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'É como estar numa prisão', diz brasileira em Londres após 40 países fecharem portas para Reino Unido

'Estou na minha casa. Há 10 meses, eu não sei o que é Londres', diz publicitária que vive há 7 anos na cidade.

21 dez 2020 - 20h27
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'Há 10 meses, eu não sei o que é Londres', diz brasileira que vive na capital inglesa há 7 anos
'Há 10 meses, eu não sei o que é Londres', diz brasileira que vive na capital inglesa há 7 anos
Foto: Arquivo pessoal / BBC News Brasil

A publicitária paulista Thais R. mora em Londres há 7 anos e nunca se sentiu isolada vivendo em uma das capitais mais cosmopolitas do planeta. Até 2020.

"As pessoas falam: 'Ah, mas você está em Londres'", conta a brasileira, citando conversas sobre as dificuldades da pandemia com amigos e parentes que vivem no Brasil.

"E eu respondo: 'Não, não estou! Eu estou na minha casa'. Há 10 meses, eu não sei o que é Londres."

Desde o último fim de semana, este incômodo alimentado por meses de idas e vindas de medidas mais ou menos restritivas como resposta ao novo coronavírus ganhou novas definições no lar da brasileira.

"Claustrofobia", "bloqueio", "isolamento", "prisão".

À BBC News Brasil, ela diz obedecer às regras de isolamento social conforme elas são anunciadas pelo governo.

Londres passou por 3 níveis distintos de restrições nas últimas semanas — da imposição de consumo de alimentos junto a bebidas em pubs, no mais leve, ao fechamento total do comércio. Desde o início da pandemia, a brasileira, que trabalha em uma agência de marketing inglesa, tem trabalhado de casa.

Quando sai, opta por lugares abertos.

"Sair eu até saio, mas não é como era antes. Eu vou a parques, mas a vida aqui é mais do que isso", diz a paulista de 34 anos nascida em Suzano.

Em uma conferência de imprensa extraordinária no último sábado (19), o primeiro-ministro Boris Johnson anunciou que uma nova variante do coronavírus, 70% mais transmissível que o vírus original, se espalha aceleradamente em diferentes partes do país.

No domingo, o secretário de Saúde Matt Hancock disse que a mutação do vírus está "fora de controle". Na segunda (21), até o fechamento desta reportagem, mais de 40 países haviam decidido fechar as portas para viajantes vindo do Reino Unido, em uma tentativa de conter a expansão da ainda pouco conhecida nova variante do vírus.

"Agora, a sensação é como estar numa prisão", diz Bragheroli à reportagem. Pela segunda vez, ela teve que cancelar planos de visitar a família no Brasil.

Pandemia e Brexit

Desde domingo, Londres, o sudeste e o leste da Inglaterra entrarão em um novo nível de restrições
Desde domingo, Londres, o sudeste e o leste da Inglaterra entrarão em um novo nível de restrições
Foto: Reuters / BBC News Brasil

"Aqui em Londres, eu sempre tive a facilidade de, se fosse preciso, pegar um avião a qualquer momento e ir para o Brasil. Ou ir para qualquer parte da Europa", lembra a brasileira.

"Agora eu sinto um isolamento. E também tem o Brexit e toda essa indefinição. É uma coisa em cima da outra, as pessoas até ligam para saber como estou. Esse é o problema de estar em uma ilha", diz.

Sim, além de lidar com a nova variedade do vírus e hospitais ficando cheios em velocidade recorde, o Reino Unido ainda enfrenta a possibilidade de não haver consenso com líderes europeus nas negociações sobre a saída do país da União Europeia.

Se não houver um acordo comercial até o próximo dia 31, a possibilidade de altas recordes de preços e escassez de alimentos, uma retração econômica ainda maior que a gerada pela pandemia e restrições a viagens para a Europa já era objeto de manchetes alarmantes e falas sobre caos ao noticiário britânico.

No parlamento britânico, há discussões sobre a decisão, que já foi postergada diversas vezes, poder ser novamente cancelada e ficar para o ano que vem em meio à escalada da pandemia no Reino Unido.

Um dia antes de anunciar a mutação do vírus, Boris Johson citou dificuldades "sérias" nas negociações para um acordo comercial pós-Brexit, após telefonema com a chefe da Comissão da UE, Ursula von der Leyen.

Ele disse que "o tempo era curto" e que um cenário sem acordo era "muito provável", a menos que a posição da União Europeia recuasse. De outro lado, Von der Leyen disse que seria "muito desafiador" superar as "grandes diferenças" existentes entre os dois lados.

Proibições de viagens

'Se eu fosse algum outro país, tomaria uma decisão parecida, até que se entenda o que é essa nova variante', diz brasileira
'Se eu fosse algum outro país, tomaria uma decisão parecida, até que se entenda o que é essa nova variante', diz brasileira
Foto: Arquivo pessoal / BBC News Brasil

Até a publicação desta reportagem, mais de 40 países já haviam proibido a chegada de pessoas vindas do Reino Unido por conta de preocupações com a disseminação da nova variante do coronavírus.

Apesar de suspensos em países em todo o mundo, incluindo Espanha, Índia, Marrocos, Rússia, Alemanha, Argentina e Hong Kong, os voos vindos do Reino Unido ainda chegam normalmente ao Brasil.

No domingo à noite, a França fechou completamente sua fronteira marítima com o Reino Unido por 48 horas.

Apesar das dificuldades de circulação, a brasileira diz entender e apoia as medidas.

"Acho que é necessário. Se eu fosse algum outro país, eu tomaria uma decisão parecida, até que se entenda o que é essa nova variante", diz a publicitária.

"Eu não ia querer que isso estivesse se espalhando por aí, e é por isso que estão fechando o país."

O governo francês disse que estabelecerá um protocolo "para garantir que o movimento do Reino Unido seja retomado".

Já os Estados membros da União Europeia estão reunidos em Bruxelas para discutir uma resposta coordenada, com autoridades sugerindo que uma exigência de testes poderia ser imposta a todas as pessoas que chegam do Reino Unido.

Ainda não há informações oficiais sobre qualquer resposta do governo brasileiro à emergência no Reino Unido.

Em maio, a brasileira precisou cancelar passagens para visitar a família no Brasil enquanto o Reino Unido vivia um lockdown e regras rígidas de isolamento.

"Achei que não seria sensato da minha parte ir para o Brasil naquela hora", diz ela a reportagem. Os bilhetes haviam sido remarcados para este mês de dezembro.

"Mais uma vez, não seria seguro nem para mim nem para os meus amigos e parentes. Então, cancelei de novo."

Desabastecimento

Em meio a pânico em redes sociais e corridas às prateleiras, varejistas minimizaram temores de escassez de alimentos depois que a França fechou suas fronteiras para os transportadores do Reino Unido por 48 horas.

Mas eles alertaram sobre "sérios distúrbios" se não houver resolução, com uma das maiores redes do país dizendo que poderia enfrentar "lacunas" na oferta de alimentos frescos em alguns dias.

O porta-voz do primeiro-ministro disse que o Reino Unido tem uma cadeia de abastecimento alimentar "diversa". Já o ministro dos transportes da França disse que as medidas para "garantir que o movimento do Reino Unido seja retomado" estão próximas.

O canal entre os dois países é uma rota comercial vital, com cerca de 10 mil caminhões por dia viajando entre Dover e Calais nos períodos de pico, como o Natal, trazendo em grande parte os produtos mais frescos.

O risco é que os transportadores europeus evitem o Reino Unido por medo de ficarem presos no país.

O chefe da Federação de Alimentos e Bebidas (FDF), Ian Wright, disse que o fechamento da fronteira tem o "potencial de causar sérios problemas no fornecimento de alimentos frescos de Natal do Reino Unido — e nas exportações de alimentos e bebidas do Reino Unido".

Andrew Opie, diretor de alimentos e sustentabilidade do British Retail Consortium, disse que os varejistas estocaram bem antes do Natal.

Mas acrescentou: "O fechamento do tráfego da França para o Reino Unido, incluindo frete acompanhado, apresenta dificuldades para a capacidade do Reino Unido de importar e exportar produtos essenciais durante o movimentado período de Natal.

Frustração

Para a brasileira, a série de indefinições é "frustrante".

"Esse tem sido um ano frustrante de maneira geral. Agora, esse isolamento dá uma claustrofobia. Mas eu espero que a nova variante não seja perigosa", diz.

A nova variante, surgida após mutações, se tornou a forma mais comum do vírus em algumas partes da Inglaterra em questão de meses — e o governo britânico diz que ela seria até 70% mais transmissível que o coronavírus original.

O estudo dessa nova forma do coronavírus ainda está em um estágio inicial, contém grandes incertezas e uma longa lista de perguntas sem resposta.

Ao se replicar, os vírus geram mutações ou erros na sequência dos compostos representados pelas letras "a", "g", "c", "u"
Ao se replicar, os vírus geram mutações ou erros na sequência dos compostos representados pelas letras "a", "g", "c", "u"
Foto: Science Photo Library / BBC News Brasil

Desde domingo, Londres, o sudeste e o leste da Inglaterra estão em um novo nível mais severo de restrições (nível quatro) por conta do coronavírus.

No nível quatro, as pessoas não devem se misturar com ninguém fora de sua própria casa, além de "bolhas" de apoio em casos específicos, como o de pais separados.

As pessoas devem trabalhar em casa quando puderem e estão proibidas de entrar ou sair das áreas que estejam em nível quatro.

Enquanto serviços religiosos podem continuar, todo o comércio não essencial, restaurantes, pubs e espaços de exercícios físicos como academias de ginástica devem fechar as portas.

As restrições inicialmente vão durar duas semanas e serão revistas em 30 de dezembro, mas autoridades já admitem que elas podem se estender por meses, até que a vacina já tenha sido aplicada de forma mais ampla.

Segundo Patrick Vallance, conselheiro científico chefe do governo britânico, a nova variante do coronavírus foi observada pela primeira vez em meados de setembro em Londres e Kent. Ele diz que em dezembro se tornou a "variante dominante" em Londres.

Para aqueles nos níveis um, dois e três, as regras que permitem até três famílias se reunirem agora serão limitadas apenas ao dia de Natal.

As "bolhas" de Natal para os níveis de um a três não vão incluir ninguém no nível quatro.

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