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Eleições 2018: Como casais estão sendo afetados pela diferença no voto de homens e mulheres, que nunca foi tão grande

O primeiro turno terá praticamente duas eleições: a dos homens e a das mulheres. A diferença é o voto em Jair Bolsonaro.

2 out 2018 - 05h39
(atualizado às 08h02)
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Douglas e Janine têm candidatos diferentes: ele vota em Jair Bolsonaro, ela, em Álvaro Dias
Douglas e Janine têm candidatos diferentes: ele vota em Jair Bolsonaro, ela, em Álvaro Dias
Foto: Arquivo Pessoal / BBC News Brasil

Em 26 anos de casamento, Douglas Fedocio e Janine Fedocio, de Juiz de Fora, nunca tinham votado em candidatos diferentes para presidente de República. Até agora.

Nas eleições de 2018, Douglas, que tem 51 anos e é empresário, quer eleger Jair Bolsonaro (PSL). Janine, que tem a mesma idade do marido e é professora de balé, vai votar em Álvaro Dias (PODE).

Mesmo com a divergência, Douglas diz que não discutem por causa das eleições. "Se a gente quer democracia, a gente tem que ter democracia dentro de casa", afirma.

Os dois são um retrato de como está se configurando a votação para presidente neste ano. O primeiro turno terá praticamente duas eleições: a dos homens e a das mulheres. A diferença é justamente o voto em Bolsonaro.

Entre os homens, o ex-capitão do Exército está disparado no primeiro lugar, com 37% da intenção de voto. Já entre as mulheres, Bolsonaro tem cerca da metade do apoio, 21%, o que o coloca em posição de empate técnico com Fernando Haddad, que tem 22%. Os dados são da última pesquisa Datafolha, divulgada na noite de sexta-feira (28).

Em outras palavras, se dependesse das mulheres, Bolsonaro não estaria isolado em primeiro lugar, mas empatado. É a primeira vez, desde 1994 pelo menos, que a escolha das mulheres e dos homens para presidente pode ser diferente, segundo dados levantados pela BBC News Brasil.

As pesquisas de intenção de voto são a única forma de medir essa diferença, já que o sigilo do voto não permite saber como de fato votaram os homens e as mulheres.

Em 1994 e 1998, Fernando Henrique Cardoso vencia tanto entre homens como entre mulheres, segundo pesquisas Datafolha da época. O mesmo ocorreu com Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002 e 2006, também segundo o Datafolha, e com Dilma Rousseff, em 2010 e 2014, de acordo com o Ibope. Não estão disponíveis dados separados por gênero para pesquisas realizadas nas eleições de 1989 - as primeiras após o fim da ditadura militar.

"A diferença do voto feminino e masculino no Bolsonaro é um movimento curioso. A baixa entrada dele entre as mulheres reflete uma visão de que ele vai governar para os homens e que tem uma visão ultrapassada do papel feminino", diz Andréa Marcondes de Freitas, professora de ciência política da Unicamp.

"Uma rejeição tão alta entre as mulheres certamente prejudica o Bolsonaro no segundo turno", afirma a cientista política. Assim, quanto pior for o desempenho do candidato entre as mulheres, melhor ele precisa pontuar entre os homens, para compensar.

Nesta eleição de 2018, essa diferença muitas vezes se reflete dentro de uma mesma família, como é o caso de Douglas e Janine.

Douglas diz que vai votar no ex-capitão porque quer mudanças. "Sou empresário formado em jornalismo e filho de um ex-assessor do Itamar Franco. Vivo política desde os meus 6 anos e vou votar no Bolsonaro porque no meu ponto de vista ele é o único que pode mudar o sistema político do momento", diz.

Janine afirma que não vai votar em Bolsonaro porque não concorda com seus discursos sobre homossexuais e mulheres.

"Tenho medo do que ele fala sobre o papel da mulher na sociedade, sobre (as mulheres) ganharem menos e contra homossexuais. Eu tenho muitos amigos gays e fico bem revoltada com as coisas que ele fala, com o Bolsonaro sendo tão homofóbico", afirma Janine.

O casal encontrou um equilíbrio para evitar brigas dentro de casa.

"Eu gostaria que ela votasse no Bolsonaro, mas acho que deve haver respeito pela opinião alheia e isso deve começar dentro da nossa própria casa, só assim a gente tem o crescimento de uma sociedade politizada", afirma Douglas.

Por outro lado, Janine conta que os amigos de seu marido, que também vão votar em Bolsonaro, tentam convencê-la a todo momento a mudar seu voto.

"Eles (amigos do marido) são atiradores, frequentam clube de tiro e todos votam no Bolsonaro. Eles insistem tanto para que eu também faça isso que meu marido precisa pedir para pararem e respeitarem minha opinião", conta.

O casal está em viagem em João Pessoa e o empresário não tira sua camiseta com a estampa de Bolsonaro. Ela leva na brincadeira.

Evitando o assunto

A empresária Dyessica Vieira, de 25 anos, e o namorado, que é Policial Militar, até já combinaram de não conversarem mais sobre o assunto para não acabarem brigando.

Ela aderiu movimento #EleNão, contra Jair Bolsonaro, e pretende votar em João Amoêdo (Novo). Ele deve votar no ex-capitão do Exército.

"A gente já teve briga feia, de ficar horas sem se falar. Então decidimos que vamos deixar esse assunto de lado", conta.

"Eu detesto qualquer ideia de Bolsonaro", diz Dyessica. "Me incomoda. Além de ser extremamente machista e preconceituoso, na minha concepção ele não tem preparo nenhum pra ser presidente. A gente está numa crise grande. Precisamos de alguém inteligente, preparado. Ele é político há anos e nunca fez nada. Sabe gritar muito, tem muita frase de efeito, mas não tem preparo. Ele não entende de economia e tudo o que fala é fake news", diz a empresária.

Ela conta que o namorado diz que "o Brasil está uma bagunça e Bolsonaro vai pôr ordem".

Com as eleições se aproximando e tanta discussão acontecendo, nem sempre o casal consegue se ater ao que foi combinado. "Em qualquer rodinha de amigo, tem gente discutindo política", conta Dyessica.

"Eu compartilho coisa contra, ele a favor... De vez em quando ele manda um meme, manda uma piadinha machista, provocaçãozinha."

As discussões não chegam a abalar o relacionamento do casal, de Balneário Camboriu, em Santa Catarina. Os dois pretendem morar juntos no ano que vem.

Mesmo objetivo

Monique Camargo, de 26 anos, e Sérgio Sírio, de 31, não acham que as diferenças são um problema para sua relação. O casal diz que na verdade gosta de debater.

"É muito bom isso (os dois pensarem diferente). Mantém a gente mais atualizado sempre, se informando mais. A gente acaba buscando mais informação pra ter o que conversar", diz Sérgio. "A gente vai trocando ideias, a gente está sempre aberto a ouvir tudo."

Os dois estão juntos há 12 anos e sempre conversaram muito sobre tudo, incluindo política. Ambos trabalham como bartender em um clube de praia de Florianópolis, em Santa Catarina. Monique também é formada em biologia.

Sérgio diz gostar de Bolsonaro há muitos anos. "Hoje o que me leva a votar no Bolsonaro sem sombra de dúvida é a transparência e a honestidade. Essa forma irreverente dele de falar, com certeza, com propriedade", diz Sérgio.

Ele apoia propostas como fim das cotas, redução de maioridade penal para 16 anos e a castração química de estupradores. "A vítima vai sofrer pro resto da vida", diz. Mas afirma discordar sobre questões como diferença salarial entre homens e mulheres.

Já Monique afirma que é contra "essa disseminação de ódio gratuita (de Bolsonaro). Ele prega a divisão, e não a união. Ele não vai levar o Brasil a lugar nenhum, muito pelo contrário. Ele tem umas ideias muito antiquadas. Não tem respeito com a vida, não tem respeito com nada, não tem respeito com as mulheres. Não é uma pessoa que quero para me representar."

"(Bolsonaro) é influente porque é revoltado e tem muita gente revoltada. Ele se sente insatisfeito, como muitos de nós estamos, mas de uma forma muito radical. Acho ele muito extremista", diz ela, que afirma que não é "feminista nem de esquerda" e que vai votar nulo. "Nenhum candidato deste ano tem condições pra salvar o país."

Sérgio conta que o segredo para lidar bem com as opiniões diferentes é ter na cabeça a ideia de que os dois têm o mesmo objetivo.

"Nós dois compactuamos de uma ideia: todo brasileiro quer um Brasil melhor. Todo brasileiro sonha em ter uma país super desenvolvido", explica Sérgio. "O objetivo é comum, é o mesmo. Só o caminho que é diferente."

Maior disparidade

A intenção de voto de Bolsonaro entre os homens é 16 pontos maior que entre as mulheres, segundo o último Datafolha. Além de mostrar que homens e mulheres podem eleger candidatos diferentes pela primeira vez, as pesquisas também apontam que a diferença de votação de homens e mulheres em um candidato nunca foi tão grande.

Em 2002, Luiz Inácio Lula da Silva tinha 12 pontos a mais entre os homens - 51% x 39% - segundo pesquisa Datafolha realizada nas vésperas do primeiro turno. Na disputa pela reeleição, em 2006, a vantagem de Lula entre os homens era de 9 pontos - 45% x 36% - também de acordo com o Datafolha.

Em 2010, Dilma tinha 8 pontos a mais no eleitorado masculino - 52% x 44% - mostra o Ibope. Já em 2014, a petista tinha a mesma intenção de voto entre homens e mulheres.

Os dados também indicam que a atual distância entre o voto de homens e mulheres em Bolsonaro pode aumentar. "A quantidade de mulheres indecisas é maior que a de homens. A rejeição de Bolsonaro entre as mulheres também é maior. Por esse motivo, a gente imagina que um maior número das indecisas deve se posicionar contra Bolsonaro", afirma a cientista social Marcondes de Freitas.

Ela explica que o tamanho da diferença deve fazer com que mais casais votem de maneira diferente.

"Pensando nas pesquisas hoje, deve ter muito mais casais divididos do que tinha antes. A diferença é tão grande que é inevitável que parte dessas mulheres que rejeitam Bolsonaro sejam parceiras de homens que votam nele", pondera a especialista.

Além disso, diz a cientista social, a disputa está mais aguerrida, por que não é mais apenas uma discussão sobre políticas econômicas e sociais. "Quando a disputa é em torno de políticas específicas, no limite é conciliável, você consegue trazer um campo mínimo de acordo. Mas a discussão hoje praticamente só se dá no campo da moral. Você está falando de valores construídos ao longo da vida, não é só uma questão de opinião."

Para a estudante do Rio de Janeiro Ana Barreto, de 22 anos, a resolução para essa diferença de valores foi terminar o namoro. "Claro que não é apenas a diferença política, aconteceram outras coisas. Mas também foi um fator", diz ela.

Ana conta que pretende votar em Fernando Haddad (PT). "Eu estava em dúvida, mas já que ele está na frente (de Ciro Gomes) e pode impedir a eleição de Bolsonaro, voto nele sem dúvidas."

O antigo relacionamento começou em abril de 2017 e terminou em junho de 2018. No início, o namorado, de 40 anos, dizia que não tinha simpatia por Bolsonaro.

"Perguntei muitas vezes. Ele dizia que não votava, que não gostava", conta Ana.

Mas, segundo ela, ele tinha uma conta anônima no Twitter onde compartilhava posts em favor do ex-capitão. "Durante o namoro, eu descobri que ele realmente concordava com as ideias dele, a gente acabava discordando muito e aquilo estava ficando insustentável."

Questão de família

O empresário Bruno, de Jundiaí, no interior de São Paulo, está tendo problemas em casa, mas diz que seu incômodo é menos com a posição da mulher - que vai votar em Marina Silva (Rede) - e mais com a sogra e os dois cunhados.

"É tudo petista! Eles não me deixam em paz, ficam tentando me convencer", conta.

No caso dele, as brigas começaram muito antes de 2018. "Em 2014 já era assim. Eles nunca respeitaram minhas opiniões."

Bruno pediu pra não ter o sobrenome divulgado para não afetar seu negócio. "Eu evito dar declarações públicas, porque do jeito que o mundo tá chato tem cliente que pode ficar ofendido, vai saber. Eu não acho que o Bolsonaro é homofóbico, é só o jeito dele de falar", afirma. "Mas vi um movimento aí de boicote (contra empresários que doaram para campanha de Bolsonaro)."

Ele diz que pretende votar em Bolsonaro pois quer evitar que o PT consiga novamente o poder. E conta que a mulher, que é voluntária em uma ONG de resgate de animais, tem simpatia pelo discurso a favor do meio ambiente de Marina.

"Eu falo pra ela: 'Você está jogando seu voto no lixo. O Bolsonaro é o único que pode impedir que o Brasil vire uma Venezuela'. Mas a gente quase não conversa sobre política. Então não briga."

Até agora as brigas com a família da mulher, que mora em outra cidade, aconteceram mais pelo grupo no Whatsapp e no Facebook.

"Tudo o que eu posto eles vêm comentar. Em época de eleição eu até evito ir almoçar (com a sogra) no domingo, não quero encheção de saco. Digo que preciso trabalhar."

A estudante de engenharia civil Thais Cardoso, de 19 anos, também pensa bem diferente da família do namorado, que tem a mesma idade. Ela faz vários posts contra Bolsonaro no Facebook. Seu namorado - e a maioria dos membros de sua família - são eleitores do ex-capitão do Exército. "As discussões começaram lá", conta ela, que mora em Iretama, no Paraná.

"Tento não falar muito porque eleitores do Bolsonaro não conseguem aceitar outra visão... Mas nem esquento a cabeça, só dou risada dos argumentos deles e levo numa boa, desde que não me ofenda nem minha família", afirma a estudante.

O casal está junto há dois anos e esta será a primeira eleição de que participarão. "Uma vez, no início das campanhas, ele disse algo sobre eu ter alguns homossexuais na família e disse que por isso eu ia contra o Bolsonaro. Mas logo expliquei pra ele que isso é apenas um dos milhares de motivos para não votar (nele)", diz ela.

Divergências sobre a vida

Franciele Ieck e Luiz estão juntos há mais de 5 anos e - apesar de sempre terem votado diferente (ela votou em Dilma Rousseff em 2014, ele, em Aécio Neves) - os dois nunca tinham brigado por política.

"Está muito difícil. A gente discute todo dia, feio, de ficar sem se falar", conta Franciele, que mora em uma cidade no interior do Rio Grande do Sul.

Franciele aderiu ao #EleNão e pretende votar em Ciro Gomes (PDT). Seu namorado defende o voto no ex-capitão do Exército.

"Começamos a brigar no início do ano, quando o pessoal tava falando que ele (Bolsonaro) seria presidente", conta Franciele. "Meu namorado quer me convencer a votar nele. Já eu falo para ele: 'eu não quero que tu vote no meu partido, no meu candidato, só não vota no Bolsonaro'."

Franciele e o namorado eram amigos de infância - se conhecem desde os doze anos de idade. Mas ela diz sentir que só conheceu o namorado de verdade agora, em época de intenso debate político. "Não é só uma questão de candidato, a gente realmente começou a divergir sobre como viver a vida", afirma.

"Ele (Bolsonaro) tem um discurso de ódio. Para mim já não é uma questão de política, é uma questão ética e moral."

"Uma das brigas que a gente teve foi porque meu namorado disse que, se um dia a gente tivesse um filho gay, ele consertava na base da porrada", diz ela. "Ele sempre pensou diferente de mim, mas essas eleições fizeram ele ficar mais radical nessas posições", diz Franciele.

O casal vive uma verdadeira crise e ainda não encontrou um meio termo para essas diferenças.

*Colaborou Felipe Souza, da BBC News Brasil em São Paulo

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