Deltan Dallagnol cassado: por que procurador da Lava Jato foi punido pelo TSE
Por unanimidade, ministros do TSE decidiram nesta terça-feira (16) cassar o registro de candidatura de Deltan Dallagnol (Podemos-PR). Relator falou em 'fraude' contra Lei da Ficha Limpa.
Por unanimidade, os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiram cassar o registro de Deltan Dallagnol (Podemos-PR) como deputado federal na terça-feira (16/5).
O relator do caso, o ministro Benedito Gonçalves, afirmou que Dallagnol cometeu uma "fraude" contra a Lei da Ficha Limpa ao pedir exoneração do Ministério Público Federal (MPF) 11 meses antes das eleições, enquanto enfrentava processos internos que poderiam levar à sua demissão — e, em consequência, à sua inelegibilidade.
Gonçalves entendeu que o acusado deixou o cargo para "burlar" a inelegibilidade e disputar as eleições 2022.
"Referida manobra impediu que os 15 procedimentos administrativos em trâmite no CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público] em seu desfavor viessem a ensejar aposentadoria compulsória ou perda do cargo", destacou o ministro.
"Ele se utilizou de subterfúgios para se esquivar de PADs [processos administrativos-disciplinares] ou outros casos envolvendo suposta improbidade administrativa e lesão aos cofres públicos. Tudo isso porque a gravidade dos fatos poderia levá-lo à demissão."
Dallagnol foi o deputado federal mais votado do Paraná, com 344 mil votos.
Ele ainda pode recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) — dois dos ministros do Supremo também são ministros do TSE (Alexandre de Moraes e Carmen Lúcia).
Após a decisão, o ex-procurador se pronunciou pelo Twitter e classificou a sentença como "uma canetada".
"Meu sentimento é de indignação com a vingança sem precedentes que está em curso no Brasil contra os agentes da lei que ousaram combater a corrupção. Mas nenhum obstáculo vai me impedir de continuar a lutar pelo meu propósito de vida de servir a Deus e ao povo brasileiro", escreveu.
A BBC News Brasil procurou a assessoria de imprensa de Dallagnol, mas não obteve resposta.
Em um pronunciamento no Salão Verde da Câmara na quarta-feira (17/5), Deltan Dallagnol disse aos jornalistas que os ministros dos TSE usaram uma "inelegibilidade imaginária" para cassar o mandato dele. O argumento foi o de que não existem processos administrativos disciplinares abertos contra ele. Para ele, o motivo do afastamento foi uma vingança.
"Eu fui cassado por vingança, porque eu ousei enfrentar o sistema de corrupção", afirmou.
"Hoje o sistema da corrupção está em festa", disse. E seguiu dizendo os nomes de quem estaria comemorando o revés dele. "Gilmar Mendes está em festa, Aécio Neves, Eduardo Cunha, Beto Richa estão em festa". E acrescentou: "Perdi o meu mandato porque combati a corrupção. Hoje, é um dia de festa para os corruptos e um dia de festa para Lula".
Ele ainda insinuou que há uma influência do STF na decisão.
"Eles conseguiram que sete ministros superassem decisões e pareceres unânimes anteriores e que me cassaram. Liderados por um ministro, que já disse o ministro Alexandre de Moraes na cerimônia de diplomação de Lula: 'missão dada, missão cumprida'. Liderados por um ministro que, ao encontrar Lula certa vez, disse: 'está tudo em casa'".
344.917 mil vozes paranaenses e de milhões de brasileiros foram caladas nesta noite com uma única canetada, ao arrepio da lei e da Justiça. Meu sentimento é de indignação com a vingança sem precedentes que está em curso no Brasil contra os agentes da lei que ousaram combater a…
— Deltan Dallagnol (@deltanmd) May 17, 2023
A decisão
Em sua decisão, Gonçalves mencionou que o ex-procurador e coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato já havia sido condenado a penas de advertência e censura em dois PADs e que ainda "tinha contra si 15 procedimentos diversos em trâmite no Conselho Nacional do Ministério Público".
Para o relator, outra evidência de que Dallagnol pediu a exoneração para escapar da Lei da Ficha Limpa foi a de que ele solicitou isso 11 meses antes das eleições, sendo que os membros do Ministério Público precisam se afastar apenas seis meses antes do pleito, caso queiram se candidatar para um cargo eletivo.
A Lei da Ficha Limpa está em vigor desde 2010 e prevê critérios para impedir que pessoas condenadas por órgãos colegiados (tribunais de justiça, cortes de contas ou conselhos superiores) possam ser candidatas a cargos eletivos.
Com a decisão do TSE, Dallagnol se tornou o primeiro parlamentar da atual legislatura a ter o mandato cassado.
Os votos que o agora ex-deputado e ex-procurador recebeu no pleito de 2022 serão mantidos em favor de sua legenda, o Podemos.
Caberá ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Paraná executar imediatamente a decisão, segundo o TSE.
A acusação contra Dallagnol partiu do Partido da Mobilização Nacional (PMN) e da Federação Brasil da Esperança, que inclui o Partido dos Trabalhadores (PT). Eles questionavam a regularidade do registro do ex-procurador.
O Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) havia negado o pedido de impugnação do registro da candidatura de Dallagnol. Assim, o grupo de partidos recorreu ao TSE.
O registro da candidatura é pré-requisito para um candidato disputar as eleições.
Para os partidos, dois motivos justificariam a inelegibilidade de Dallagnol:
1) condenação do Tribunal de Contas da União (TCU) por gastos com diárias e passagens de outros procuradores da Lava Jato;
2) pedido de exoneração do MPF enquanto pendentes 15 procedimentos administrativos no Conselho Nacional do Ministério Público, que poderiam levar a penas como aposentadoria compulsória ou demissão.
Em relação ao primeiro item, Benedito Gonçalves afirmou que uma liminar do STF que suspensão dos efeitos do acórdão do TCU que desaprovou as contas dos procuradores afastou a hipótese de inelegibilidade neste ponto específico.
'Estarrecido'
O senador Sergio Moro (União Brasil-PR), ex-juiz que decidiu pela condenação de vários acusados da Lava Jato, inclusive a do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), também foi alvo de um pedido de inelegibilidade por uma tese parecida com a apresentada contra Dallagnol.
Em dezembro, o TSE rejeitou a ação, concluindo que, apesar de haver reclamações contra Moro quando ele pediu sua exoneração, em 2018, nenhuma delas havia sido convertida em procedimento disciplinar e nenhuma delas poderia resultar em penalidades.
Porém, ainda tramita no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) um pedido de cassação contra Moro baseado em supostas irregularidades nos gastos de campanha e a prática de caixa 2 nas eleições do ano passado.
A solicitação está sob segredo de justiça, e foi aberta pelo diretório paranaense do Partido Liberal, mesma sigla do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Na terça-feira, o ex-juiz da Lava Jato reagiu ao resultado do julgamento de Dallagnol pelas redes sociais e lamentou a cassação.
"Estou estarrecido por ver fora do Parlamento uma voz honesta na política que sempre esteve em busca de melhorias para o povo brasileiro. Perde a política. Minha solidariedade aos eleitores do Paraná", escreveu.
Ele não foi o único a comentar o caso. O ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), usou uma citação bíblica ao comentar a decisão do TSE, dedicando-a ao presidente Lula. "Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados!", escreveu.
Dino também apontou que foi de sua autoria a emenda na Lei da Ficha Limpa que permitiu a cassação do mandato de Dallagnol.
A proposta foi feita pelo ministro em 2010, quando ele era deputado. "Mas juro que não viajo no tempo, antes de que disso me acusem", escreveu Dino.
Alvos da operação Lava-Jato, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) e o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PTB) comemoraram a cassação.
"Tchau, querido", escreveu Cunha.
Já Calheiros chamou Dallagnol de "pivete" e disse que a "Justiça tarda, mas não falha".
Defesa da Ficha Limpa e suposta perseguição
A perda do mandato de Dallagnol com base na Lei da Ficha Limpa causa curiosidade no meio jurídico.
Um dos principais motivos para isso é o fato de que, enquanto procurador, ele fez inúmeras defesas da regra.
A partir de 2015, Dallagnol passou a liderar um movimento de coleta de assinaturas para que tramitasse na Câmara dos Deputados uma série de projetos de lei que ficaram conhecidas como "10 medidas" contra a corrupção.
Dallagnol defendia a adoção do pacote como uma das formas de melhorar os mecanismos de combate à corrupção no país. Na época, ele costumava citar a tramitação da Lei da Ficha Limpa como um dos exemplos para o projeto.
Assim como as "10 medidas", a Lei da Ficha Limpa também chegou ao Congresso Nacional a partir da coleta de assinaturas de cidadãos comuns e foi defendida por ele como um exemplo de mobilização popular contra a corrupção.
No dia 18 de março de 2016, Dallagnol postou um vídeo ao lado do ex-juiz Marlon Reis, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, pedindo assinaturas para que o pacote das "10 medidas" fosse levado ao Parlamento.
"Assine você também, apoie, vamos mudar nosso país, alcançar nosso sonho de ter um país livre da corrupção e da impunidade", dizia Dallagnol ao fim do vídeo.
A reportagem entrou em contato com o escritório de advocacia de Maron Reis para que ele comentasse sobre o caso.
Segundo o escritório, o idealizador da Lei da Ficha Limpa estaria viajando e retornaria a ligação quando possível. Até o fechamento desta reportagem, Reis não entrou em contato.
O advogado Luiz Fernando Pereira afirmou antes do anúncio da decisão final que a possibilidade de Dallagnol perder o mandato com base na Lei da Ficha Limpa seria uma "ironia do destino".
"É uma ironia do destino porque ele sempre defendeu essa lei, apesar das várias críticas que muitos operadores do direito têm em relação a ela. Apesar de ela, aparentemente ter uma boa intenção, ela vai na contramão do direito internacional ao criar muitas regras para restringir os direitos à elegibilidade", diz o advogado.
À BBC News Brasil, Dallagnol disse, também antes da publicação do resultado final do julgamento, não ver "ironia" no fato de a lei que ele tanto defendeu estar sendo usada contra ele.
"Eu não colocaria como uma ironia. (A lei da Ficha Limpa) é algo que eu sempre vou defender, mas eu não estava lá quando houve o movimento (para a aprovação da lei)", disse o deputado.
O ex-procurador disse ainda que a ação movida contra ele é uma forma de ataque supostamente perpetrado pelo PT por conta de sua atuação durante a Lava Jato.
"Na minha leitura, isso é uma tentativa do PT me derrubar, mas não se trata só do Deltan. Para eles, é uma tentativa de resgate e de redenção política do Lula. É uma forma de impor uma narrativa de que a Lava Jato foi, na realidade, uma perseguição política e não uma tentativa de construir um país mais justo e sem corrupção", completou o parlamentar.
Desde o início da Operação Lava Jato, lideranças do PT se posicionaram contra as ações da Força Tarefa de Curitiba.
As críticas aumentaram depois que uma série de reportagens que ficou conhecida como "Vaza Jato", em 2019, revelou supostos diálogos mantidos entre Dallagnol, procuradores e Sergio Moro ao longo da operação.
Segundo as reportagens, Moro e procuradores da Lava Jato teriam atuado de forma conjunta na condução de alguns casos, o que seria irregular uma vez que violaria o princípio da parcialidade.
Na época, Dallagnol e Moro negaram qualquer irregularidade no episódio.