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Coronavírus: esgoto pode ser via de contágio, indicam estudos

Estudos apontam que o vírus pode estar em fezes, mesmo depois de o Sars-cov-2 não estar mais no pulmão de paciente infectado.

2 abr 2020 - 19h03
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Pesquisas apontam que novo coronavírus também está presente nas fezes de pacientes
Pesquisas apontam que novo coronavírus também está presente nas fezes de pacientes
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Não é fato que se os brasileiros — ou pessoas de qualquer nacionalidade — pularem no esgoto nada acontecerá, como disse recentemente o presidente Jair Bolsonaro.

Ao contrário, não só correm o risco de contrair várias doenças como até de se contaminar com o novo coronavírus.

Dois estudos internacionais, um realizado na China, durante a quarentena obrigatória, e outro em Cingapura, recém-publicados na prestigiosa revista científica Lancet Gastroenterol Hepatol, mostraram que os pacientes da doença tinham em suas fezes o material genético do vírus, mesmo depois de não apresentá-lo mais no pulmão nem nas vias respiratórias.

A primeira pesquisa foi feita no Hospital Universitário de Sun Yat-sen, em Zhuhai, na China, entre 16 de janeiro e 15 de março, durante o período da ocorrência da Covid-19.

Foram analisadas amostras de fezes e do trato respiratório de 98 pacientes.

"Os cientistas detectaram o novo coronavírus nelas", conta a bióloga e doutora em Engenharia Hidráulica e Saneamento, Juliana Calabria de Araújo, da Universidade Federal de Minas (UFMG) e subcoordenadora, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia - Estações Sustentáveis de Tratamento de Esgoto (INCT - ETS Sustentáveis).

O RNA do vírus foi detectado nas fezes dos pacientes por cerca de cinco semanas, mesmo após as amostras do trato respiratório terem sido negativas.

"Os autores ressaltaram que embora o conhecimento sobre a viabilidade (capacidade de infectar) do novo coronavírus seja limitado, ele poderia estar viável por vários dias, levando à transmissão fecal-oral, conforme verificado nos casos de outros vírus, que transmitem a síndrome respiratória aguda (CoV) e a síndrome respiratória aguda do Oriente Médio (CoV.2)", diz Juliana.

"Eles recomendam, portanto, que as amostras de fezes devem ser testadas rotineiramente, mesmo após as amostras das vias respiratórias dos pacientes estarem sem contaminação."

Esgoto na Holanda

No segundo estudo, os pesquisadores analisaram 15 artigos científicos e dados publicados anteriormente, para mostrar o envolvimento entérico do coronavírus, ou seja, que ele está presente no trato gastrointestinal dos pacientes com ele, já que em algumas pessoas infectadas os sintomas incluem dores abdominais e diarreia.

O objetivo era descobrir se é possível sua transmissão pela rota fecal-oral.

Há ainda uma terceira pesquisa, realizada na Holanda, que detectou o novo coronavírus em amostras de esgoto do aeroporto de Schiphol, em Amsterdã, bem como em outras das Estações de Tratamento de Esgoto (ETE) das cidades de Kaatsheuvel e de Tilburg (esta última trata o esgoto do aeroporto de Schiphol), após duas semanas da confirmação do primeiro paciente com covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus, na região.

Diante dessas evidências, o INCT - ETS Sustentáveis divulgou uma nota técnica alertando para os efeitos da presença do coronavírus no esgoto. De acordo com o texto, a possibilidade da transmissão via feco-oral do vírus Sars-CoV-2 tem muitas implicações, especialmente em áreas carentes de infraestrutura de saneamento básico.

Contaminação ou rota feco-oral é quando o patógeno (o vírus, neste caso) está presente nas fezes de uma pessoa e pode entrar na boca de uma outra pessoa, por meio da contaminação da água e de alimentos ou da transmissão mão-boca, por causa de lavagem inadequada das mãos após tocar em itens contaminados.

'Poderemos estar despejando nos rios uma enorme carga viral'

Uma das implicações das conclusões dos estudos, segundo a nota técnica do INCT - ETS Sustentáveis, é que o monitoramento do esgoto para verificar presença do coronavírus é uma boa estratégia para detecção da doença ou infecção viral na população, inclusive na parcela que não a manifesta — portadores assintomáticos.

Algo semelhante já vem sendo realizado por meio de pesquisas em desenvolvimento pelo instituto, em um primeiro momento para bactérias resistentes a antibióticos e outros potenciais patógenos já conhecidos.

Estudo aponta a possibilidade de que esgoto pode despejar enorme carga viral em rios
Estudo aponta a possibilidade de que esgoto pode despejar enorme carga viral em rios
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Outra implicação importante, diz o texto, "considerando a situação sanitária do Brasil, em que apenas 46% do esgoto gerado no país são tratados (segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento - SNIS 2018), é que nos meses em que durar a pandemia poderemos estar despejando em nossos rios uma enorme carga viral".

Como consequência, "poderá ocorrer o aumento da disseminação do vírus Sars-CoV-2 no ambiente e a infecção da parcela mais vulnerável da população, aquela que não tem acesso a uma adequada infraestrutura de saneamento básico".

Portanto, diz o Instituto, "ações conjuntas e coordenadas dos profissionais da área da Saúde, do Saneamento, das universidades e dos governos são urgentes nesse cenário de emergência de Saúde Pública, que pode se agravar ainda mais em função dos problemas de desigualdade social e do ainda elevado déficit na prestação de serviços de saneamento em nosso país (cerca de 100 milhões de brasileiros não têm acesso ao serviço de coleta de esgoto e 35 milhões não têm acesso a água tratada)".

Apesar deste alerta, não há motivos para pânico. Pelo menos, por enquanto. Juliana explica que os estudos de fato mostram que se os efluentes hospitalares e o esgoto doméstico, que podem ter a presença do vírus, forem lançados diretamente nos rios e mananciais utilizados para abastecimento de água, sem o devido tratamento, poderão contaminá-los.

A pesquisadora ressalva, no entanto, que ainda não se tem dados sobre o risco para a saúde das pessoas abastecidas por rios e mananciais contaminados.

"De acordo com o CDC (Centro de Controle de Doenças, na sigla em inglês dos Estados Unidos, o novo coronavírus ainda não foi detectado em amostras de água tratada", conta Juliana.

"Os métodos usados no tratamento convencional, que usam filtração e desinfecção, tais como na maioria das estações de tratamento (ETAs), devem remover ou inativar o vírus causador da covid-19."

Quanto ao risco de uma pessoa com o RNA viral nas fezes contaminar outra, ainda faltam dados. "A presença do seu material genético no sistema gastrointestinal não significa que o vírus esteja viável e na sua forma infecciosa", tranquiliza Juliana.

"Para ter certeza disso, mais estudos são necessários, que até o momento ainda não foram realizados. Além disso, a forma de transmissão do coronavírus é pelas vias aéreas superiores, ou seja, se a pessoa contaminada espirrar ou tossir perto de outra e esta tocar superfícies que contenham gotículas com ele."

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