Discurso agressivo de Bolsonaro na ONU não altera posição difícil do Brasil no exterior
Enquanto o núcleo mais próximo ao presidente Jair Bolsonaro comemorava seu desempenho na ONU, a avaliação mais geral --e mesmo em alguns setores do governo-- foi de que, na melhor das hipóteses, o tom agressivo do discurso vai deixar inalterada a atual imagem do governo brasileiro no exterior.
Diplomatas ouvidos pela Reuters em condição de anonimato contam que a expectativa era de que o discurso terminasse no empate para o Brasil, sem piorar a já difícil situação do país, ameaçado de boicotes e criticado por governos e entidades especialmente pelo desmatamento e queimadas na Amazônia.
Mas depois dos 31 minutos de fala de Bolsonaro, as opiniões se dividiram.
"Acredito que foi inócuo. Ele basicamente levou para a ONU falas que já havia feito", disse uma das fontes ouvidas pela Reuters.
Um outro experiente diplomata também acredita que nada deve mudar no front externo para o país depois de Bolsonaro abrir a sessão de debates da Assembleia Geral das Nações Unidas nesta terça-feira, como cabe todos os anos ao presidente do Brasil.
"É um discurso coerente com sua visão do Brasil e do mundo. A verdade é que nada se acrescentou ao status quo", afirmou, lembrando que não existe uma plano de política externa brasileira além de algumas intenções. "E estão faltando bons modos", completou.
Outra fonte com experiência em questões internacionais classificou o discurso como um resumo de posições panfletárias da chamada "alt right", que alguns se referem apenas como uma nova extrema-direita, mas que não trouxe nem mesmo uma linha do que deveria ser a política externa brasileira nos próximos anos.
Uma fonte da equipe econômica foi mais generosa na avaliação da fala do presidente e disse que o discurso sedimentou a mensagem de um líder liberal-democrata conservador em questões de costumes. Temas caros ao time do ministro da Economia, Paulo Guedes, foram mencionados como a identidade entre liberdade política e econômica, além de privatizações, redução do tamanho do Estado e abertura econômica, o que agradou a equipe.
A fonte avaliou, em condição de anonimato, que o discurso também trouxe uma mensagem de desenvolvimento sustentável para a Amazônia e uma postura de tolerância zero que se estende a crimes ambientes, marcando posição em relação à saraivada de críticas direcionadas ao país por conta das queimadas na região.
Para essa fonte, as palavras do presidente marcaram também a abrangência da política externa e objetivos comerciais do Brasil ao relacionar viagens que serão feitas para o Extremo Oriente --China e Japão-- e para países árabes no Oriente Médio.
CONTRADIÇÕES
No entanto, para outras fontes ouvidas pela Reuters faltou justamente uma linha clara para a política externa brasileira, que de praxe é apresentada ao mundo pelo presidente brasileiro em seu primeiro discurso na ONU.
Essa omissão, a não admissão dos problemas na Amazônia e um discreto desprezo aos países europeus --citados em último lugar entre aqueles que o presidente gostaria de visitar para melhorar a relação--, além dos ataques à mídia nacional e internacional - são apontados por fontes como os pontos que devem ficar marcados do discurso de Bolsonaro na ONU.
"Ganharam força todos aqueles que, mundo afora, defendem sanções e punição econômica como única forma de reverter a política ambiental do governo do Brasil. Baita desserviço aos interesses do país", analisou o professor de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas Matias Spektor.
Organizações não governamentais, citadas mais uma vez como inimigas pelo presidente, reagiram também com críticas ao discurso. O Observatório do Clima afirmou, em nota, que Bolsonaro apostou "no divisionismo, no nacionalismo e no ecocídio".
"O presidente mais uma vez envergonhou o Brasil no exterior ao abdicar a tradicional liderança do país na área ambiental em nome de sua ideologia. Não fez nada para tranquilizar investidores, nem para aplacar o clamor crescente por boicote a produtos brasileiros. Põe em risco o próprio agronegócio que diz defender."
Em nota, o Greenpeace afirmou que Bolsonaro é um problema, e não a solução.
"A fala do presidente sobre meio ambiente foi uma farsa. Bolsonaro tentou convencer o mundo que protege a Amazônia, quando, na verdade, promove o desmonte da área socioambiental, negocia terras indígenas com mineradoras estrangeiras e enfraquece o combate ao crime florestal" diz o texto.
A presidente da Anistia Internacional, Jussara Werneck, afirmou, também em nota, que o presidente perdeu a oportunidade de enviar uma "mensagem sincera", e reconhecer seus erros.
"Apesar de o presidente, em seu discurso, ter reafirmado o compromisso com os mais altos padrões de direitos humanos, ele, contraditoriamente, ataca parte da sociedade civil, inclusive ONGs, imprensa e lideranças indígenas", criticou Werneck.
"Sabemos que o Brasil é um ambiente perigoso para defensores e defensoras dos direitos humanos e acreditamos que o trabalho da imprensa é fundamental para a promoção e garantia dos direitos humanos, fiscalizando e denunciando suas violações."
"CORAJOSO E VERDADEIRO"
Dentro do núcleo mais próximo de Bolsonaro, no entanto, o discurso foi comemorado como "soberano", "altivo" e "de estadista".
"Presidente Jair Bolsonaro fez discurso altivo, corajoso, verdadeiro e soberano", escreveu o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, em suas redes sociais.
O ministro da Secretaria de Governo, Luiz Ramos, afirmou que o discurso do presidente mostrava "uma nova postura, baseada nos valores mais sagrados da nossa cultura judaica-cristã".
Em discurso no Rio de Janeiro em um evento no Clube Militar, o vice-presidente Hamilton Mourão também saiu em defesa do presidente.
"O presidente foi incisivo, explícito, direto e soberano perante a Assembléia Geral da ONU. A Amazônia não é o pulmão do mundo, não é patrimônio da humanidade, a Amazônia é patrimônio nosso e é brasileira. Compete a nós preservá-la e protegê-la", disse Mourão.