Denúncia criminal contra Bolsonaro 'é muito provável', dizem criminalistas
Para professores ouvidos pela BBC News Brasil, relatório da PF reuniu indícios consistentes de tentativa de golpe.
O indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e mais 36 pessoas pela Polícia Federal (PF), suspeitos de planejar um golpe de Estado, apresenta acusações robustas e provavelmente vai gerar uma denúncia criminal contra os investigados, segundo criminalistas entrevistados pela BBC News Brasil.
O relatório final das investigações, com 884 páginas, reúne indícios de como o grupo pretendia evitar a posse de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente em janeiro de 2023 para manter Bolsonaro no poder e convocar novas eleições.
Segundo a PF, o plano envolveria até a possibilidade de matar Lula, seu vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A PF diz ainda que a tentativa só não foi levada adiante devido à falta de apoio dos então comandantes do Exército (general Freire Gomes) e da Aeronáutica (tenente-brigadeiro Baptista Júnior) — em contraste com o endosso recebido do comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, ao plano golpista.
O relatório da PF foi enviado nesta terça-feira (26/11) para a Procuradoria-Geral da República (PGR) por Moraes, relator das investigações no STF.
Agora, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, vai avaliar se há elementos suficientes para apresentar uma denúncia criminal contra os investigados no Supremo ou se é preciso mais investigações.
Caso haja denúncia, o STF decidirá se autoriza o início de um processo, que poderá levar a condenações criminais e eventuais prisões.
Para os criminalistas Mauricio Dieter, professor da Universidade de São Paulo (USP), e Celso Vilardi, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), é "muito provável" que os investigados sejam denunciados, inclusive Bolsonaro.
"Eu diria que é extremamente provável uma denúncia, porque, no mundo jurídico que a gente vive, raramente você vê indiciamentos com contornos tão nítidos como esse", disse Dieter à reportagem.
O professor lista elementos que dão densidade à investigação, como a análise da movimentação dos suspeitos pelo rastreamento dos celulares; as informações trazidas pela delação premiada do Mauro Cid, então ajudante de ordens de Bolsonaro; os depoimentos dos comandantes do Exército e da Aeronáutica implicando Bolsonaro; e documentos prevendo as etapas do suposto golpe.
Segundo Dieter, o fato de Moraes ter encaminhado o relatório à PGR indica que o ministro não viu ilegalidades na investigação da PF.
"Estamos falando aqui de uma investigação muito criteriosa, com georreferência [dos celulares], com delação premiada, com testemunhos robustos, com coerência de narrativa, com áudios degravados, com linha do tempo bem definida, com divisão de tarefas, com documentos recuperados, com transferência de valores", lista o professor da USP.
"Há evidências sólidas, inclusive contra Bolsonaro. Se não houver denúncia, a gente vai dizer assim: 'bom, esse é Ministério Público mais criterioso do mundo e não é Ministério Público o brasileiro'", ressaltou.
Celso Vilardi, da FGV, ressalta que a apresentação da denúncia criminal não demanda provas cabais da atividade criminosa, mas a existência de indícios suficientes de autoria do crime.
É somente no processo criminal, que se inicia após eventual recebimento de denúncia, que ocorre a produção de provas, com espaço para a defesa rebater as acusações.
Por isso, ele também avalia que existem elementos suficientes para a PGR denunciar os suspeitos, inclusive Bolsonaro.
"É muito provável que o procurador vá acolher o relatório da Polícia Federal, se não no todo, mas na maior parte", disse Vilardi à BBC News Brasil.
Embora a PF não tenha identificado uma gravação ou mensagem de Bolsonaro falando expressamente no plano golpista, o professor considera importante outros elementos, como os depoimentos dos comandantes do Exército e da Aeronáutica, apontando a participação do então presidente.
"Eu acho que não é possível se falar em cogitação [de golpe de Estado]. Por tudo o que vi até agora, considero que há presença de indícios consistentes, sim, de uma tentativa de golpe", reforça.
A BBC News Brasil procurou a defesa de Bolsonaro e solicitou um posicionamento do ex-presidente, mas nenhuma resposta foi enviada até o momento.
Entende as acusações da PF contra Bolsonaro
Os detalhes da investigação da PF se tornaram públicos na terça-feira (26/11), após Moraes derrubar o sigilo do relatório final.
No documento, a polícia apontou Bolsonaro como líder da organização criminosa que planejou um golpe de Estado para mantê-lo no poder após a derrota nas eleições de 2022.
"Os elementos de prova obtidos ao longo da investigação demonstram de forma inequívoca que o então presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, planejou, atuou e teve o domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa que objetivava a concretização de um Golpe de Estado e da Abolição do Estado Democrático de Direito", diz o relatório.
Em outro ponto do documento, a PF descreve o suposto papel de liderança de Bolsonaro sobre a organização.
"O arcabouço probatório colhido indica que o grupo investigado, liderado por Jair Messias Bolsonaro, à época presidente da República, criou, desenvolveu e disseminou a narrativa falsa da existência de vulnerabilidade e fraude no sistema eletrônico de votação do País desde o ano de 2019, com o objetivo de sedimentar na população a falsa realidade de fraude eleitoral", diz outro trecho do relatório.
Segundo a PF, essa narrativa tinha dois objetivos.
"Primeiro, não ser interpretada como um possível ato casuístico em caso de derrota eleitoral e, segundo e mais relevante, ser utilizada como fundamento para os atos que se sucederam após a derrota do então candidato Jair Bolsonaro no pleito de 2022", complementa o documento.
O documento também diz que Bolsonaro teria tido conhecimento do plano elaborado por aliados com o objetivo de assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB). O plano, segundo a PF, foi batizado de "Operação Punhal Verde e Amarelo". Na semana passada, a polícia deflagrou uma operação sobre o caso.
"As evidências colhidas, tais como os registros de entrada e saída de visitantes do Palácio do Alvorada, conteúdo de diálogos entre interlocutores de seu núcleo próximo, análise de ERBs (antenas de telefonia celular), datas e locais de reuniões, indicam que Jair Bolsonaro tinha pleno conhecimento do planejamento operacional (Punhal Verde e Amarelo), bem como das ações clandestinas praticadas sob o codinome Copa 2022", diz o relatório.