Em Londres, eleitores enfrentaram 2h30 de fila e bate-boca para votar
Apoiadores de Bolsonaro e mulheres do movimento EleNão se enfrentaram na porta da Embaixada.
"Veja bem, votar no PT é como se o ladrão entrasse na sua casa, roubasse todas as suas coisas e lavasse a louça. Aí você desculpa ele. Não dá, não quero esse tipo de gente me representando", diz a paulista Magda Leech, 51, com camisa do Brasil, lacinho na cabeça e pompom estilo líder de torcida também nas cores verde e amarela.
Ela, que há 21 anos trocou o Brasil pela Inglaterra, ficou duas horas na fila em frente à Embaixada brasileira em Londres para votar em Jair Bolsonaro, o candidato do PSL que, acredita, irá "dar um jeito no país". Dona de uma loja, Magda enfrentou 4 horas de estrada entre Devon, onde vive, no interior, até a capital inglesa, para exercer seu direito de escolher o próximo presidente. "Fiz questão de vir votar. Pesquisei muito sobre o Bolsonaro e gosto das propostas dele."
Amiga de Leech, Marcia McVeigh, 61, aposentada, também usa pompom e lacinho na cabeça com as cores da bandeira brasileira e pegou a estrada para votar: 2h30, entre Cheltenham, onde vive, até Londres. Ao contrário da amiga, McVeigh não vota em Bolsonaro de jeito nenhum. "Vivi a ditadura no Brasil, lembro bem daquela época horrível, dos militares. E Bolsonaro exalta isso. Não quero", diz ela, que declarou voto em João Amoêdo, do Partido Novo, porque quer "renovação política".
Mesmo com visões políticas diferentes, as duas nunca discutiram. "Isso é democracia, né", diz McVeigh, enquanto um grupo de pessoas gritava "Lula ladrão, volta pra prisão".
Enquanto as duas aguardavam na fila, um homem deixava a Embaixada após votar gritando "Bolsonaro na cabeça, morte aos bandidos".
Era Adriano Lima, entregador, há 14 anos morando em Londres. Ele é um dos 9 mil eleitores que transferiram o título recentemente para votar no exterior. De 2014 para 2018, o número de eleitores registrados no Reino Unido passou de 17.000 para 25.927, tornando o país o segundo maior colégio eleitoral na Europa, atrás apenas de Portugal.
"Fiz questão de votar para ver se as coisas mudam. O país precisa disso, quero voltar para lá um dia", fala, na companhia da mulher, a esteticista Angela, também eleitora de Bolsonaro. Os dois são frequentadores da Igreja Universal do Reino de Deus, cujo líder, Edir Macedo, dono da emissora Record, declarou apoio ao candidato do PSL.
A doutoranda em direito Moniza Rizzini, 32, há quatro anos vivendo em Londres, também transferiu o título para votar na cidade. "É uma eleição determinante, não dava para não votar porque é #EleNão", afirma ela, em referência ao movimento organizado por mulheres contrárias à eleição de Bolsonaro, que realizou atos de protesto contra o ex-capitão no Brasil e no exterior no dia 29 de setembro.
Aguardando mais de 2h na fila, Rizzini esperava sua vez para votar em Ciro Gomes, do PDT. "Sou a favor do #EleNão porque não acredito nessa polarização que ele prega, nesse clima de ódio que ele incita. Não acredito que são dois lados opostos, os contra a corrupção e os contra o fascismo."
Em meio a um movimento nunca visto antes em dia de votação em Londres, as vendedoras de salgadinhos Nicole Lilbrenz, 20, e Lara de Lima, 20, de Goiânia, comemoravam o bom resultado das vendas. Cerca de 2 mil coxinhas, quibes e pães de queijo tinham sido vendidos, a 3 libras cada (cerca de R$ 15), e suas mães, as quituteiras responsáveis pela produção, estavam a caminho com uma nova leva.
A parceria nos negócios, entretanto, não se dá na política. Lilbrenz, que transferiu o título para Londres, votou em Bolsonaro, enquanto Lima optou por Ciro.
Cabo de guerra
Do outro lado da calçada, a polarização que tomou conta do Brasil nesta eleição estava explicitada - e praticamente desenhada pela rua que dividiu dois grupos. De um lado, eleitores que apoiam Bolsonaro e entoam gritos contra o PT. Na calçada oposta, uma turma, em sua maioria de mulheres, pede, aos gritos, o #EleNão.
Muitos dos que apoiam Bolsonaro fazem o gesto de uma arma com a mão e carregam cartazes elogiando, entre outras coisas, o Exército. Do lado do #EleNão, uma bandeira grande lembra a vereadora carioca Marielle Franco, assassinada em março, em um crime até hoje não esclarecido.
Os dois grupos gritam slogans ao mesmo tempo. O do #EleNão não cita em nenhum momento candidatos ou partidos políticos. Gritam palavras como "machista" e cantam uma música que diz que as mulheres "não vão fraquejar" - referência a uma declaração de Bolsonaro sobre ter uma filha mulher se dever a uma "fraquejada".
Do lado dos apoiadores de Bolsonaro, muitos gritos contra o PT e Lula. Também há ataques às mulheres do #EleNão, a quem chamam de "feminazi" e de "defensoras do aborto".
A enfermeira Elda Cardos, 42, há 19 anos no Reino Unido, segura um coração com os dizeres #EleNão, enquanto explica os motivos que a levam a não querer Bolsonaro na Presidência. "Ele é machista, racista, fascista", afirma ela, eleitora de Fernando Haddad, do PT. "Haddad é o oposto dele. E voto nele porque os governos do PT tiraram mais de 30 milhões de pessoas da miséria e isso não é pouca coisa."
Carregando cartazes com os dizeres em inglês que diziam "Chega de pão e circo" e "Viva o Exército" (numa tradução livre), mãe e filha, Marta Batista, 48, e Sarah, 21, ambas frequentadoras da igreja Assembleia de Deus, entoavam cantos a favor de Bolsonaro, apesar de não terem votado.
"Perdi o prazo para transferir meu título, mas vim apoiar o Bolsonaro. Porque sou contra a pedofilia, o aborto e a favor da intervenção militar", diz a estudante Sarah, que nasceu em Londres. Sua mãe, que vive em Londres há 28 anos, desde que deixou Guarulhos, na Grande São Paulo, conta apoiar o candidato do PSL porque os últimos governos no Brasil apoiaram "o pão e circo, o Carnaval, a maconha e o casamento gay".
Uma mulher de óculos escuros pega um megafone e grita, misturando inglês e português: "A nossa bandeira jamais será vermelha" e "Go to Cuba! Go to Venezuela" (Vão pra Cuba, vão pra Venezuela) e agradece a Sérgio Moro, o juiz da 13ª Vara Federal que conduz a operação Lava-Jato no Paraná.
Agressão à imprensa
Ao ser abordada pela reportagem da BBC News Brasil, a mulher, que se identifica como Divina e diz ser goiana, aceita ser entrevistada e começa a fornecer algumas informações como, por exemplo, há quanto tempo mora no Reino Unido. No meio da conversa, muda de ideia, tenta rasgar o bloco de anotações e dá um tapa no peito da repórter. "Petista", grita, até ser controlada por outros apoiadores de Bolsonaro.
Observando a movimentação de longe, a aposentada Izabel Bicalho, 68, segurava sua bengala incrédula com o que via. Há 35 anos na Inglaterra, conta nunca ter visto tanta gente votando e um ambiente "hostil" na rua. "Estou horrorizada com esses apoiadores de Bolsonaro. Eles não tiveram parentes torturados na ditadura. Estou morrendo de medo desse clima no Brasil, do que vai acontecer com nosso país."
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