Eleições 2018: Programas econômicos dos presidenciáveis não permitem enfrentar desafios do Brasil, diz especialista francês
Segundo economista-chefe de América Latina da Agência Francesa de Desenvolvimento, as propostas para a Previdência de todos os candidatos são vagas, e o regime de capitalização defendido por alguns deles tende a aumentar as desigualdades.
As propostas econômicas dos principais candidatos à Presidência não detalham a aplicação das medidas e não permitiriam solucionar os principais problemas do Brasil, na avaliação de Nicolas Meisel, economista-chefe da seção América Latina da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), instituição de pesquisa ligada ao governo francês.
"Os programas econômicos em geral dos candidatos à Presidência do Brasil não conseguem propor uma visão abrangente e coerente que permitiria enfrentar os desafios do país no curto, médio e longo prazos", opina Meisel.
A AFD é uma instituição financeira do governo francês que realiza ações internacionais para combater a pobreza e favorecer o desenvolvimento sustentável.
No Brasil, a AFD financiou 38 projetos desde 2007, a grande maioria para combater as mudanças climáticas, totalizando investimentos de 1,8 bilhão de euros (quase R$ 8,5 bilhões) no país.
A agência francesa também realiza estudos sobre o Brasil. Economistas da instituição estiveram recentemente no país para preparar uma nova análise sobre a situação econômica e social do Brasil nesse período pré-eleitoral, que será publicada nos próximos meses.
O principal desafio de curto prazo no Brasil, diz Nicolas Meisel, é o equilíbrio das finanças públicas, com o controle da trajetória do deficit e estabilização da dívida.
No médio e longo prazos, ele cita os desafios da reforma fiscal, do deficit de infraestrutura, da melhoria da competitividade, da redução das desigualdades, do financiamento da economia pelo setor financeiro e do posicionamento tecnológico do país, entre outros.
Uma das propostas dos presidenciáveis considerada genérica pelo economista francês é a da reforma da Previdência.
Os candidatos Jair Bolsonaro (PSL), Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede) e Álvaro Dias (Podemos) incluíram em seus programas de governo a proposta de adoção do modelo de capitalização da Previdência Social. Geraldo Alckmin (PSDB) também defende em discursos a capitalização da Previdência.
Segundo esse sistema, o trabalhador contribui para sua própria aposentadoria - a contribuição é aplicada em um fundo e sua rentabilidade irá garantir a aposentadoria de cada contribuinte.
Ele é diferente do modelo atual, do regime de repartição (defendido pelo programa de Fernando Haddad - PT), onde as pessoas na ativa pagam os benefícios dos aposentados.
Para o economista francês, nenhum dos candidatos explica em detalhes como seria implementado o sistema de capitalização da Previdência e qual seria o custo efetivo dessa eventual transição, já que o governo deixaria de arrecadar para financiar as aposentadorias atuais.
Meisel se diz "bastante cético" em relação ao regime por capitalização. "Ele pode aumentar as desigualdades", afirma, ressaltando que no caso de fundos de pensão públicos com prestações definidas há maior segurança para os trabalhadores.
De acordo com ele, há possibilidade de que os riscos de volatilidade dos mercados sejam arcados pelos trabalhadores e que o Brasil enfrente o mesmo problema de aposentadorias baixas que ocorre no Chile.
Miesel também ressalta que nenhum dos principais candidatos propõe uma reforma fiscal a longo prazo.
Para o economista francês, o candidato Geraldo Alckmin, que promete eliminar o deficit público em dois anos, tem propostas mais próximas das recomendações do Fundo Monetário Internacional (FMI) e por isso é apreciado pelos mercados, mas suas propostas são menos explícitas em relação aos desafios de médio e longo prazos do país e deixariam para segundo plano as questões sociais.
O candidato Fernando Haddad, que vem subindo nas últimas pesquisas, promete revogar a emenda do teto dos gastos, o que, na opinião de Miesel, tende a aumentar a dívida pública.
O programa do candidato do PT prevê a implementação de medidas emergenciais, como redução dos juros, que em tese favoreceriam a retomada do crescimento econômico e teriam um impacto positivo sobre o problema da dívida.
Mas, segundo Meisel, basear a estratégia econômica apenas no crescimento da economia representa uma "aposta" e não permitiria resolver os problemas orçamentários do Brasil no curto prazo.
Haddad tem propostas mais abrangentes na área social do que alguns outros candidatos, mas há incertezas sobre a capacidade de financiamento dessas medidas, diz o economista.
Ao mesmo tempo, Haddad incluiu em seu programa medidas para estimular bancos que ofereçam crédito a custo menor.
"As pequenas e médias empresas hoje no Brasil não se beneficiam da redução das taxas de juros. Elas captam recursos com taxas a 50% ao ano", ressalta Miesel, acrescentando que as margens do setor financeiro brasileiro em seus empréstimos são as mais elevadas do G20.
O candidato Ciro Gomes (PDT) tem um discurso ainda mais de confronto em relação aos bancos, afirmando que irá "quebrar o cartel".
Na avaliação do economista francês, o problema do financiamento da economia pelo setor bancário, que pratica taxas de juros bem acima da taxa básica (Selic) do Banco Central, é abordado apenas por poucos candidatos.
No caso de Jair Bolsonaro, o candidato "com discurso ultraliberal clássico" sofre, na avaliação de Miesel, grandes riscos de não conseguir aprovar suas medidas por falta de apoio parlamentar e a possibilidade de que elas sejam rejeitadas pela Justiça. "Todo o seu programa encontra obstáculos parlamentares e jurídicos", diz Miesel.
Isso devido a princípios constitucionais, como os reajustes dos benefícios da Previdência, vinculados ao salário mínimo, corrigido anualmente.
Bolsonaro promete eliminar o deficit público primário no primeiro ano de governo e convertê-lo em superavit no segundo ano.
Para Meisel, mesmo que o candidato privatize a Petrobras no primeiro ano - Bolsonaro admite a privatização da companhia "se não tiver uma solução sobre os preços dos combustíveis" - isso não significa que haveria um superavit no ano seguinte porque as despesas públicas continuariam crescendo por conta do reajuste do salário mínimo e de benefícios sociais atrelados a ele.
O coordenador do programa de governo de Bolsonaro, o economista Paulo Guedes, propôs recentemente a criação de novos tributos nos moldes da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), mas o candidato desmentiu nas redes sociais que a medida esteja em estudo.
Marina Silva (Rede), por sua vez, correria o risco de ter seu programa econômico visto como tendo pouca credibilidade. A candidata também é contra a emenda do teto de gastos aprovada pelo governo Michel Temer e promete controlar os gastos públicos e não elevar a carga tributária.
"Apenas o controle de gastos não resolve o problema. Pode haver crescimento econômico fraco ou aumento da inflação", diz Miesel, indicando que isso pode comprometer os objetivos previstos.