolsonaro (PL), Mercosul e União Europeia assinaram o acordo.

No entanto, novas exigências ambientais europeias e a reação sul-americana a elas acabaram por reabrir a negociação.

Atualmente, o texto passa por uma fase de revisão técnica antes de ser submetido à ratificação pelos Parlamentos de todos os países envolvidos.

Se concluído, vai envolver 31 países, 720 milhões de pessoas e aproximadamente 20% da economia mundial.

'Corrida pelo acordo'

O impulso final para a conclusão do acordo começou, segundo diplomatas ouvidos pela BBC News Brasil, ainda em agosto, com reuniões virtuais entre os negociadores dos dois blocos e segue até o momento.

Segundo a BBC News Brasil apurou, uma delegação de negociadores europeus desembarcou em Brasília na semana passada para encontros presenciais.

As reuniões ocorreram entre quinta-feira (23/11) e sábado (25/11), a portas fechadas.

Uma nova rodada de negociações está prevista para os próximos dias e poderá acontecer, inclusive, no Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que os chefes de Estado do Mercosul estarão reunidos na capital fluminense para a cúpula do bloco.

Os impasses na área ambiental ainda são considerados os principais entraves à conclusão do acordo, neste momento.

O problema ficou mais evidente em maio deste ano quando os europeus enviaram uma carta adicional ao texto do acordo com exigências ao Mercosul na área ambiental.

Entre elas estavam a necessidade de que os países do bloco sul-americano cumprissem metas negociadas no Acordo de Paris e a previsão de que as metas de desmatamento fossem estabelecidas em comum acordo entre os blocos e não mais de forma individual, pelos próprios países.

Exigências ambientais da União Europeia são principal entrave à conclusão do acordo comercial com o Mercosul.
Exigências ambientais da União Europeia são principal entrave à conclusão do acordo comercial com o Mercosul.
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Como o Brasil é, entre todos os países do Mercosul e da União Europeia, o que tem a maior extensão de florestas, as exigências foram vistas pelo governo brasileiro como uma afronta e uma espécie de "protecionismo verde", termo usado para classificar medidas de protecionismo comercial sob o pretexto de serem motivadas por preocupações ambientais.

"A carta adicional que a União Europeia mandou para o Mercosul é inaceitável. É inaceitável porque eles colocam punição para qualquer país que não cumprir o Acordo de Paris", disse o presidente Lula em junho deste ano, durante visita à Itália.

Em setembro, o Mercosul respondeu à carta dos europeus rebatendo alguns dos principais tópicos do documento e propondo a criação de um fundo de 12 bilhões de euros (cerca de R$ 65 mil) para ajudar países do bloco a implementarem políticas ambientais e de redução do desmatamento.

Segundo um diplomata ouvido pela BBC News Brasil, nos últimos dias, os europeus teriam se mostrado mais flexíveis às demandas do Mercosul na área ambiental.

O tom de sanções e suspeitas em relação à capacidade do bloco de cumprir metas ambientais teria sido trocado por um de cooperação.

Segundo outro diplomata, ainda não há clareza se o fundo proposto pelo Mercosul será ou não aceito pelos europeus.

Nas reuniões do último final de semana, um dos pontos sobre os quais também não houve consenso é sobre como seria feito o monitoramento do cumprimento de metas ambientais entre os países.

O Brasil não seria contrário a uma aferição do cumprimento de suas metas, mas não estaria disposto a delegar essa atividade a terceiros.

'Janela de oportunidade'

Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, é uma das principais autoridades envolvidas na negociação do acordo
Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, é uma das principais autoridades envolvidas na negociação do acordo
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Oficialmente, o governo brasileiro não reconhece que o impulso para a conclusão do acordo ocorreu por conta da eleição de Milei na Argentina, mas Lula já disse, na semana passada, que procurou as lideranças da União Europeia para tentar finalizar o texto.

A ligação foi feita na segunda-feira (20/11), um dia depois de Milei ter vencido as eleições argentinas.

"Ontem (segunda-feira), eu liguei para a Ursula von der Leyen, que é a presidente da Comissão Europeia, para dizer para ela que eu estou querendo negociar o Mercosul ainda na minha presidência e gostaria que a gente conseguisse fazer o acordo", disse Lula durante seu programa de rádio semanal Conversa com o Presidente, na terça-feira (21/11).

Lula disse ainda que negocia um encontro com a presidente da Comissão Europeia às margens da conferência do clima da ONU, a COP28, que começa em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, nesta semana. O brasileiro participará do encontro a partir de sexta-feira.

"Ela (Von der Leyen) ficou de tentar, quem sabe, lá na COP28 fazer uma reunião comigo e apresentar a resposta definitiva deles sobre as nossas demandas", disse Lula, também no priograma de rádio.

Diplomatas e um integrante da equipe econômica afirmam, em caráter reservado, que talvez não haja outra "janela de oportunidade" para a conclusão do acordo.

Segundo uma fonte da área econômica que acompanha as negociações, o primeiro fator favorável ao fechamento do acordo é a vitória de Milei na Argentina.

De acordo com essa fonte, haveria um grau elevado de incerteza sobre os rumos da política econômica de Javier Milei, que se autointitula um "anarcocapitalista" — ele que defende uma intervenção mínima do Estado na economia.

Futura chanceler argentina, Diana Mondino se reuniu com chanceler brasileiro, Mauro Vieira, em Brasília
Futura chanceler argentina, Diana Mondino se reuniu com chanceler brasileiro, Mauro Vieira, em Brasília
Foto: Ministério das Relações Exteriores / BBC News Brasil

Ao longo da campanha presidencial, Milei defendeu o fim do Mercosul e chegou a classificá-lo como um "estorvo".

Em agosto deste ano, o então candidato à presidência disse em entrevista à plataforma Bloomberg Linea que acredita ser necessário "eliminar o Mercosul".

"De fato, acho que temos que eliminar o Mercosul porque é uma união aduaneira defeituosa que prejudica os argentinos de bem. É um comércio administrado por estados para favorecer empresários", disse o então candidato.

Segundo a fonte da equipe econômica brasileira, se o acordo não for firmado antes de Milei assumir, isso poderia dar munição para que os apoiadores do futuro presidente argentino continuem colocando em xeque a existência do grupo.

Entre diplomatas brasileiros, a expectativa é de que ainda que Milei possa ter se posicionado contra o Mercosul, ele dificilmente teria força para criar empecilhos à implementação de um acordo com a UE durante o seu mandato, seja porque o pacto poderia favorecer setores econômicos dependentes da exportação de produtos ou porque não teria força para retardá-lo no Parlamento.

Um ponto visto como positivo por Brasília são as declarações e contatos feitos pela economista Diana Mondino, designada como ministra das Relações Exteriores do governo Milei.

Ela esteve em Brasília neste domingo (26/11) e se reuniu com o ministro de Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira.

Segundo post do Itamaraty na rede social X (antigo Twitter), Vieira recebeu, no encontro, um convite para que o presidente Lula participe da posse de Milei em 10 de dezembro.

O post diz ainda que foram discutidos no encontro aspectos da relação bilateral e do atual estágio das negociações entre Mercosul e União Europeia.

Durante a campanha presidencial, Mondino disse a interlocutores diplomáticos brasileiros que a ideia não é sair do Mercosul, mas que ele seja reformulado.

Ela tem repetido que quer mais comércio com o Brasil e com o mundo. Segundo ela, o que o futuro governo Milei rejeitará são acordos que considera pouco transparentes entre o governo argentino e outros Estados.

Em entrevista ao jornal O Globo, a secretária de Europa e América do Norte do Itamaraty, Maria Luisa Escorel, disse estar "otimista" com a conclusão do acordo entre Mercosul e União Europeia.

"Sou otimista. Estamos fechando os últimos pontos do acordo", disse Escorel. "Vamos nos relacionar de maneira madura e adulta com esse presidente", acrescentou.

Outro fator a favor do acordo seria o papel do ex-presidente Mauricio Macri, que governou a Argentina entre 2015 e 2019, no jogo político do país vizinho e no futuro governo em particular.

Milei ganhou com o apoio de Macri, que ajudou a costurar o pacto com a União Europeia em 2019, quando era presidente. O futuro mandatário não tem maioria no Parlamento e também precisa dos votos que Macri controla ali.

Na Câmara dos Deputados argentina, o total de assentos é 257. Para obter maioria, são necessários 129. O movimento de Milei, o La Libertad Avanza ('A Liberdade Avança'), no entanto, tem apenas 38.

Estimativas apontam que, com o apoio de outros partidos de direita, incluindo uma parte sob influência de Macri, ele pode chegar a ter o apoio de 90 deputados.

A coalizão peronista, do adversário derrotado e ministro da economia Sergio Massa, obteve 108 vagas.

No Senado, a situação também é adversa para Milei. A coalizão entre os partidos de Milei e de Macri obteve 13 senadores contra 35 da coligação que apoiou Massa.

Para entrar em vigor, o acordo precisa ser ratificado pelos países envolvidos.

No Mercosul, isso é feito pelos congressos nacionais de cada um dos quatro membros ativos.

Já na UE, o parlamento europeu precisa ratificar uma parte do acordo enquanto outras são ratificadas pelos parlamentos nacionais.

O outro fator favorável à conclusão do acordo seria a convergência entre Lula e o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, que é presidente do Conselho da União Europeia, uma das principais instâncias do bloco.

Segundo a fonte ouvida pela BBC, o governo brasileiro quer aproveitar o fato de que Sánchez, que é de esquerda, conseguiu se reeleger como primeiro-ministro espanhol.

A expectativa é que a Espanha possa ajudar a pressionar os outros países-membros do bloco e fazer as negociações com o bloco sul-americano fluir.

No início de novembro, Sánchez e Lula conversaram por telefone sobre o acordo. O espanhol disse querer finalizar o acordo "o mais breve possível".

"Como presidência de turno do Conselho da União Europeia, a Espanha tem entre suas prioridades alcançar o mais breve possível o acordo UE-Mercosul", disse Sánchez em uma postagem em suas redes sociais.

Mais recentemente, o chefe da diplomacia da União Europeia, Joseph Borell, também demonstrou interesse em acelerar negociação de acordo.

"O novo governo da Argentina, que assume o cargo em circunstâncias econômicas desafiadoras, pode contar com a UE para fortalecer ainda mais nossa parceria, a fim de obter resultados positivos para nossas sociedades, inclusive com a finalização, o mais rápido possível, das negociações sobre o Acordo de Associação UE-Mercosul", afirmou ele.

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