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Conheça o estranho animal marinho que dá nós em sua própria cabeça

27 set 2016 - 09h14
(atualizado às 09h30)
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Peixe-bruxa apresenta maleabilidade suficiente para dar nós no próprio corpo
Peixe-bruxa apresenta maleabilidade suficiente para dar nós no próprio corpo
Foto: TOM MCHUGH/SCIENCE PHOTO LIBRARY / BBCBrasil.com

Como começar a descrever a extraordinária biologia do myxini, conhecido no Brasil como peixe-bruxa?

Assim como nós, eles são vertebrados. O problema é que não têm coluna vertebral. Contam com vários corações, e pelo menos duas vezes mais sangue em seus corpos do que outros peixes. Para completar, apesar de terem uma mandíbula 'pela metade', conseguem morder carnes duras.

A pele do peixe-bruxa é tão fina que, em teoria, deveria comprometer sua capacidade natatória. Como não têm escamas, o peixe pode absorver alimento através de sua pele, sem precisar usar a boca. E os animais conseguem transformar água em gosma.

Fóssil

Ou seja, o peixe-bruxa é diferente de muita coisa que vemos normalmente no reino animal. Ainda porque essa criatura pode, literalmente, dar nó em si próprio. Parecidos com enguias, os peixes-bruxas estão na parte mais baixa da árvore genealógica dos vertebrados, próximos de um "parente" - as lampreias.

Para alguns biólogos, o peixe-bruxa deveria até ser "rebaixado", por causa da ausência de espinha. Mas um estudo de 2010, baseado em análises de DNA, descartou a ideia. "A pesquisa mais atual sugere que peixes-bruxas são vertebrados que perderam as características do uso da coluna", diz Theodore Uyeno, da Universidade Estadual de Valdosta, no Estado americano da Geórgia.

Se o peixe uma vez teve uma estrutura óssea deste tipo, deve tê-la perdido há muito tempo. Em 1991, paleontólogos analisaram um fóssil de 300 milhões de anos, encontrado no Estado americano de Illinois, que se parecia bastante com um peixe-bruxa. Em termos de aparência externa, apesar da distância de tempo, o peixe não parece ter mudado.

Peixes-bruxas à venda em um mercado em Seul, na Coreia do Sul
Peixes-bruxas à venda em um mercado em Seul, na Coreia do Sul
Foto: Neil Setchfield / Alamy Stock Photo / BBCBrasil.com

Os peixes-bruxa normalmente vivem no fundo do mar. Receberam o apelido de "urubus marinhos" porque gostam de se alimentar de restos. Mas isso não deve ser confundido com migalhas. "Os peixes volta e meia são vistos se alimentado, por exemplo, de carcaças de baleias, por exemplo", explica Ueno.

Mordidas

Saber como exatamente esses peixes conseguem arrancar grandes nacos de carne dessas carcaças é o que mais interessa Uyeno e seu colega Andrew Clark.

A maioria dos animais faz assim: a mandíbula superior e inferior se posicionariam sobre a superfície, e os músculos movimentariam os dentes para que eles rasgassem a carne.

"Mais de 99% dos vertebrados possui mandíbulas opostas", diz Clark.

Mas o peixe-bruxa é uma exceção.

"Essas criaturas vagam pelo oceano com apenas uma arcada dentária superior. Como é que conseguem gerar uma mordida poderosa?", questiona.

Depois de muita observação, Uyeno e Clark acreditam ter descoberto como, e sua ideia também ajudou a explicar outros atributos do peixe-bruxa.

Eles argumentam que o peixe consegue morder porque se enrola para formar nós. Especialmente perto da cabeça. E essa formação possibilita um trabalho conjunto com a arcada superior para prender e espremer o alimento - o nó funciona como uma mandíbula inferior improvisada.

Gosma produzida pelo peixe pode ser tanto lubrificante como arma de caça
Gosma produzida pelo peixe pode ser tanto lubrificante como arma de caça
Foto: Brandon Cole / BBCBrasil.com

"Começamos a imaginar que outras características do peixe-bruxa poderiam ser adaptações para melhorar sua habilidade de fazer nós", conta Uyeno.

Em um estudo publicado no início do ano, ele especulou até que a ausência de espinha se deve a isso. O peixe-bruxa tem uma corda de cartilagem, uma notocorda, que deixa seu corpo mais flexível.

A pele frouxa pode ser ruim para nadar e pesquisadores dizem que ela tem o efeito de alguém nadando em um vestido de noiva, mas a flacidez é fundamental para evitar lesões na hora de dar nós.

Para compensar a frouxidão da pele, o peixe precisa de fluido para preencher a cavidade entre a pele e o corpo. Nada melhor do que sangue para essa tarefa. Mas esse sangue, por sua vez, faz com que corações extras sejam necessários, o que pode explicar a anatomia diferenciada dos órgão internos do peixe-bruxa.

"Eles são os vertebrados que mais sangue têm no planeta", diz Uyeno.

A necessidade dos nós explicaria também a ausência de escamas e habilidade de fabricar gosma. Sem escamas, o peixe pode iniciar o nó perto da cauda e deslizá-lo até a cabeça - a gosma serviria como lubrificante. Mas há cientistas , como Chris Glover, da Universidade Athabasca, em Alberta (Canadá), que chamam a atenção para outras utilidade da capacidade de dar nós. Em 2011, Glover e sua equipe mostraram que o peixe-bruxa pode absorver nutrientes diretamente pela pele, sem a necessidade de usar a boca.

Certos tipos de moreias também fazem nós, apesar de terem coluna vertebral
Certos tipos de moreias também fazem nós, apesar de terem coluna vertebral
Foto: Alamy / BBCBrasil.com

"A falta de escamas poderia ser relacionada a essa forma passiva de alimentação", diz Glover.

Há também o argumento de que a gosma pode servir para ataques a outros peixes - há evidências de que o peixe-bruxa também caça. Mais especificamente para entupir as guelras da presa e matá-la.

Já a falta de espinha dorsal pode facilitar a criação de nós com o corpo, mas talvez isso não seja um pré-requisito para esse comportamento. Shanta Barley, da Universidade da Austrália Ocidental observou que espécies de moreias têm comportamento parecido como o do peixe-bruxa em termos de "enrolação", apesar de serem dotados de espinha.

"A perda da espinha (pelo peixe-bruxa) pode ter sido desenvolvida para dar mais capacidade de manobra na fuga de predadores", opina Barley.

Uyeno e Clarke têm pela frente bastante caminho para convencer seus colegas de que as características únicas do peixe-bruxa são adaptações para realizar os nós com o corpo.

Mas eles acham que a pesquisa pode levar a possíveis inspirações ao mundo da tecnologia. "Imagine uma corda de rapel que pudesse criar um nó de emergência", diz Uyeno.

Isso ainda é pura especulação. Mas se resultar em uma corda dessas, o peixe-bruxa pode ter ajudado a salvar vidas.

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