Complexo do Alemão: "Foi um massacre chamado de operação policial"
Defensoria Pública vê "indícios de situações de grave violação de direitos" na ação que deixou ao menos 18 mortos no Rio. Moradores e ativistas denunciam violência policial e política de segurança pública "desastrosa".A operação policial desta quinta-feira (21/07) no Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro, que deixou pelo menos 18 mortos, segundo números da Polícia Militar (PM) fluminense, provocou mais uma vez críticas à violência policial.
Segundo a PM, ao menos 400 agentes atuaram na ação, que tinha como objetivo combater o roubo de carros, carga e bancos. Foi a quarta operação policial mais letal da história do Rio, depois das que ocorreram no Jacarezinho em maio de 2021, quando 28 pessoas morreram, e na Vila Cruzeiro, em maio deste ano, que deixou 25 mortos - ambas na gestão do atual governador Cláudio Castro (PL) -, e de uma operação em 2007, também no Complexo do Alemão, com 19 mortos.
Entre os mortos, está um policial militar de 38 anos, atingido no pescoço, e uma mulher de 50 anos baleada no peito dentro do carro onde estava com o namorado. O homem afirmou à imprensa que um policial atirou contra seu carro quando ele parou no sinal de trânsito. A PM disse que os outros 16 mortos seriam suspeitos de crimes.
A operação foi deflagrada no início da manhã e durou cerca de 12 horas. Moradores foram acordados pelo barulho de rajadas de tiros e de rasantes de helicópteros da polícia.
"Massacre"
A Defensoria Pública do Rio afirmou, em nota divulgada na noite desta quinta-feira, haver "indícios de situações de grave violação de direitos" durante a operação no Complexo do Alemão, "com possibilidade desta ser uma das operações com maior índice de mortos no Rio de Janeiro".
Moradores da favela acusaram policiais de atacarem civis e invadirem residências, fazendo batidas policiais e levando objetos pessoais em meio a intenso tiroteio.
"É um massacre lá dentro, que a polícia está chamando de operação", disse à agência de notícias AP uma mulher em condição de anonimato, por temer represálias das autoridades. "Eles não estão deixando a gente ajudar (as vítimas)", acrescentou, afirmando ter visto um homem sendo preso por tentar socorrer feridos.
Após a operação, moradores foram vistos agrupando pessoas feridas na parte de trás de veículos para levarem ao hospital, enquanto a polícia assistia.
Gilberto Santiago Lopes, da Comissão de Direitos Humanos da Associação Nacional da Advocacia Crimina (Anacrim), disse que a polícia se recusava a ajudar. "Tivemos que carregá-los em um carrinho de bebidas e depois pedir a um morador local para levá-los em seu carro ao hospital", ele disse. "[A polícia] não visa prendê-los, eles visam matá-los, então se eles estão feridos, pensam que não merecem ajuda."
Os moradores ficaram furiosos e gritaram com a polícia. "Estamos com medo de viver aqui", gritou um morador após a operação. "Onde estamos? Afeganistão? Em uma guerra? No Iraque? Se eles querem uma guerra, mandem-nos para o Iraque."
"Liderança fracassada"
A Anistia Internacional afirmou no Twitter que "o Ministério Público tem o dever constitucional de fazer o controle externo da polícia" e diz ser "inaceitável que ações mal planejadas q violam os direitos humanos de tantas pessoas continuem ocorrendo no Rio de Janeiro sem que nada seja feito pelos orgãos de competência".
"QUEM VAI PARAR o governador @ClaudioCastroRJ e sua política de segurança pública desastrosa e violadora de direitos no Rio de Janeiro !?? Basta de tanta brutalidade! A FAVELA QUER VIVER!", afirmou a ONG.
Robert Muggah, especialista em segurança e cofundador e diretor de pesquisa do Instituto Igarapé, disse que a operação de quinta-feira é "um sintoma de liderança fracassada e uma cultura institucional que tolera força excessiva.''
"As mortes resultantes de operações policiais em grande escala são um lembrete sombrio de que o policiamento militarizado não é apenas ineficaz, é contraproducente'', disse Muggah em mensagem de texto citada pela AP, acrescentando essas invasões geram "violência extrema afetando predominantemente pessoas de baixa renda e populações negras ao mesmo tempo em que corrói a confiança entre os moradores e aplicação da lei."
Em um vídeo compartilhado pelo portal Voz das Comunidades, moradores podem ser vistos clamando por paz e agitando panos brancos de suas janelas e telhados.
NÃO DÁ MAIS! A chacina do Complexo do Alemão já é a 5ª mais letal da história do Rio de Janeiro, com 18 mortos até o momento, entre civis e um policial. É a máquina de moer gente que @claudiocastroRJ e o bolsonarismo vangloriam. Não há segurança efetiva com esse modelo genocida!", escreveu no Twitter a deputada federal Talíria Perone (PSOL).
md/lf (ots)