Corte de gastos no Brasil está agravando desigualdades, dizem especialistas da ONU
Grupo condenou reduções em programas sociais e restrições orçamentárias; para o governo, críticas são 'infundadas'.
Um grupo de especialistas sobre direitos humanos da ONU cobrou nesta sexta-feira que o Brasil reveja seu programa econômico, afirmando que cortes em programas sociais e restrições orçamentárias estão agravando desigualdades e penalizando os mais pobres.
"Pessoas em situação de pobreza e outros grupos marginalizados estão sofrendo desproporcionalmente por causa de medidas econômicas austeras num país que já foi considerado um exemplo de políticas progressistas para reduzir a pobreza e promover a inclusão social", diz um comunicado assinado pelo grupo, divulgado pelo Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (EACDH).
O texto é assinado por sete especialistas voluntários que compõem uma equipe responsável por Procedimentos Especiais do Conselho de Direitos Humanos da ONU.
O Ministério das Relações Exteriores afirmou em nota que as críticas do grupo são infundadas e que o ajuste fiscal tem sido fundamental para manter e aprimorar políticas sociais.
Cortes em programas sociais
O comunicado dos especialistas da ONU diz que o Brasil já foi um "campeão na luta contra a fome e desnutrição", mas está "dramaticamente revertendo suas políticas para segurança alimentar". Cita ainda cortes no programa habitacional "Minha Casa, Minha Vida" e a redução de um terço nos investimentos previstos para 2018 nas áreas de saneamento básico e acesso à água.
O grupo critica a aprovação da Emenda Constitucional 95, uma das principais iniciativas econômicas da gestão Michel Temer, que limita o crescimento de gastos do governo por 20 anos.
O comunicado menciona dados recentemente divulgados que mostraram a primeira alta na mortalidade infantil no Brasil em 26 anos.
"Esse aumento, atribuído a vários fatores, incluindo a epidemia de zika e a crise econômica, é motivo de séria preocupação, especialmente com as restrições orçamentárias no sistema público de saúde e outras políticas sociais, que comprometem gravemente o compromisso do Estado com a garantia de direitos humanos a todos, especialmente crianças e mulheres."
O grupo diz que algumas decisões econômicas do governo nos últimos anos estão prejudicando "o usufruto de direitos à moradia, comida, água, saneamento, educação, previdência e saúde, e estão agravando desigualdades preexistentes".
Os especialistas afirmam que medidas anunciadas pelo governo para aliviar as consequências dos cortes têm sido insuficientes.
Mulheres e crianças mais vulneráveis
"Mulheres e crianças em situação de pobreza estão entre os mais impactados, assim como afro-brasileiros, populações rurais e pessoas morando em ocupações informais", diz o grupo.
Segundo os analistas da ONU, é um erro acreditar que medidas de austeridade devam ser a única ou primeira solução para problemas econômicos.
"Medidas de austeridade devem ser adotadas somente após uma cuidadosa análise de seu impacto, especialmente porque afetam os indivíduos e grupos mais desfavorecidos."
O grupo defendeu a adoção de "políticas alternativas menos nocivas, como ampliar os impostos sobre os mais ricos antes de pôr um peso ainda maior nos ombros dos mais pobres".
Segundo os especialistas, o governo deve buscar não só a sustentabilidade financeira, mas também a sustentabilidade social.
"Atingir metas macroeconômicas e de crescimento não pode ocorrer às custas de direitos humanos: a economia é serva da sociedade, e não sua senhora", diz o comunicado.
Assinam o texto Juan Pablo Bohoslavsky (Argentina), Léo Heller (Brasil), Ivana Radačić (Croácia), Hilal Elver (Turquia), Leilani Farha (Canadá), Dainius Pūras (Lituânia) e Koumbou Boly Barry (Burkina Faso).
Defesa do ajuste fiscal
O governo brasileiro rejeitou os argumentos do grupo e afirmou que os especialistas não deram "a devida consideração a informações prestadas pelo Brasil".
Em nota divulgada pelo Ministério das Relações Exteriores, o governo diz que "o ajuste das contas públicas tem-se mostrado fundamental para a manutenção e aprimoramento das políticas sociais, entre as quais o programa 'Bolsa Família', o Benefício de Prestação Continuada, o Programa de Aquisição de Alimentos, o Programa Nacional de Apoio à Captação de Água da Chuva e outras Tecnologias Sociais e a Política de Microcrédito Produtivo Orientado".
A nota cita ainda a criação dos programas "Criança Feliz" e Plano "Progredir", e diz que repasses federais na área de asssitência social para Estados e municípios em 2017 tiveram alta de 8% em relação a 2016.
"O necessário reequilíbrio da economia brasileira beneficia, diretamente, as populações de baixa renda e ajuda a reduzir as desigualdades, por meio de maior estabilidade, combate à inflação e saneamento da dívida pública", diz a resposta do governo.