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Correta ou injustificada? Prisão de Cunha é vista com desconfiança por juristas

20 out 2016 - 13h46
(atualizado às 14h57)
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Comemorada nas redes sociais, a prisão preventiva do ex-deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) é vista com ressalvas por juristas.

Eduardo Cunha, embarca para Curitiba após ser preso pela Polícia Federal
Eduardo Cunha, embarca para Curitiba após ser preso pela Polícia Federal
Foto: Agência Brasil

"Antidemocrática", "incorreta" e seguindo por um "mau caminho" foram algumas das expressões usadas para descrevê-la. Cunha foi preso na quarta-feira, após decisão do juiz federal Sérgio Moro, que atendeu pedido do Ministério Público Federal (MPF) em Curitiba.

Para professores de Direito consultados pela BBC Brasil, o despacho de Moro não traz argumentos suficientes para justificar a prisão e se baseia em fatos antigos. Além disso, abriria precedentes perigosos, colocando a prisão como regra, e não exceção.

Detalhada no Código de Processo Penal, a prisão preventiva pode ser decretada quando há indícios suficientes de autoria do crime, além de riscos à aplicação da lei, ao andamento do processo e para garantir a ordem pública ou econômica.

Em suma, é usada para evitar que o réu fuja, atrapalhe o trabalho da Justiça ou continue a praticar crimes.

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Em sua decisão, Moro cita as tentativas de Cunha de intimidar testemunhas na CPI da Petrobras, em 2015, e de impedir reuniões do Conselho de Ética da Câmara, quando este analisava representações contra o peemedebista.

O juiz transcreve partes das justificativas citadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao afastar Cunha da Presidência da Câmara em maio deste ano, e argumenta que ele teria agido para obstruir investigações a seu respeito.

Moro disse considerar que a cassação do mandato de Cunha não é suficiente para impedir que cometa crimes.

"Considerando o histórico de conduta e o modus operandi, remanescem riscos de que, em liberdade, possa o acusado Eduardo Cunha, diretamente ou por terceiros, praticar novos atos de obstrução da Justiça, colocando em risco a investigação, a instrução e a própria definição, através do devido processo", escreve o juiz.

Para a maioria dos juristas consultados pela reportagem, o texto de Moro se baseia no "risco abstrato" trazido por Cunha, ou seja, na possibilidade de que ele tente fugir, venha a interferir na análise das ações penais ou cometa outros delitos.

No entanto, dizem, não há indícios novos hoje que comprovem esses riscos. Eles ressaltam que suas opiniões estão fundamentadas na despacho da prisão, e não nas demais informações do processo, que corre em sigilo.

"Parece-me especulação. Está muito na base de atos pretéritos (passados), que já estão sedimentados. Ter recursos no exterior e dupla nacionalidade (como cita o MPF) não são argumentos suficientes para indicar uma possibilidade de fuga, por exemplo", diz o professor de Processo Penal da PUC-SP Claudio Pereira.

Ele afirma que uma figura conhecida como Cunha não poderia desaparecer de forma fácil e que existem alternativas de controle da liberdade, como usar uma tornozeleira eletrônica ou impedir o contato do réu com determinadas pessoas.

Segundo Pereira, para explicar uma prisão agora seriam necessárias provas recentes de que o ex-deputado continua agindo dessa forma: o registro do encontro com alguém, um depoimento de testemunha ou novas movimentações financeiras na Suíça.

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"Não dá para justificar medida judicial dessa forma, é antidemocrático. Encarcerar todas essas figuras públicas parece mais um apelo midiático ou político do que uma necessidade jurídica."

O professor de Direito da FGV Oscar Vilhena afirma que, caso a decisão de Moro tenha se baseado apenas no "risco abstrato", ela foi por um "mau caminho".

"A legislação não permite você prender alguém por risco em abstrato. É sabido que ele é um mau elemento, então vou prendê-lo. Não é assim, é necessário comprovar que ele praticou um ato concreto."

No despacho, Moro escreve que "o ex-parlamentar é tido por alguns como alguém que se vale, com frequência, de métodos de intimidação".

De acordo com Vilhena, há "claros indícios" de que Cunha seja autor de uma série de delitos, primeiro pressuposto da prisão preventiva, mas os outros itens dependem da continuidade das ações de interferência.

"Tudo isso estava presente quando o STF decidiu afastá-lo da Câmara. Para quem não tem acesso ao processo, é difícil saber se isso perdura ou não: há indícios de que ele ainda ameaça testemunhas?", questiona.

Precedentes negativos

Uma decisão como a que motivou a prisão de Cunha abre precedentes negativos para a Justiça brasileira, diz o professor da FGV e coordenador do site Supremo em Pauta, Rubens Glezer.

Ele argumenta que a prisão preventiva deve ser exceção, o último recurso para garantir o andamento do processo, e não a regra - como, para ele, parece ter se tornado o padrão na Operação Lava Jato.

Para Glezer, o despacho de Moro não preenche os requisitos clássicos para a prisão, descritos no Código de Processo Penal, mas é compatível com os critérios usados na Lava Jato.

"É muito parecido com o despacho usado para o (Antonio) Palocci (preso em 26 de setembro). Mas se você for numa aula de Processo Penal e mostrar esse texto, vão dizer: isso não pode. Na excepcionalidade da operação, esses argumentos estão sendo aceitos"

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Como Moro é hoje exemplo de juiz correto no Brasil, argumenta Glezer, suas decisões têm efeito sobre seus colegas, que podem querer usar os mesmos parâmetros no dia a dia. A lógica, portanto, deixaria de ser "inocente até que se prove o contrário" e passaria para "na dúvida, prende".

Segundo o professor, tal raciocínio prejudicaria principalmente os mais pobres, maioria da população carcerária no Brasil.

"Talvez esse não seja o recado que Moro queira dar, mas é o que a comunidade jurídica recebe. O problema talvez não seja tanto o juiz, mas o contexto dessa comunidade, que já é punitivista."

STF flexibilizou interpretação da lei ao mandar prender Delcídio do Amaral, em 2015
STF flexibilizou interpretação da lei ao mandar prender Delcídio do Amaral, em 2015
Foto: Jane de Araújo/Agência Senado

Elogio e atuação do STF

Por outro lado, o professor de Direito Penal da PUC-SP Antônio Carlos da Ponte diz que a decisão "merece aplauso" e elogia a "interpretação correta e serena da lei".

Ponte considera que não são necessários fatos novos, porque Moro trabalha com uma preocupação concreta. Além disso, afirma, os supostos esquemas nos quais o ex-parlamentar se envolveu são dinâmicos e ganham detalhes todos os dias.

"O processo se desenrola de forma dinâmica e não estática. Os velhos esquemas geram elementos novos. A crítica lançada tem uma premissa equivocada, como se o fato não tivesse sofrido qualquer tipo de alteração. A conta na Suíça, por exemplo, não foi desativada."

Antes de ir para Curitiba, os processos contra Cunha se concentravam no Supremo Tribunal Federal. Depois de ter o mandato cassado pela Câmara dos Deputados, em setembro, ele perdeu o foro privilegiado e as ações penais foram enviadas à primeira instância judicial.

Quando o STF ainda cuidava do caso de Cunha, a Procuradoria Geral da República fez um pedido de prisão preventiva do então deputado. O Supremo, no entanto, não respondeu ao pedido.

Em sua decisão, Moro faz menção ao caso e diz que, como o peemedebista ainda era parlamentar, a Constituição não permitia que ele fosse preso preventivamente, a não ser em caso de flagrante de crime inafiançável. Como o flagrante não ocorreu, o réu permaneceu em liberdade.

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Para Antônio Carlos da Ponte, a atuação do STF e de Moro seguiram a lei à risca. Ele explica que o artigo da Constituição em questão visa proteger a formação do Congresso.

"A partir do momento que ele (Cunha) perde o foro privilegiado, boa parte das amarras cai por terra e permite a prisão."

No entanto, a opinião de Ponte não é consenso.

Rubens Glezer diz que, se quisesse, o Supremo, ao analisar o pedido anterior de prisão contra Cunha. poderia ter mudado essa interpretação da Constituição, como fez no caso do senador Delcídio do Amaral, preso em novembro de 2015.

Por unanimidade, os cinco ministros da Segunda Turma do STF - Teori Zavascki, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli - entenderam na ocasião que Delcídio se enquadrava na situação de flagrante, por supostamente integrar organização criminosa, considerado um crime de prática permanente pela Justiça. Crimes permanentes são aqueles que continuam ocorrendo, que não são instantâneos.

"O crime de lavagem de dinheiro, pelo qual Cunha é acusado, é inafiançável e pode ser considerado permanente. Aí configuraria o flagrante, como aconteceu com Delcídio", diz Glezer.

O professor considera que, ao citar e justificar a decisão do STF, Moro procurou não entrar em conflito com a Corte. Ele avalia, entretanto, que uma eventual pressão sobre a Corte envolvendo o caso de Cunha poderá ser inevitável.

"Haverá muito pressão, se o (eventual pedido de) habeas corpus (de Cunha) chegar até lá, para que o Supremo não reverta a decisão."

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