Das ruas para as urnas: os líderes de protestos que migraram para a política neste ano
Do alto de trios elétricos ou à frente de faixas, alguns rostos ficaram conhecidos após tomar a dianteira de protestos populares que reuniram milhões de pessoas nos últimos anos. Agora, algumas dessas pessoas aproveitam a exposição da imagem para tentar fazer sucesso nas urnas eletrônicas.
Membros e participantes assíduos de protestos promovidos pelos movimentos Vem Pra Rua, Brasil Livre (MBL) e Passe Livre (MPL) se candidataram a vereador e até prefeito nas eleições deste ano.
A maior parte dos movimentos evita promover a candidatura de seus membros ou de pessoas que já militaram por suas bandeiras. O MBL - um dos grupos a pedirem o impeachment de Dilma Rousseff em atos de rua -, porém, que possui candidatos em 12 Estados (oito capitais), faz uma forte propaganda eleitoral em suas páginas nas redes sociais.
A foto de capa no Facebook do Brasil Livre faz um apelo explícito: "Vote nos candidatos do MBL".
Mas parte de seus seguidores demonstra sinais de irritação com as publicações. "MBL, vocês estão mandando muito mal com essas propagandas eleitorais (...) Querem perder seguidores…", comentou um deles no Facebook.
À frente dos maiores protestos do MBL, Fernando Holiday (DEM) é o candidato mais beneficiado pelas propagandas eleitorais do movimento. O jovem começou a militar à frente do grupo após fazer vídeo dizendo ser contra as cotas raciais, mesmo sendo negro.
Holiday se tornou uma das principais lideranças do MBL, ao lado de Kim Kataguiri, nas manifestações pró-impeachment. Em agosto deste ano, o jovem foi detido após destruir um banner durante uma homenagem ao líder cubano Fidel Castro na Câmara Municipal de São Paulo. Ele é candidato a vereador em São Paulo.
Procurado, o MBL não comentou o apoio aos candidatos até a publicação desta reportagem.
Isenção
O Movimento Vem Pra Rua, que também ficou conhecido por participar dos maiores protestos contra o governo da ex-presidente Dilma Rousseff em São Paulo, tem membros concorrendo em oito capitais brasileiras nas eleições deste ano.
Mas o líder do Vem Pra Rua, Rogério Chequer, afirmou à BBC Brasil que o movimento não fará nenhuma propaganda para esses candidatos.
"Em primeiro lugar, elas precisam se desligar do movimento para se candidatar a um cargo público. O nosso objetivo é que não exista a tentação de usar um movimento suprapartidário para fazer campanha política. Queremos nos manter isentos para exercer pressão política em todos os partidos sem limitações", afirmou Chequer.
Por outro lado, ele vê as candidaturas com bom olhos porque são "pessoas que nós conhecemos e que estavam alinhadas com os princípios do movimento".
Ele afirmou que não se candidatou porque a carreira política não faz parte de seu plano pessoal. "Eu ainda tenho inúmeros desafios na frente do movimento. Ainda temos muitas bandeiras pelas quais lutar", afirmou.
A advogada e candidata a vereadora em São Paulo Janaina Lima (NOVO) deixou a liderança do Vem Pra Rua antes de se candidatar. "Precisamos preservar o caráter do movimento. Mas se eu perder, vou voltar e continuar engajada nas nossas causas políticas", disse Lima.
Para ela, as manifestações não esfriaram após o impeachment da presidente Dilma Rousseff, mas apenas migraram para as redes sociais, seguindo um novo "novo momento mais digital".
Lima afirma que sua prioridade serão projetos para a periferia paulistana e que se inspira no senador José Reguffe, do Distrito Federal.
Reguffe ficou conhecido após contrariar indicação do PDT e votar a favor do impeachment de Dilma Rousseff. Hoje, ele está sem partido.
No outro lado do espectro politico, o Movimento Passe Livre (MPL), que ficou conhecido após conseguir reverter o aumento da passagem do transporte público em diversas cidades em 2013, não apoia nenhum candidato, mas permite que seus membros sejam ligados a partidos políticos.
"Somos apartidários, mas não antipartidários", disse a militante do MPL Luize Tavares. "Dentro do MPL, essas pessoas não representam nenhum partido e hoje não apoiamos nenhuma candidatura. Mas sabemos que membros que sempre estiveram com a gente em protestos são candidatos e não tem problema", afirmou.
Uma delas é Sâmia Bomfim, que busca ser a primeira vereadora do PSOL em São Paulo. Ela participou de uma série de protestos desde 2008, quando era estudante da USP e figurinha tarimbada nos atos do Passe Livre, depois passou até mesmo a organizar algumas manifestações.
"Eu lutava por cotas e eleições para reitor, mas a gente também ia para as ruas nos atos contra o aumento da tarifa, Marcha das Vadias e em apoio a movimentos de moradia. Me envolvi cada vez mais e recentemente fui uma das organizadoras dos atos contra Eduardo Cunha e contra a cultura do estupro, na Primavera das Mulheres", afirmou à BBC Brasil.
Entre suas bandeiras como candidata, há propostas de mobilidade urbana, contra maus tratos contra animais, contra violência às mulheres e de direitos humanos.
Ampla divulgação
O professor de ciência política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Jairo Nicolau diz que a ligação entre movimentos sociais e candidatos sempre existiu em diversos setores.
"Sindicatos e associações fazem isso, mas nem sempre de forma tão explícita. O que acontece agora é que o maior volume de informação é maior e facilita a ação dessas organizações. Eu ficaria chateado se participasse de um grupo que apoiasse algo que eu não concordasse, mas nada disso é proibido", afirmou o professor.
Nicolau também não vê grandes riscos para os movimentos que vinculam sua imagem aos candidatos. "Isso ocorre muito na Europa, onde há uma forte ligação de sindicatos, por exemplo, com partidos trabalhistas. Algumas organizações, como a igreja, até fazem listas para sugerir seus candidatos. Só não podem doar dinheiro", disse o professor.