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Em 2015, Brasil não terá nenhum governador declarado negro

Professor da USP diz que sistema dificulta integração, mas que movimentos ligados à causa devem repensar seu papel na política

20 nov 2014 - 07h32
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<p>Deputado federal Vicentinho (PT)</p>
Deputado federal Vicentinho (PT)
Foto: vicentinho.com / Divulgação

“Um governante assumir a sua negritude é um belo sinal que ele pode fazer para a sociedade”. Apesar da frase dita pelo deputado federal Vicentinho (PT) em entrevista ao Terra - neste ano eleito o primeiro negro líder da bancada de um partido na Câmara na história -, dos 26 Estados do Brasil e o Distrito Federal que comemoram o dia da Consciência Negra nesta quinta-feira, em nenhum deles a população verá um governador negro discursar sobre a importância da data. Na eleição deste ano, não houve um eleito para comandar algum dos Estados que se declarou “preto” - classificação usada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) - ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Apenas seis se disseram “pardos”.

“As campanhas estão cada vez mais caras e os partidos buscam candidatos que conseguem angariar recursos. Os negros, em geral, estão nas camadas mais pobres e não têm esse poder”, diz o professor da ECA/USP e coordenador do coletivo de ativistas anti-raciais Quilombação, Dennis de Oliveira, para quem o fim do financiamento das campanhas por empresas contribuiria para o equilíbrio dessa balança.

Dennis acha que o sistema dificulta a inserção do negro na política, e defende a cota nas candidaturas proporcionais – vereador, deputado estadual e federal. Entre os parlamentares, os negros estão presentes, mas são minoria. Nesta eleição, 81 dos deputados federais eleitos se autodeclararam negros e 22 pretos, ante um total de 513 cadeiras.

Além de mudança na estrutura política, para o professor, o movimento negro também precisa repensar seu papel dentro das instâncias políticas. “O movimento negro tem uma relação muito complicada com os partidos. Tem que repensar o que é movimento, o que é partido. Muitos militantes acabam usando a base de apoio que o movimento proporciona, mas se elegem e não têm uma política realmente ligada às reivindicações do grupo. Acabam representando ações individuais, não de um coletivo”, disse. 

Reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, José Vicente segue um raciocínio parecido ao do professor. “Me parece que o negro não tem toda a profundidade, todo um reconhecimento da importância da representação política. Se não se organizar, nunca vai chegar perto do butim, digamos assim. Porque se não ganhar esse espaço, não vai receber”, diz José.

Na sociedade

Assim como nos vários setores e expressões da sociedade, na política, o preconceito também está no dia a dia. Segundo Dennis, ele aparece em parte do eleitorado e, inclusive, em meios de comunicação. “Por exemplo, o caso do Celso Pitta (ex-prefeito de São Paulo, já falecido). Quando apareceu o escândalo dos fiscais, eu lia em alguns lugares escrito ‘o prefeito negro Celso Pitta’. Mas ninguém fala o presidente branco Fernando Collor. Parece que quando tem algo negativo, tem que vir associado com a cor negra”, afirma. O deputado também comentou sobre sua preocupação com a cultura do preconceito incrustada nas palavras: “eu procuro corrigir, de forma polida, quando um colega fala ‘um momento negro da história’, ‘a coisa tá preta’, ‘uma mancha negra’. Nós, deputados, temos que estar atentos para não repetir esse preconceito”.

Vicentinho conta também que já passou por momentos de descriminação em sua trajetória. “No primeiro dia em que tomei possei, em 2002, eu estava na porta do hotel, com o paletó da posse, com alguns amigos deputados, o Chico Alencar e acho que uns seis deputados. Veio um senhor rápido, afobado, com a chave na mão, e disse ‘vai lá pegar meu carro que eu estou com pressa’. Quer dizer, pra ele, um negro ali não poderia ser um deputado, tinha que ser um manobrista. Outra vez eu estava em um voo para Salvador, veio um senhor e me disse: ‘você é um negro de alma branca’.

O deputado diz que seu trabalho é para que o eleitor não pense em raça ou gênero na hora de votar. “Trabalho para que as pessoas sejam vistas como todas iguais, não negros, brancos, homem ou mulher. A causa da igualdade racial não é do povo negro, é da sociedade. É igual na luta contra a violência com as mulheres. Não é uma luta só das mulheres, é do homem também”, finalizou.

Distorção

“O fato é que nós temos uma distorção. Se a gente pensar numa República, como representatividade dos diversos segmentos da sociedade, há um grande trabalho a ser feito por todos, pelos partidos, pelas lideranças políticas e pelas comundiades para eleger seus representantes”, afirmou José Vicente. 

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2013, divulgada pelo IBGE, 46,2% dos brasileiros se declaram brancos. Pardos somam 45% da população, enquanto os que se intitulam pretos são apenas 7,9%; outros 0,8% se autodenominam amarelos.

<p>Eduardo Ribeiro (1862  1900) é considerado o primeiro governador negro de um Estado na história do Brasil </p>
Eduardo Ribeiro (1862 1900) é considerado o primeiro governador negro de um Estado na história do Brasil
Foto: Sec-AM / Reprodução
Primeiro governador negro

Eduardo Ribeiro (1862 – 1900) é considerado o primeiro governador negro de um Estado na história do Brasil - comandou o Maranhão entre 1892 a 1896. Contando com o auge da economia da borracha no Estado, fez a capital, Manaus, ser conhecida como a “Paris dos Trópicos”. Também chamado de “O Pensador”, por ter editado jornal de mesmo nome, durante seu mandato implantou infraestrutura na cidade que, à época, poderia ser chamada de vila. Introduziu os bondes elétricos, esgoto e água encanada. Também em seu mandato foram construídas algumas das obras que até hoje são um marco na cidade, como o Teatro de Manaus, a Ponte de Ferro Benjamin Constant, o Palácio da Justiça e o reservatório de Mocó.

Na história recente, alguns exemplos de governadores negros foram Alceu Collares, que esteve à frente do Rio Grande do Sul entre 1991 e 1994, e Albuíno Azeredo, que governou o Espírito Santo no mesmo período. Em 2014, se declararam pardos Waldez (PDT-AP), José Melo (PROS-AM), Rui Costa (PT-BA), Pedro Taques (PDT-MT), Simão Jatene (PSDB-PA) e Confucio Moura (PMDB-RO). Wellington Dias (PT-PI) se declarou da cor “amarela” e o restante “branca”. Entre os presidenciáveis, apenas Marina Silva se declarou preta. Não há como comparar com anos anteriores, já que esta foi a primeira eleição em que os candidatos precisaram declarar a cor.

Fonte: Terra
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