'Descobri um mês depois do parto que minhas gêmeas têm síndrome de Down'
Casal teve de fazer exames logo após o nascimento das filhas para descobrir que elas têm a síndrome; caso é considerado raro.
Uma sequência de notícias inesperadas mudou completamente a vida do casal Ellen de Souza e Willams Ferreira a partir dos últimos meses de 2013.
Eles, que na época namoravam havia dois anos, souberam que seriam pais. "Eu tomava anticoncepcional corretamente e não planejávamos ter um filho naquele momento", diz a mulher.
Dois meses depois, outra notícia surpreendeu o casal: eram gêmeos idênticos (univitelinos). "Há vários casos de gêmeos na minha família, mas não acreditava que também fosse acontecer comigo", comenta Ellen.
A terceira surpresa, que o casal define como a mais difícil, veio no primeiro mês de vida das filhas: um exame apontou que as duas têm síndrome de Down.
"Confesso que fiquei arrasada quando soube, porque tinha muito medo do que isso poderia significar em nossas vidas", revela Ellen. "Quando recebemos a notícia, foi um impacto muito forte. Tivemos um pouco de medo, pois pensamos em como seria o futuro delas", completa Willams.
Passados mais de cinco anos desde que Helena e Heloísa nasceram, em 9 de maio de 2014, Ellen e Willams consideram as garotas seus maiores presentes. "O medo que tivemos foi apenas no começo. Logo passou esse temor, porque sabíamos que as nossas filhas precisariam muito da gente", diz Ellen.
O nascimento de Helena e Heloísa é considerado um fato raro. Isso porque estudos apontam que, aproximadamente, um a cada 700 ou 800 partos no Brasil é de uma criança com síndrome de Down. Não há dados oficiais, mas especialistas acreditam que menos de 0,5% dos nascimentos de crianças com a síndrome seja de gêmeos — desses, apenas um terço deles são univitelinos, como no caso das meninas, quando os dois bebês possuem a característica genética.
A síndrome de Down é uma alteração genética caracterizada pela presença de três cromossomos 21 nas células do indivíduo. Aqueles que possuem a característica têm, ao todo, 47 cromossomos nas células, enquanto a maior parte da população tem 46.
Estimativas apontam que no Brasil há, aproximadamente, 300 mil pessoas com trissomia do cromossomo 21, como também é conhecida a síndrome.
Gestação e nascimento
Ellen, hoje com 27 anos, descobriu a gravidez enquanto estava na metade do curso de fisioterapia. Ela planejava concluir a graduação para que depois pudesse ser mãe. "Quando descobri a gestação, tive de mudar todos os meus planos, principalmente quando soube que eram gêmeas", revela.
Os exames de pré-natal apontaram que ela estava grávida de duas meninas, mas não indicaram a síndrome. "Nunca imaginei que elas poderiam ter Down", diz Ellen.
As garotas nasceram duas semanas antes de a mãe completar os nove meses de gestação. Dias depois de as recém-nascidas irem para casa, uma das médicas ligou para Ellen. "Ela me disse que as minhas filhas deveriam fazer um exame, porque as duas pediatras que estiveram no parto suspeitaram que elas poderiam ter síndrome de Down", explica a mãe.
A família mora em João Pessoa, na Paraíba. Os materiais colhidos das recém-nascidas foram encaminhados a São Paulo, onde passaram por análise. Um mês depois, os resultados dos exames confirmaram a síndrome.
"Quando soube, chorei muito. Cheguei em casa, olhei para elas e pensei que não queria mais ser mãe. Foi como um momento de luto. Mas toda essa sensação ruim durou uma hora, mais ou menos. Logo que elas choraram, eu corri para cuidar delas", diz Ellen.
A partir de então, a dedicação do casal para cuidar da filha passou a ser intensa. "A gente sabia que elas precisariam de muita ajuda para que pudessem se desenvolver", diz a mãe.
Pediatra e geneticista, Patrícia Salmona, presidente do departamento científico de genética da Sociedade de Pediatria de São Paulo, explica que para que uma criança com síndrome de Down possa se desenvolver é fundamental que os pais façam estimulação precoce. "A gente indica acompanhamento com fonoaudiólogos e fisioterapeutas, além de terapia ocupacional", diz.
"Essas crianças precisam passar por exames, como avaliações cardiológicas, porque metade das pessoas com síndrome de Down tem cardiopatia. Também é importante avaliar a visão e a audição dessas crianças", diz a especialista.
Salmona ressalta que pode haver casos, como o de Ellen, em que as mães descobrem que o filho possui a síndrome somente após o nascimento da criança. "Há até 80% de chances de a mãe descobrir durante a gestação, se fizer o pré-natal adequado, com exames que possam identificar a característica. Mas ainda assim, há uma pequena porcentagem de casos, em torno de 20% ou 30%, em que a síndrome acaba passando batido, porque a criança não tem alterações, como a cardiopatia, que possam estar relacionadas à síndrome de Down. Por isso, há situações em que o diagnóstico vem somente depois do nascimento", pontua a médica.
O desenvolvimento das gêmeas
Ellen comenta que as filhas costumam ter dificuldades para se desenvolver. "Elas demoram mais que outras crianças para aprender coisas do cotidiano. Por exemplo, a Helena andou com onze meses. Já a Heloísa deu os primeiros passos somente aos dois anos", diz.
"Penso que se elas não tivessem a síndrome, estariam falando mais e talvez não tivessem tanta dificuldade para formar frases. Mas, apesar disso, não vejo muitas diferenças entre ter filhas com Down ou não", acrescenta a mãe.
"Esse comprometimento (cognitivo) varia conforme o estímulo recebido pela criança ao longo da vida. Quanto mais estímulos, mais ela evolui", diz Patrícia Salmona.
As garotas estão em uma escola regular de João Pessoa, em fase de alfabetização. A mãe revela que há algumas dificuldades em comparação com os colegas de turma. "Mas a Helena está indo muito bem. Sabe até contar e cantar em inglês", conta.
Autismo
Há um ano, Heloísa também foi diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista (TEA), em grau leve. "Essa é mais uma dificuldade, mas nada que a impeça de evoluir", afirma Ellen.
Pesquisas apontam que as chances de uma pessoa com síndrome de Down ter autismo são maiores do que a população em geral. "Os estudos consideram que o risco de autismo na população geral é de, mais ou menos, 1%. Já entre as pessoas com Down, o risco é um pouco maior, corresponde de 5% a 10% de chances", diz Salmona.
"É importante dizer que o autismo e a síndrome de Down são completamente diferentes. Uma das diferenças é que as pessoas com síndrome de Down são sociáveis, enquanto aquelas com Transtorno do Espectro Autista não são", explica a médica.
Heloísa e a irmã fazem acompanhamento com fonoaudióloga, psicóloga e fisioterapeuta de duas a três vezes por semana. Em casa, a mãe também auxilia as filhas em atividades para que elas possam se desenvolver.
"Cada aprendizado delas é uma grande vitória para a gente. Mesmo com algumas dificuldades, elas estão aprendendo cada dia mais", comemora o pai das garotas.
O cotidiano e o futuro
Helena e Heloísa são descritas pelos pais como alegres e muito carinhosas. "Em todos os lugares que elas vão, as pessoas ficam encantadas, porque são muito amorosas", diz Ellen. Entre as atividades preferidas delas estão brincar de bonecas e com brinquedos educativos. A convivência entre as duas é típica entre irmãos e, às vezes, acaba em briga.
"Uma puxa o cabelo da outra e elas acabam brigando. Mas elas ficam, na maior parte do dia, abraçadas ou brincando", conta a mãe.
A fisioterapeuta afirma que teme que as filhas enfrentem preconceito. "Elas são muito novas e sequer entendem que têm síndrome de Down. Nós tememos que elas sejam discriminadas por essa condição. Hoje em dia as pessoas entendem mais sobre o assunto, mas ainda existe preconceito", declara.
Ellen retomou os estudos pouco após o nascimento das crianças e se formou em fisioterapia. Hoje se divide entre os cuidados com as garotas e o trabalho — ela atende pacientes em domicílio. O pai das gêmeas é técnico em climatização. As meninas passam os dias entre a escola e a casa de uma das avós, até os pais voltarem de seus trabalhos.
Os pais revelam que o principal objetivo deles é que as garotas possam se desenvolver o suficiente para que possam ter um futuro melhor e sem grandes dificuldades.
"Quero que elas estudem, se formem e tenham suas famílias. Hoje em dia a gente vê, apesar das dificuldades, muitas pessoas com síndrome de Down conseguindo se formar, trabalhar e ser independentes. O meu maior desejo é que elas sejam assim também", afirma Ellen.