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Eleições 2018: Por que está tão difícil escolher um vice e por que ele é importante

Num período de 57 anos, o Brasil já foi comandado por quatro vices; de acordo com a Constituição, o vice-presidente tem a atribuição de auxiliar o presidente "sempre que por ele convocado para missões especiais".

27 jul 2018 - 05h52
(atualizado às 07h53)
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Michel Temer substituiu Dilma, alvo de impeachment, e José Sarney assumiu após a morte do presidente eleito Tancredo Neves
Michel Temer substituiu Dilma, alvo de impeachment, e José Sarney assumiu após a morte do presidente eleito Tancredo Neves
Foto: Valter Campanato/Ag. Brasil / BBC News Brasil

O Brasil guarda, em sua história, um capítulo especial para vice-presidentes. Num período de 57 anos, o país foi comandado por quatro vices. João Goulart, José Sarney, Itamar Franco e Michel Temer assumiram em circunstâncias distintas, mas, juntos, governaram como vices por mais de uma década

E, a poucas semanas da data limite para registrar candidaturas para as eleições de 2018, os pré-candidatos ainda tentam firmar coligações e escolher o nome de seus vices.

Jair Bolsonaro (PSL), Geraldo Alckmin (PSB), Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede), por exemplo, ainda não definiram ao lado de quem vão disputar as eleições marcadas para 7 de outubro.

Mas, afinal, qual é a importância de um vice?

A Constituição de 1988 determina em seu artigo 79 que o vice-presidente deve substituir ou suceder o Presidente da República. O vice tem, segundo o texto constitucional, a atribuição de auxiliar o presidente "sempre que por ele convocado para missões especiais".

No Brasil, mesmo sem uma missão especial, o vice-presidente eleito possui residência oficial no Palácio do Jaburu e despacha num anexo do Palácio do Planalto.

O professor Anthony Pereira, diretor do Brazil Institute do King's College London, observa que, num sistema presidencialista no qual o chefe do Executivo é escolhido pela maioria dos eleitores, a figura do vice representa, em tese, a continuidade e estabilidade democrática.

"Em teoria, na ausência do titular, o vice representa a chapa eleita pela maioria e tem legitimidade para continuar o governo. O papel dele seria garantir a continuidade democrática, uma vez que a chapa representa uma conexão direta entre eleitores e candidatos", diz Pereira, lembrando que em 1993 o país escolheu esse modelo por meio do plebiscito realizado para escolher a forma e o sistema de governo.

A figura do vice também tem se mostrado importante na composição de alianças. Oferecer a vaga de vice numa chapa a um integrante de outro partido pode significar tempo adicional de propaganda no rádio e na televisão, e pode ainda atrair para a coligação outras legendas aliadas do partido ao qual o vice pertence. Nesse cenário, pode também representar problemas em caso de uma coligação com muitas legendas e postulantes à vaga de vice.

Pereira lembra que em 2003, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva abriu mão de integrantes de partidos tradicionalmente aliados como o PCdoB e o PSB e escolheu o empresário José Alencar do PL. "O vice também serve para atrair outro tipo de eleitor", diz o professor.

Nem sempre foi assim, contudo. Em 1960, o Brasil votou separadamente para presidente e para vice.

Mas Jânio Quadros renunciou à Presidência em agosto de 1961 e substituído pelo vice João Goulart, que ficou no cargo até 1964 quando foi deposto pelo golpe militar sob alegação de que teria abandonado o cargo.

Já nas eleições indiretas de 1985, que marcaram o fim da ditadura militar, o Congresso elegeu a chapa encabeçada por Tancredo Neves e com José Sarney como vice. Com a morte de Tancredo antes da posse, Sarney assumiu o posto máximo do Executivo e comandou o Brasil por todo o mandato de 5 anos, de 1985 a 1990.

Nas eleições seguintes, Fernando Collor foi eleito, mas deixou a Presidência em dezembro de 1992 (Collor renunciou ao cargo antes de o Senado votar o impeachment dele) e seu vice Itamar Franco, que havia sido eleito na mesma chapa, governou o Brasil até janeiro de 1995.

Michel Temer, por sua vez, ocupa a Presidência desde 2016. Eleito duas vezes como vice de Dilma Rousseff, ele assumiu a principal cadeira do Palácio do Planalto em maio de 2016 com o afastamento temporário da presidente e, em agosto, foi efetivado no cargo depois que o Senado votou pelo impeachment de Rousseff.

Por que está tão difícil encontrar um vice nas eleições de 2018?

Para as eleições de outubro, a data limite para registro dos candidatos é 15 de agosto. Mas, a cerca de três semanas do prazo limite, os principais pré-candidatos ainda não anunciaram quem serão seus respectivos vices.

Jair Bolsonaro (PSL) ainda espera uma resposta da professora universitária Janaína Paschoal, quarto nome cotado para compor a chapa com ele. Bolsonaro viu outros três nomes desistirem de concorrer ao seu lado: Eliana Calmon, ex-corregedora do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e ex-ministra do STJ (Superior Tribunal de Justiça), o senador Magno Malta e o general da reserva Augusto Heleno.

Mas não é só Bolsonaro que enfrenta dificuldades para encontrar um nome para compor a chapa.

Apesar de o "centrão", nome do bloco composto por DEM, PP, PR, PRB e Solidariedade, ter sinalizado que apoiará Geraldo Alckmin (PSDB), ainda não há definição sobre quem será indicado ao posto de vice.

Marina Silva (Rede), que começou a campanha de 2014 como vice e foi alçada à titular da chapa com a morte de Eduardo Campos, tem mantido conversas com representantes do PV, PHS, PPS e PMN, mas não descarta uma solução interna com um nome da própria Rede.

Ciro Gomes (PDT), por sua vez, flerta com o PSB e o PCdoB, mas não bateu o martelo sobre quem será seu companheiro de chapa.

O vice José Sarney foi empossado na Presidência em 1985 após a morte do presidente eleito, Tancredo Neves
O vice José Sarney foi empossado na Presidência em 1985 após a morte do presidente eleito, Tancredo Neves
Foto: Arquivo Senado / BBC News Brasil

Segundo Anthony Pereira, a escolha de um vice está mais demorada nas eleições de 2018 por causa do cenário eleitoral incerto. "Partidos e candidatos ainda não sabem exatamente quem estará nas urnas e por isso estão esperando mais tempo para definir quem apoiar", avalia, assinalando que as dúvidas em relação à candidatura de Lula é o principal fator de muita gente estar em compasso de espera.

"Não se sabe com certeza se o PT vai registrar o nome de Lula ou de outra pessoa, nem quando a Justiça Eleitoral vai se posicionar em relação à possibilidade de Lula disputar a eleição. Por isso os políticos e partidos estão demorando mais tempo para definir alianças", avalia o diretor do Brasil Institute.

Dá para viver sem vice?

O professor Anthony Pereira diz que atualmente é plenamente possível governar estando fora do país. "Manter um vice sem função, apenas esperando a morte do titular, parece algo antiquado", observa.

Mas, afinal, é possível ser chefe do Executivo sem um vice? Dois vizinhos do Brasil na América Latina provam que sim.

O México aboliu a figura do vice-presidente em 1917. No Chile, é um ministro quem ocupa o cargo de vice e, na impossibilidade definitiva do titular continuar no cargo, novas eleições devem ser convocadas em 10 dias se faltar dois anos ou mais de mandato.

No caso do Brasil, para abolir a figura do vice-presidente seria necessário mudar a Constituição.

Um vice pode ocupar outra função no governo?

Anthony Pereira lembra que no Brasil, apesar de vices terem escrito parte da história recente do país ao ocuparem a principal cadeira do Executivo, muitos deles parecem não ter muita função além de esperar que o titular se ausente. "Marco Maciel, vice de Fernando Henrique Cardoso, era praticamente invisível. José Alencar, por um bom tempo, também foi", diz o professor.

Mas é possível dar uma função - e até mesmo um ministério - para manter o vice ocupado.

José Alencar, em novembro 2004, foi escolhido por Lula para comandar o Ministério da Defesa, acumulando a função com a de vice. Alencar renunciou ao Ministério da Defesa em março de 2006 para poder se candidatar à reeleição, novamente como vice de Lula.

Anos depois, em 2015, Dilma Rousseff deu ao vice Michel Temer a Secretaria de Relações Internacionais (SRI), que tinha status de ministério, para que ele comandasse as funções de articulação política com o Congresso. Temer ocupou a função por poucos meses e pediu para sair, o que agravou ainda mais a crise no governo Dilma-Temer.

"Vice só serve para tramar"

O petista Jaques Wagner, ex-ministro de Dilma e ex-governador da Bahia, foi um dos responsáveis pela indicação do então vice para as articulações políticas do governo Dilma Rousseff.

"Se alguém tem culpa, eu tenho porque fui um dos que sugeriu [o nome de Temer para a SRI]. A gente precisava dividir o poder. Ela era a presidente e não dava para manter um grupo de coligação com poder absoluto", disse à BBC News Brasil em 2017, quando participada de um seminário em Oxford.

O próprio petista é um político crítico à figura do vice.

Jaques Wagner: 'Para que vice?'
Jaques Wagner: 'Para que vice?'
Foto: Cynthia Vanzella/Brazil Forum / BBC News Brasil

Diante de uma plateia lotada em Oxford, Wagner arrancou risos ao dizer que vice só serve "para tramar e gerar despesa".

"Para que vice? Vice só serve para tramar, gastar dinheiro. Só gera despesa", declarou o petista na ocasião, dizendo que nem mesmo em caso de viagem é preciso de substituto. Para ele, com a tecnologia disponível hoje, é possível dar ordens e assinar documentos à distância.

Questionado pela BBC News Brasil sobre a relação que manteve com os dois vices durante o período em que governou a Bahia, Wagner disse: "Tive dois vices fantásticos". Ele afirma ter tentado dar funções aos substitutos diretos. O primeiro, do PMDB, tinha 90 anos e não aceitou comandar nenhuma secretaria. O segundo, hoje no PSD, ficou responsável pela infraestrutura da Bahia. "Cabeça vazia é morada do diabo", diz o petista.

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