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Coronavírus: o que diz a lei aprovada pelo Congresso para lidar com o surto

Governo federal diz que norma é necessária para dar segurança jurídica na repatrição e quarentena de brasileiros repatriados da China. PL tramitou em regime de urgência.

4 fev 2020 - 15h00
(atualizado em 5/2/2020 às 19h08)
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Governo diz que nova norma é necessára para dar segurança jurídica à repatrição de brasileiros e à sua quarentena no país
Governo diz que nova norma é necessára para dar segurança jurídica à repatrição de brasileiros e à sua quarentena no país
Foto: AFP / BBC News Brasil

Reportagem atualizada às 19h de 05/02/2020

O Senado aprovou nesta quarta-feira (05/02) uma lei elaborada pelo governo federal sobre as medidas que serão adotadas no país em meio à epidemia de coronavírus. Agora, ela segue para a sanção presidencial para então entrar em vigor.

Ela trata das possíveis ações para lidar com a situação de emergência de saúde pública internacional criada pelo atual surto, classificado desta forma pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde a quinta-feira (30/01).

O governo afirma que a lei é necessára para dar segurança jurídica à repatrição de brasileiros que estão em Wuhan, cidade chinesa que é o epicentro do surto, e ao regime de quarentena no qual eles deverão ficar ao retornar ao país.

Em nota, o Planalto disse que a legislação brasileira atualmente está defasada em relação aos instrumentos jurídicos e sanitários adequados para o combate desse tipo de epidemia, e que o projeto apresentado permite o "enfrentamento ágil e eficiente da situação de emergência internacional, sem descurar dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos".

De acordo com os números do Centro Europeu para Prevenção e Controle de Doenças, já foram confirmados mais 24,5 mil casos em 26 países — 24,3 mil na China — e 493 mortes, todas na China com exceção de uma, nas Filipinas.

Desde a semana passada, o governo brasileiro investiga casos de suspeitas do vírus, mas não houve nenhuma confirmação até o momento.

De acordo com os dados oficiais mais recentes, há atualmente 11 casos suspeitos em quatro Estados: São Paulo (4), Rio de Janeiro (1), Rio Grande do Sul (5) e Santa Catarina (1). Ao todo, 21 possíveis casos já foram descartados.

Quarentena, exames compulsórios e restrição de entrada e saída do país

A lei aprovada pelo Congresso determina que, diante da situação de emergência provocada pelo coronavírus, o governo poderá colocar cidadãos em isolamento ou quarentena, sob condições estabelecidas pelo Ministério da Saúde.

Também poderá realizar compulsoriamente exames e testes laboratoriais, coletar amostras para análises e aplicar vacinas e tratamentos médicos específicos.

Autoriza a exumação, necropsia, cremação e manejo de cadáveres e a restrição "excepcional e temporária" de entradas e saídas do país.

Prevê ainda que poderão ser requisitados bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas para uso no combate à epidemia. Nestes casos, seus proprietários receberão uma "indenização justa".

O Ministério da Saúde poderá emitir "autorização excepcional e temporária" para a importação de produtos sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde que tenham sido registrados por uma autoridade equivalente de outro país.

Será dispensada de licitação a aquisição de bens, serviços e insumos de saúde para lidar com a situação de emergência do coronavírus enquanto esta durar.

Restrições poderão ser aplicadas à entrada e saída de pessoas do país
Restrições poderão ser aplicadas à entrada e saída de pessoas do país
Foto: Reuters / BBC News Brasil

A lei ainda afirma que estas medidas só poderão ser aplicadas "com base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde".

As pessoas afetadas pelo surto terão assegurado seu direito de serem informados sobre seu estado de saúde, de receber tratamento gratuito e de serem afastados de suas atividades profissionais, sem perder a remuneração.

Ao mesmo tempo, toda pessoa deve colaborar com as autoridades ao comunicar imediatamente possíveis contatos com agentes infecciosos do coronavírus e a circulação em áreas consideradas como regiões de contaminação.

A lei prevê que quem descuprir as normas poderá ser responsabilizado "nos termos previstos em lei". Segundo João Gabbardo, secretário-executivo do Ministério da Saúde, afirma que ainda não existe uma previsão das possíveis punições que serão aplicadas.

"As penalidades variam muito, então, fica difícil debater se a pessoa receberá uma multa, se será precisa. Não há como informar isso em mais detalhes no momento", afirmou Gabbardo em coletiva de imprensa do ministério na terça-feira.

"Vamos trabalhar com extremos, como alguém que deliberadamente provoque a contaminação de outras pessoas. Houve países que fizeram a repatrição de cidadãos, e ocorreu tentativa de fuga da quarentena. Isso é uma infração e deve ter alguma penalidade."

Após passar pela Câmara, a lei foi alterada para estabelecer que ela só vigorará enquanto durar a emergência internacional da epidemia decretada pela OMS.

Também foi suprimido o trecho que estalebecia como obrigação notificar a manifestação de sintomas considerados característicos, que são bastantes semelhantes ao de uma gripe comum.

No texto original, essa e outras notificações eram apresentadas como um "dever". Na versão final, diz que "toda pessoa colaborará com as autoridades sanitárias" neste sentido.

Ainda foi trocado o termo "cidadãos" por "pessoas" para que a nova lei se aplique não só aos brasileiros, mas a qualquer pessoa que esteja no país.

Direitos coletivos x direitos individuais

A falta de uma lei específica sobre o tema havia sido apontada pelo presidente Jair Bolsonaro como um dos motivos pelos quais o país não faria a repatriação de brasileiros na China.

Segundo o governo, existiam até então apenas "fragmentos de leis" que foram usados no passado em situação similar, mas eram frágeis, o que gerava insegurança jurídica para o regime de quarentena aos quais os brasileiros em Wuhan ficarão ao voltar ao país.

"A pessoa pedia uma liminar, saía e botava todo mundo em risco", afirmou o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, na segunda-feira, ao comentar sobre o projeto.

O advogado Antonio Rodrigo Machado, que representa o grupo de 29 brasileiros que está em Wuhan e manifestou desejo de voltar ao Brasil, criticou a decisão do governo de apresentar uma nova lei como condição necessária para a repatriação.

"Discordo que havia insegurança jurídica. Isso me parece ser um excesso de cautela, porque todos sabemos que o governo tem a obrigação constitucional de proteger a saúde coletiva, e já existem leis que permitem aplicar políticas para isso e intervir em liberdades individuais em situações extraordinárias como essa, independentemente de aprovação legislativa", afirma o advogado.

Machado também avalia que um ponto do projeto não tem amparo no regulamento sanitário internacional: a realização compulsória de tratamentos, exames e vacinação.

"O regulamento recomenda estas ações, mas não prevê que sejam obrigatórias. Isso não tem a ver com o brasileiros que estão em Wuhan, porque eles já aceitaram fazer isso, mas, ao meu ver, pode haver uma controvérsia constitucional em torno disso", diz o advogado.

Roberto Dias, professor de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, diz que, em uma situação como o surto do coronavírus, de fato existe um "conflito" entre o direito coletivo da sociedade à saúde pública, o dever do Estado de proteger a população e o direito à autodeterminação do cidadão, que pode optar ou não por se submeter a um tratamento médico, ser vacinado ou realizar exames.

"Esta lei tenta equalizar esses deveres e direitos. Acho que é algo drástico, mas oportuno diante de uma epidemia que pode ter um grande impacto para a população, porque, ao meu ver, não há inconstitucionalidade. Quando há esse tipo de conflito, prevalece o direito à saúde da coletividade."

Projeto tramita em regime de urgência

O advogado Antonio Rodrigo Machado também criticou a decisão do governo de enviar um projeto de lei e não uma Medida Provisória, como era planejado inicialmente, por considerar este segundo instrumento mais ágil.

Medidas Provisórias têm validade assim que são publicadas no Diário Oficial. Depois, precisam ser aprovadas pelo Congresso em até 120 dias para virar leis em definitivo — caso isso não ocorra, elas são invalidadas. Já projetos de lei precisam ser aprovados nas duas Casas do Congresso e sancionados pela Presidência.

Questionado sobre o motivo da mudança, o secretário João Gabbardo disse que não comentaria sobre o assunto.

A mudança ocorreu após o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, disse no entanto que pautaria com urgência um projeto de lei enviado pelo governo, e o presidente do Senado, David Alcolumbre, também afirmou que o colocaria em pauta assim que fosse aprovado pela Câmara.

O governo havia informado anteriormente que pretendia elaborar um a legislação mais ampla, para contemplar qualquer situação de emergência de saúde pública, mas decidiu por fazer um projeto específico para o surto de coronavírus para facilitar sua aprovação.

"[Fazer uma lei mais abrangente] era o nosso desejo, mas, se não fosse tão específico, o Congresso precisaria de mais tempo para debater, então, optamos por focar no coronavírus para ter uma resposta mais rápida", afirmou Gabbardo.

Segundo o governo, um projeto mais amplo sobre epidemias será apresentado na próxima semana.

"O projeto inteiro tem aproximadamente 84 artigos, e seria pedir demais que a gente votasse 84 artigos de temas polêmicos numa situação como a de hoje. Na próxima segunda-feira, a gente revisará e mandará um novo projeto para ter a discussão sem ser de urgência", disse o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

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