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'É muito feio Lula prometer desmatamento zero na Amazônia', diz governador pró-Bolsonaro que se reunirá com Lula na COP27

Mauro Mendes, governador do Mato Grosso, Estado que abriga floresta amazônica, vai participar da cúpula da ONU sobre clima e se encontrará com Lula. Em entrevista à BBC News Brasil, ele defendeu que seria 'criminoso' e um 'atentado' contra o país abrir mão de 'explorar as riquezas minerais' da floresta. Mendes é forte apoiador de Bolsonaro e disse que vai cobrar 'respeito' dos países ricos ao Brasil.

14 nov 2022 - 07h55
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Mauro Mendes, governador do Mato Grosso
Mauro Mendes, governador do Mato Grosso
Foto: Assecom / BBC News Brasil

Reeleito no primeiro turno com quase 70% dos votos, o governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (União Brasil), vai à COP27, a cúpula do clima das Nações Unidas, com a seguinte mensagem: "Não podemos aceitar que o Brasil seja transformado no bad boy ou o patinho feio do ambientalismo internacional".

Para o governador, que é forte apoiador de Jair Bolsonaro, o Brasil faz "mais" que a maioria dos demais países na preservação do meio ambiente. E, apesar de ter piorado todos os seus indicadores ambientais na gestão do atual presidente, não merece, segundo Mendes, ser criticado pela comunidade internacional.

Nos últimos três anos, o Brasil registrou a pior taxa de desmatamento em 15 anos, o maior número de focos de incêndios em 10 anos e a maior taxa de emissão de gases poluentes em 16 anos. A destruição recorde da Floresta Amazônica, considerada crucial para o combate às mudanças climáticas, deteriorou a imagem do Brasil no exterior e travou negociações comerciais do país com nações europeias.

Mas Mauro Mendes diz que vai à COP27 cobrar "respeito ao Brasil" e que os países ricos cumpram a promessa de entregar US$ 100 bilhões por ano para financiamento de ações de combate a mudanças climáticas em nações em desenvolvimento.

"Eu sou contra o desmatamento ilegal. O que eu acho que nós brasileiros não podemos aceitar é que eles fiquem constantemente apontando o dedo para os nossos problemas quando os deles são muito maiores", disse o governador, em entrevista à BBC News Brasil.

Mendes integra o consórcio de governadores dos nove Estados que abrigam floresta amazônica. Eles vão se reunir com o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, na quarta-feira (16), em Sharm El-Sheikh, no Egito, onde ocorre a conferência da ONU.

Mas essa reunião não deve ser só de afagos. Desde a vitória nas urnas, Lula vem prometendo zerar o desmatamento na Amazônia, tanto o legal quanto o ilegal. Atualmente, a legislação brasileira permite o desmate de 20% das propriedades privadas nas áreas de floresta e exige a preservação de 80%.

A maior oposição aos planos de Lula pode vir dos próprios governadores de territórios onde há floresta amazônica, sobretudo os que apoiam Jair Bolsonaro e reproduzem as ideias do presidente. Em Mato Grosso, Estado governado por Mendes, 65% dos eleitores votaram em Bolsonaro no segundo turno.

Lula vai à COP27 promter guinada na política ambiental, mas vai também se reunir com governadores de Estados com floresta amazônica que se opõem à proposta de desmatamento zero
Lula vai à COP27 promter guinada na política ambiental, mas vai também se reunir com governadores de Estados com floresta amazônica que se opõem à proposta de desmatamento zero
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Perguntado pela BBC News Brasil o que acha da proposta de Lula de desmatamento zero na Amazônia, Mendes disse que é um "atentado contra a nação" não permitir a exploração das "riquezas da floresta".

"É muito feio um presidente fazer uma proposta que é ilegal. Ele está fazendo uma proposta ilegal", criticou.

"Nós temos enormes riquezas minerais na região amazônica. Será desmatamento zero? Nós vamos ficar 1 milhão de brasileiros passando fome sem poder explorar essas riquezas. Se o Brasil fizer isso, é um atentado contra nossa própria nação. Nós não podemos cometer um crime contra o nosso país."

Veja os principais trechos da entrevista:

BBC News Brasil - Qual vai ser o foco da sua participação na COP27? Que mensagem vai levar à cúpula do clima?

Mauro Mendes - Nós estamos fazendo um esforço muito grande para reposicionar a verdade a respeito daquilo que nós fazemos no Mato Grosso e que nós fazemos no Brasil. Mas eu não posso falar pelo Brasil, falo pelo meu Estado. Nós somos uma região com grande capacidade de produção de alimentos. Nós somos o maior produtor brasileiro das commodities agrícolas e preservamos 62% do nosso território.

O mundo tem hoje o desafio da segurança alimentar e o desafio da sustentabilidade, das mudanças climáticas a da redução da emissão de carbono. E, nesse quesito, o nosso Estado está muito bem posicionado. Somos um grande produtor. Nenhuma outra região do planeta produz tantos alimentos como nós produzimos no Brasil e tem tanta preservação. Então, essa é a principal mensagem. E nessa linha, nós queremos defender mais respeito ao Mato Grosso e ao Brasil. Outras partes do planeta precisam fazer pelo menos a metade do esforço que nós fazemos para preservação ambiental.

BBC News Brasil - Mas todos os indicadores ambientais do Brasil pioraram nos últimos três anos. O Brasil registrou o pior desmatamento em 15 anos, a maior taxa de emissão de CO2 em 16 anos e o maior número de focos de incêndio em 10 anos. De que maneira isso afeta a capacidade do Brasil de continuar nessa liderança de exportação de produtos agro e de negociar com outros países?

Nos últimos três anos, o Brasil registrou o pior desmatamento em 15 anos, o maior número de focos de incêndios em 10 anos e a maior taxa de emissão de gases poluentes em 16 anos.
Nos últimos três anos, o Brasil registrou o pior desmatamento em 15 anos, o maior número de focos de incêndios em 10 anos e a maior taxa de emissão de gases poluentes em 16 anos.
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Mauro Mendes - Nós fazemos aqui um esforço muito grande, consistente e verdadeiro para combater o desmatamento ilegal. O Estado do Mato Grosso tem a melhor tecnologia hoje no Brasil para detectar e rapidamente aplicar aquilo que a lei brasileira estabelece para esses infratores, que são as penalizações administrativa e a responsabilização civil pelo Ministério Público. Hoje nós conseguimos detectar no meu Estado em 48 horas qualquer desmatamento acima de um hectare. Se ele é ilegal, nós atuamos com a autuação administrativa imediatamente e em tempo real.

A Floresta Amazônica nós compreendemos que ela é fundamental para a nossa principal atividade econômica, que é o agronegócio, e contribui fortemente para o regime de chuvas do meu Estado e a produção de alimentos. Eu acredito que o mundo, apesar de ameaças constantes, não vai tirar o Brasil como um player de fornecimento de commodities alimentares. No último ano, o preço de alimentos do mundo subiu 30%. Se tirar o Brasil e sem a Rússia, o mundo estará disposto a pagar esse preço de ter o preço de comida dobrado por conta de problemas aqui e acolá?

Eu acho que nós temos alguns problemas, sim. Existem coisas ilegais que tem de ser combatidas. Agora, o mundo precisa reconhecer o tamanho do ativo que nós temos, que os lugares do planeta têm, que o Brasil tem. Então, em vez de ficar atirando pedra de lá para cá ou de cá para lá, nós temos que nos unir para fazer o esforço que tem que ser de todos os lados, não só do Brasil.

BBC News Brasil - O Brasil é sim um importante exportador de commodities e dificilmente o mundo bloquearia por completo produtos brasileiros. Mas é um fato que negociações internacionais ficaram travadas porque há uma resistência, principalmente na União Europeia, de negociar com o Brasil diante da política ambiental que existe hoje. Tanto é que o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia está paralisado. Na sua visão, o Brasil também precisa mudar a forma como está lidando com a política ambiental ou não?

Mauro Mendes - Acho que melhorias nós podemos e sempre devemos fazer em qualquer política, seja ambiental ou qualquer outra atividade pública. Mas os países ricos também não cumpriram sua promessa de pagar por serviços ambientais (em nações em desenvolvimento). Aqueles 100 bilhões de dólares por ano anunciado em diversas rodadas de negociação nunca saíram das falácias ou das conferências. Os países desenvolvidos não estão cumprindo também com a sua parte, em fazer as compensações, pagar pelos ativos ambientais de outras regiões do mundo, não só o Brasil.

E eu sou contra o desmatamento ilegal. Agora, o que eu acho que nós brasileiros não podemos aceitar é que eles fiquem constantemente apontando o dedo para os nossos problemas quando os deles são muito maiores. A emissão de carbono em países desenvolvidos, como Estados Unidos, muitos da Europa e da China, é muito alta e o esforço deles está sendo muito pequeno. Então, eu vejo que o Brasil precisa melhorar as suas políticas de controle e o meu Estado é um exemplo disso. Agora, o que nós não podemos aceitar é que o Brasil seja transformado em um bad boy do ambientalismo internacional.

BBC News Brasil - O senhor cita avanços no Mato Grosso, mas o Mato Grosso foi o terceiro Estado com maior desmatamento entre os nove Estados que abrigam Floresta Amazônica, segundo dados do Mapbiomas divulgados em julho e relativos a 2021. O que explica isso?

Mauro Mendes - Sempre vai ter alguém que vai ser o primeiro. Se alguém desmatar três hectares, eu desmatar dois e alguém desmatar um, alguém vai ser o primeiro, o segundo, e o terceiro. Essa forma de olhar para o número, de abordar, ela talvez não seja a mais correta e mais justa. Temos que olhar nos últimos 20 anos se o desmatamento está diminuindo. E se esse desmatamento é legal ou ilegal. Se você olhar o recorte de 20 anos, Mato Grosso reduziu o desmatamento ilegal em 85% e o legal está aumentando. Porque a lei brasileira permite desmatar 20% no bioma amazônico. E isso precisa continuar. Senão, vão transformar essa parte do Brasil numa grande floresta.

BBC News Brasil - O presidente eleito, Lula, tem dado bastante ênfase na promessa de mudança da política ambiental e chegou a falar em desmatamento zero - não só o desmatamento ilegal, mas desmatamento zero na Amazônia. O que o senhor acha dessa proposta?

Mauro Mendes - Eu acho que é muito feio o presidente fazer uma proposta de algo ilegal. Ele está fazendo uma proposta ilegal. Talvez ele não saiba disso, ou talvez saiba. Ele pode até defender que ele vai tentar no Congresso Nacional mudar a lei brasileira. Eu acho que ele sabe que é ilegal o que ele está dizendo e é muito ruim começar apresentando uma proposta legal. Pode dizer: 'eu sou contra e vou no Congresso Nacional tentar mudar a lei brasileira'. E vai condenar milhões de brasileiros a viver no meio da floresta, passando fome como hoje. Nós temos milhões de brasileiros no meio da Amazônia, numa região extremamente pobre. Muitos passando na linha da pobreza.

BBC News Brasil - O argumento ao propor desmatamento zero é o de que é possível implementar atividades econômicas que não impliquem em desmatamento na Amazônia. E, em outras regiões do Brasil, utilizar milhões de hectares que já foram degradados e que atualmente estão improdutivos. Qual sua opinião sobre esse argumento?

Mauro Mendes - Tá bom. Nós temos enormes riquezas na região amazônica. Será desmatamento zero? Nós vamos ficar 1 milhão de brasileiros passando fome, sem poder explorar essas riquezas? É isso? Isso não tem a menor racionalidade. Ninguém no planeta faz isso. Se o Brasil fizer isso, é um atentado contra nossa própria nação. Vamos fazer uma conversa um pouco mais qualificada. Vamos colocar na mesa, dando maior ou menor importância aos países que protegem 80% do seu território. Eu até hoje não encontrei nenhum nessas conferências do clima. Quando eu converso com alguns interlocutores, produtores, é difícil conseguir preservar 80%. Alguém consegue entender o que é isso? E o Brasil agora quer preservar 100%.

E o que nós vamos ganhar com isso? O que o mundo vai pagar por isso? Só conversa fiada. Pouco dinheiro realmente tem sido colocado na mesa para pagar por serviços ambientais. Nós não podemos cometer um crime contra o nosso país. Nessa conversa de meio ambiente, ficam tentando colocar a nós como o patinho feio. Eu espero que nós, brasileiros, o presidente e a imprensa compreendam isso.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63617171

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