'É bem traumático': entregadores relatam sequência de assaltos e pensam em abandonar profissão
Em 2022, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) registrou mais de 143 mil ocorrências de roubo, um aumento de 11,93% em relação ao ano anterior. Quando comparado ao ano de 2019, período pré-pandemia, o aumento é de 2%.
Em janeiro deste ano, dois homens se aproximaram do entregador Renan de Lira Rodrigues e anunciaram um assalto. Rodrigues, de 41 anos, discutiu com os criminosos. Com a chegada de outros carros e motoristas, os assaltantes fugiram levando apenas a chave da moto que a vítima usava para fazer uma entrega em Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo.
"Dia 16 de janeiro, eu estava na minha casa e recebi uma ligação da polícia falando que tinha prendido esses ladrões. Fui na delegacia reconhecer os infratores, mas, infelizmente, o que reconheci era menor de idade, e sabe como são as coisas… Ele assinou um termo na delegacia e saiu pela porta da frente", conta ele.
Dessa vez, o prejuízo de Renan foi apenas a chave, mas ele já teve a moto, carteiras, objetos pessoais e documentos roubados em ao menos outros cinco assaltos e diversas tentativas de furto que sofreu nos últimos anos na Grande São Paulo. A BBC News Brasil conversou com motociclistas que se dizem amedrontados e até pensam em mudar de profissão por conta do alto número de roubos.
Em 2022, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) registrou 143.936 ocorrências de roubo, um aumento de 11,93% em relação ao ano anterior. Quando comparado ao ano de 2019, no período pré-pandemia quando não havia nenhuma restrição à circulação de pessoas, o aumento é de 2%.
Há 15 anos trabalhando como motofretista, Renan conta que em 2020 foi assaltado e os criminosos levaram a moto e toda a mercadoria que estava no baú quando ele trabalhava para uma empresa de produtos odontológicos. No entanto, a moto parou e ele recuperou o veículo e os objetos.
O assalto mais traumático ocorreu antes da pandemia, quando ele fazia uma entrega no Itaim Paulista, no extremo leste da capital.
"Consegui recuperar a moto, porém perdi todos os pertences, inclusive a mercadoria do aplicativo. Dessa vez, foi bem assustador porque os ladrões eram bem jovens e disseram que me matariam se eu não entregasse a moto. Mas nada disso aconteceu", conta ele.
Renan disse que não pensa em mudar de profissão, mas diz que tem medo de trabalhar e sempre recorda das vezes que foi assaltado.
"É bem traumático. Você se sente um lixo, um nada. Sua vida não vale nada na mão dessas pessoas. Você sai de casa e não tem certeza se vai voltar", afirma ele à reportagem.
Ele disse que, além dos assaltos, sofreu uma série de tentativas de furto e que demoraria "o dia todo falando", caso tentasse relatar todos os casos. Ele conta que apenas enquanto a moto estava estacionada em um bolsão no centro de São Paulo foram três tentativas. Felizmente, ele conta que o prejuízo foi pequeno e ele precisou apenas trocar o miolo da chave.
Procurada, a SSP informou por meio de nota que "tem conhecimento da situação e ressalta que o combate à criminalidade em São Paulo é uma das prioridades da atual gestão, que determinou o reforço no policiamento em todo o Estado por meio da Operação Impacto, com o objetivo de ampliar a ação ostensiva, potencializar a percepção de segurança e reduzir os indicadores criminais, por meio de reforço operacional direcionado e do planejamento estratégico baseado no uso de inteligência policial e geoprocessamento de dados".
A pasta informa ainda que, desde o dia 11 de janeiro, a "Operação Impacto" deteve 934 pessoas, apreendeu 49 armas de fogo e uma tonelada de droga até o dia 26, apenas em São Paulo.
Receptação
Cientista político e ex-subsecretário nacional de Segurança Pública, Guaracy Mingardi afirma que esse aumento de roubos ocorre de forma generalizada em todas as regiões do país e se ampliou após a pandemia da covid-19.
"Aumentou muito o número de entregadores. Hoje, você vê muito mais motoboys na rua. O criminoso ataca sempre onde é mais fácil. Roubar um motoboy na periferia não é difícil porque ele dificilmente vai reagir. E furtar uma moto estacionada nas áreas mais centrais é mais rápido e fácil do que um carro. Os crimes acontecem em todos os locais. O ladrão só se adapta", afirma o especialista.
Para Mingardi, que também é membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o mais importante para evitar novos crimes é que a polícia invista mais em investigação, principalmente para identificar os receptadores desses veículos roubados.
"Não adianta ficar atrás de ladrão de moto. Tem que prender o receptador, principalmente o que compra para revender. E, para isso, precisa de investigação porque eles não serão pegos em batidas da PM. Elas são importantes e deveriam ter muito mais porque só funcionam nos primeiros 15 minutos. Depois disso, avisam pelo rádio e não passam mais por ali", diz Guaracy Mingardi.
O especialista em segurança pública ainda ressalta que os policiais que participam dessas blitze também devem ser mais treinados para identificar motos que tenham peças roubadas.
"Tem que treinar o policial para ver se o chassis não tem número frio, se a numeração das peças bate com a do motor etc. Essas ações fizeram diminuir o roubo de carros. Tem que ter estratégia e tática, inclusive para negociar com pessoas presas para identificar os mandantes e receptadores", diz Mingardi.
Choro
No dia 20 de janeiro, Pablo Lyncoln publicou em sua conta no Instagram um vídeo no qual ele aparece chorando após ter a moto roubada por dois homens armados. Desesperado após ver os bandidos levarem o veículo que ele usava para trabalhar, ele faz um apelo.
"Acabaram de roubar minha moto aqui trampando (trabalhando). Eu vou deixar nos próximos stories (a placa e informações da moto). Quem puder compartilhar ou souber de alguma fita, dá um salve aqui por favor", afirma.
Na manhã de quarta-feira (1º/ 3), o rapaz ainda não tinha localizado o veículo que usa para trabalhar.
Após ter sido assaltado três vezes em menos de um ano, Gabriel (nome fictício), de 38 anos, diz que pretende mudar de profissão. Ele disse que os constantes traumas o fizeram começar um curso de elétrica para trabalhar em uma área que considera mais segura.
"Eu penso muito nos meus dois filhos pequenos. Eu não posso ficar em algo que coloque em risco não só a minha vida, mas também a renda da minha família, que depende do meu trabalho para comer", afirmou.
Ele diz que o que o deixa ainda mais triste é que dois desses três roubos que sofreu no último ano ocorreram no mesmo bairro onde ele mora, na Zona Sul de São Paulo.
"A última vez foi a dois quarteirões da minha casa, quando eu chegava do trabalho de madrugada. Levaram minha moto, meu celular e minha carteira. Cheguei em casa só com a mochila de entrega e completamente desolado. Por sorte, minha moto tinha seguro. Mas não quero mais passar por isso. Vou tentar tomar um novo caminho na minha vida o quanto antes".